Os tempos heroicos da libertação nacional: apogeu e decadência da utopia.

O escritor Pestana dos Santos, filho de colonos portugueses, nascido em Angola em 1941, na cidade-porto de Benguela, antigo depósito de escravos para “engorda e exportação”, é conhecido pelo pseudônimo literário de Pepetela. Jovem, ingressou no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em 1961. Formou-se em Sociologia junto com os também escritores angolanos Costa Andrade e Henrique Abranches, no exílio em Argel.

Durante a guerra pátria pela Independência de Portugal, foi Comissário Político e Comandante guerrilheiro.

Após a tomada do poder pelo MPLA em 1975, Pestana tornou-se ministro da Educação durante todo o governo do líder Agostinho Neto. O próprio Presidente de Angola apoiou a sua atividade criativa e, dentre os romances escritos nessa época, Mayombe é o mais importante e significativo.

Mayombe simboliza o início de implantação guerrilheira em um novo território angolano, a rica província de Cabinda. O foco guerrilheiro isolado, cuja retaguarda encontra-se em território do Congo, buscará na ação armada convencer o povo a integrar-se à luta de libertação nacional. A morte do “Comandante Sem Medo”, ao final do romance, marca a integração entre homem e a futura Pátria angolana liberta que surgirá. “Sem Medo” pede para ser enterrado no Mayombe. “O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição. ”

O Presidente Agostinho Neto faleceu prematuramente em 1980 e José Eduardo dos Santos assumiu o governo de Angola e durante 38 anos exerceu um poder ditatorial e corrupto, sendo deposto apenas em 2017.

Em 1982, Pepetela desligou-se do governo do ditador e, posteriormente, rompeu com o próprio MPLA e com a política angolana, dedicando-se exclusivamente à escrita e ao ensino universitário.

Os romances de Pepetela, a partir de 1990, refletem a situação política de um ponto de vista mais crítico, utilizando muitas vezes a sátira e a ironia como recursos estilísticos. O seu primeiro romance da década é “A Geração da Utopia”, que confronta problemas já antecipados em Mayombe, mas na perspectiva de uma Angola pós-independência e o esgotamento de uma utopia revolucionária.

A guerra civil angolana, assim como a corrupção generalizada no governo, levou-o ao questionamento de muitos valores revolucionários espelhados no romance da década de 1980. “A Geração da Utopia” nos mostra a conversão dos antigos revolucionários em homens do Poder, e no autoritarismo que dele emana. A Pepetela restou o exílio em Portugal para não correr o risco de fuzilamento.

Nos anos 2000, ele publicou “O Predador”, a sua crítica mais dura e incisiva sobre as novas elites angolanas, que nada mais produzem que um espelho da sociedade corrupta, violenta e escravagista da época colonial. Já não mais encontramos a desilusão, e sim, a denúncia da geração pós-revolução, aquela composta por ladrões e pelos “comedores da Terra”, no parafrasear de Mia Couto.

Nos últimos livros que complementam o ciclo Pepetela, veremos que o sentido épico de “Mayombe” é totalmente abandonado. Dará lugar ao trágico e a ironia. Uma tragédia que é constituída por uma visão da vida que deriva seus princípios da significação da debilidade da condição humana, aquilo que Henry James chama de “a imaginação do desastre”.

E é a “imaginação do desastre” que constitui o “tragos” da “Geração da Utopia” e de “O Predador”. Ambos, com diferença apenas de tonalidade, serão o retrato sofrido dos angolanos que, mesmo vitoriosos na luta pela Libertação Nacional, frustraram-se com as guerras civis, com as traições das lideranças aos seus antigos ideais, com a rapinagem ocorrida após o abandono da causa socialista.

Mayombe e o Brasil.

Mayombe merece ser considerado como a expressão epopeica mais emblemática das gerações dos anos 60 e 70 do século passado, aquelas que abraçando a causa do socialismo e da libertação nacional desencadearam na África, nas Américas e na Ásia, a luta de guerrilheira contra o colonizador e os militares opressores nacionais.

No dizer de Pepetela, seu romance foi dedicado “aos guerrilheiros que ousaram desafiar os deuses na floresta obscura e em suas ações equipararam-se a Ogum”, deus da guerra, o Prometeu africano.

Na literatura brasileira, o romance “Viagem à Luta Armada”, de Carlos Eugênio Clemente, igualmente nos leva aos homens e às mulheres que desencadearam a luta armada urbana no Brasil, pertencentes à mesma geração dos heroicos combatentes de Mayombe, que tinham o mesmo sonho prometeico de transformação do mundo.

Líderes reais como Marighella e imaginários como o “Comandante Sem Medo” de Pepetela acreditavam que somente a ação revolucionária construiria o homem novo, num Mundo novo.  Não por um acaso, Clemente dedica seu livro aos “Quixotes” do mundo inteiro, “àqueles que escreveram as páginas mais belas da nossa História”.

Há quase um século, Joseph Glanvil traduziu em uma linha a epopeia dessas gerações:

“O homem não se curva aos anjos, nem mesmo com sua morte total, exceto pela fraqueza de sua frágil vontade”.

2 respostas

  1. Muito bom. Viva. A revolução é permanente, a cultura é viva,e a Vida é movimento.

  2. Estes escritos vêm de encontro à sensação e sistemática constatação de que os combatentes contra a ditadura mudaram de lado mantendo, entretanto, o linguajar “revolucionário”; ou, muitas vezes, sempre foram do mesmo lado, apenas incursionaram do lado de cá, que, por erro de cálculo supuseram seria o lado vencedor.
    Hoje, alíás, há tempos, encontro EX companheiros de cela e de lutas, que lembram os tempos de luta como uma aventura burguesa pessoal, causos a contar em reun~iões regadas a Johnie Walker, como me tratam sem a deferência que se deve a alguém a quem demos e recebemos força para resistir ao próximo interrogatório e com quem partilhamos a fome na Oban e no Deops.,

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