Carlos Drummond de Andrade e sua “Carta a Stalingrado”, baluarte resistente ao nazismo.

“Saber que resistes.

Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.

Que quando abrirmos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.

Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu à pena.

Saber que vigias, Stalingrado, sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes dá um enorme alento à alma desesperada e ao coração que duvida”.

A batalha de Stalingrado: o início do fim do nazismo.

Hitler cometeu seu maior erro estratégico ao decidir invadir a União Soviética, em junho de 1941, dando início à “Operação Barbarossa”.

As tropas nazistas já haviam feito as principais conquistas na Frente Ocidental, incluindo a ocupação de Paris, o que deixava com que o Reino Unido enfrentasse a Alemanha praticamente sozinha. Hitler, ao invés de iniciar uma segunda “Batalha da Grã-Bretanha”, que certamente submeteria a resistência já combalida dos britânicos, aproveitando-se de uma política deliberadamente oportunista de “indecisão dos Estados Unidos”, resolveu abrir a “Frente Oriental”, esperando “esmagar a Rússia soviética numa rápida campanha antes do fim da guerra contra a Inglaterra”.

Perante a ausência de uma segunda frente de combates na Europa (os Aliados, sob a liderança americana somente desembarcariam na Normandie em 1944, quando o destino da Alemanha nazista já estava traçado pelo avanço vitorioso dos soviéticos), os nazistas haviam concentrado no ataque à União Soviética, até maio de 1942, o impressionante contingente de 6,2 milhões de soldados e oficiais, cerca de 57.000 peças de artilharia e morteiros, 3.300 tanques pesados e ligeiros e 3.400 aviões de combate.

Tal contingente de tropas, jamais reportado anteriormente na História, possuía três principais alvos estratégicos:

  1. ao norte, a conquista e destruição de Leningrado;
  2. ao centro, o cerco e a tomada de Moscou;

3.   ao sul, o controle do Cáucaso, que passava pela destruição de Stalingrado.

No verão de 1942, o primeiro ímpeto do ataque alemão já fora contido a um altíssimo custo pelo Exército e pelo Povo Soviético. Leningrado, apesar de cercada, não caíra e as tropas alemãs que haviam chegado até as cercanias de Moscou em dezembro de 1941, tinham sido rechaçadas mais de 600 km para o ocidente e lá a frente central dos Exércitos do Eixo permanecia estacionada. Apesar disso, os nazistas mantinham a supremacia por terra e por ar e ainda a eles pertencia a ofensiva estratégica.

Diante do fracasso na batalha de Moscou, Hitler exonerou o comandante da Wehrmacht, marechal Heinrich Von Brauchistch, assumindo o comando central das operações. Foi quando, pessoalmente, decidiu pela ofensiva no Cáucaso, para a qual mobilizou praticamente todas as reservas nazistas, na primavera de 1942. Lá se encontravam as fontes do petróleo soviético!

A batalha.

Stalingrado tinha, na época, 445 mil habitantes, com um importante parque industrial e comercial. Sua fábrica de tratores, símbolo da indústria soviética, havia produzido mais da metade dos 300 mil equipamentos então em operação no país. A fábrica Krasni Oktiabr produzia 776 mil toneladas de aço por ano e 584 mil toneladas de laminados. Também eram relevantes os Estaleiros e a Central Termoelétrica. A cidade era ainda um centro cultural importante com 125 escolas, vários centros de ensino superior, teatros, galerias de pintura e ginásios desportivos.

A posse da cidade tinha um significado estratégico enorme: o domínio do vale do rio Don, a porta de entrada do rio Volga e de toda a região sul da União Soviética. Por ser uma encruzilhada de vias de comunicações, unia a parte europeia da URSS com a Ásia Central e a região dos Montes Urais. Entrelaçava também as regiões centrais do país com o Cáucaso, o escoadouro do petróleo de Baku.

Na Batalha de Stalingrado, talvez o maior e mais sangrento confronto militar de toda a história da humanidade, todos os números que a envolvem são superlativos. 

O acadêmico A. Samsónov, autor de “A Batalha de Stalingrado”, conta que o Exército Vermelho derrotou nessa frente cinco exércitos: dois alemães (o 6º e o 4º de tanques); dois romenos (o 3º e o 4º) e um italiano (o 8º). As tropas lançadas pelo inimigo eram todas de elite, como por exemplo, o Sexto Exército era o mesmo que tomara a França em quatro semanas.

Segundo seus cálculos, os soviéticos destruíram completamente 32 divisões e três brigadas; provocaram a perda de metade dos efetivos de outras 16 divisões; e teriam matado cerca de 800 mil homens. No total, as baixas dos alemães de seus aliados — entre mortos, feridos e capturados — teriam chegado a um milhão e meio de pessoas, ou seja, 25% das forças de que dispunham no início da invasão da União Soviética. Os nazistas perderam mais de 3.500 tanques e peças de assalto; três mil aviões de combate e de transporte; 12 mil peças de artilharia e morteiros; 75 mil viaturas, etc.

Em contrapartida, segundo informa o historiador inglês Antony Beevor, o Exército Vermelho sofreu durante essa campanha mais de milhão de baixas, sendo meio milhão de mortos.

A batalha principiou em 17 de junho de 1942 e se prolongou por seis meses, repletos de dramatismo, marcados por um heroísmo excepcional. No início das operações, mais de duzentos mil operários ergueram fortificações nos acessos à cidade. As tropas soviéticas não podiam arredar pé de suas posições sob pena do desmoronamento de toda a frente de batalha. A ordem emanada do comandante Timochenko era “nem um passo atrás”. Qualquer recuo sem autorização significava Corte Marcial e fuzilamento.

O comando nazista, já nos primeiros dez dias de guerra, viu que havia subestimado o inimigo, dado que contava com que somente o Sexto Exército tomasse Stalingrado e de passagem para o Cáucaso. Rapidamente teve de deslocar tropas que já combatiam no Cáucaso e da frente do Don.

Hitler exigia uma rápida vitória. Deslocou novos contingentes para a batalha que já chegava às casas do perímetro urbano da cidade. Em setembro combatia-se dia e noite dentro da cidade. A história pelo controle de um prédio, cujo controle daria acesso ao rio Volga, conhecido como “casa de Pavlov” ou “ 6/1”, defendido por soldados com fuzis e armas anti-tanques sob o comando de um sargento, nas palavras do marechal Tchuikov, “custou mais vidas aos nazistas que a tomada de Paris”. E o prédio destruído não foi tomado pelas tropas alemãs, que, por essa via não chegaram ao Volga.

Outro fato a ser assinalado é a defesa popular oferecida por operários e fuzileiros navais soviéticos na defesa das próprias margens do Volga. Já com pouca munição, os fuzileiros se utilizavam de garrafas com gasolina para enfrentar os tanques. Uma dessas garrafas incendiárias caiu por acidente sobre o fuzileiro Panikak. Transformado em um archote vivo, lançou-se do parapeito de uma ruína sobre a escotilha aberta de um tanque nazista.

O princípio da derrocada nazista.

Em meados de novembro começou a arrefecer a ofensiva alemã. Nos quatro meses de combate os nazistas já haviam perdido mais de 700 mil homens, entre mortos e feridos. Do lado soviético, novas forças de reserva eram incorporadas ao combate.

Ao mesmo tempo, as guerrilhas em todas as áreas dominadas pelo inimigo cumpriam seu papel heroico e avassalador para as longas linhas de comunicação e abastecimento estabelecidas pelas tropas do Eixo. Eram mais de 2.000 destacamentos guerrilheiros que atacavam a retaguarda do inimigo diuturnamente.

Com isso preparava-se a grande virada histórica na batalha do Volga e de toda a Segunda Guerra Mundial. Pela primeira vez, na Guerra Pátria a iniciativa mudaria de mãos.

O plano de ação denominado “Urano” previa ataques em profundidade nos flancos inimigos em direção à cidade de Kalatch, visando o cerco e aniquilamento do Sexto Exército e do Quarto de Blindados alemães. A contraofensiva histórica começou em 19 de novembro de 1942. Em quatro dias, 330 mil homens das tropas de Von Paulus estavam sob um cerco colossal.  Um destacamento nazista sob o comando do general Manstein foi enviado por Hitler para romper o cerco, mas ele foi dispersado pelo Exército do Povo Soviético.

O Fuhrer impede o rendimento das tropas sitiadas. O Comando Soviético dá, no dia 8 de janeiro, aos nazistas, um ultimato de rendição incondicional para evitar maior derramamento de sangue, o qual é rejeitado. O ditador nazista prefere que seus homens morram aniquilados a se renderem. Em 23 dias as tropas soviéticas aniquilaram totalmente o inimigo sitiado.

Finalmente, em 2 de fevereiro de 1943, os combates por Stalingrado haviam terminado. Mais de 90.000 alemães caíram prisioneiros, inclusive 24 generais, dentre eles, o general, recentemente promovido a marechal, Von Paulus.

O anúncio da capitulação chegou a Berlim três dias depois da comemoração do 10º aniversário da chegada de Adolf Hitler ao poder.

Segundo o historiador William Shirer, autor de Ascensão e Queda do Terceiro Reich, o comunicado da derrota — que, por ordem do ministro da propaganda, Joseph Goebbels, omitiu a rendição dos mais de 90 mil soldados- foi precedido de um rufar de tambores abafados, seguida do segundo movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven (uma ironia histórica). Hitler decretou quatro dias de luto nacional e mandou fechar todos os cinemas, teatros e casas de diversão durante esse período.

É fora de dúvida que o Führer subestimou a capacidade dos soviéticos de lhe opor resistência. Assim, quando o 6º Exército se rendeu, a derrocada do 3º Reich tornou-se uma questão de tempo, a ser consumada com a tomada de Berlim pelos exércitos do marechal Júkov, no dia 7 maio de 1945.

Três dias depois do final da batalha de Stalingrado, o presidente americano Franklin Roosevelt enviou uma mensagem de congratulações a Stalin “por sua brilhante vitória”. Segundo Roosevelt, “os 162 dias da épica batalha pela cidade… serão lembrados como um dos mais dignos capítulos desta guerra dos povos que se uniram contra o nazismo e seus emuladores. Os comandantes e os soldados de seus exércitos e os homens e mulheres que os apoiaram nas fábricas e no campo cobriram de glória não apenas os braços de seu país, mas inspiraram e renovaram com o seu exemplo a determinação de todas as nações unidas de empenhar toda a sua energia para conseguir a derrota final e a rendição incondicional do inimigo comum”.

2 respostas

  1. As palavras de Franklin Roosevelt foram esquecidas com o tempo. Nao demorou muito para os americanos se auto proclamarem os salvadores da Europa.
    Triste realidade. Principalmente a geraçao mais velha aqui da Alemanha esqueceu o sacrificio do povo sovietico.

    1. A morte de Roosevelt ao final da guerra, trouxe o anticomunista Truman, que contradisse ordem expressa de Roosevelt de bloquear o uso da bomba nuclear no Japão e que se aliou a Franco e a Pio XII para facilitar a fuga dos nazis criminosos para os O.M. e A. L.

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