Pepetela: Mayombe – os tempos heroicos da libertação nacional

Introdução

O escritor Pestana dos Santos, filho de colonos portugueses, nascido em Angola em 1941, na cidade-porto de Benguela, antigo depósito de escravos para “engorda e exportação”, é conhecido pelo pseudônimo literário de Pepetela, que em umbundo significa pestana. Marxista desde jovem, ingressou no Movimento Popular de Libertação de Angola em 1961. Formou-se em Sociologia junto com os também escritores angolanos Costa Andrade e Henrique Abranches, no exílio em Argel.

Durante a guerra pátria pela Independência, foi Comissário Político e Comandante guerrilheiro. Após a tomada do poder pelo MPLA em 1975, Pestana tornou-se vice-ministro da Educação durante todo o governo do líder Agostinho Neto. O próprio Presidente de Angola apoiou a sua atividade criadora e dentre os romances escritos nessa época, Mayombe é o mais importante e significativo. Agostinho Neto faleceu prematuramente em 1980 e José Eduardo dos Santos assumiu o governo de Angola, completando trinta e cinco anos de poder em 2013.

Em 1982, Pepetela desligou-se do governo e, posteriormente, rompeu com o MPLA e com a política angolana, dedicando-se exclusivamente à escrita e ao ensino universitário.

Os romances de Pepetela, a partir de 1990, refletem a situação política de um ponto de vista mais crítico, utilizando muitas vezes a sátira e a ironia como recursos estilísticos. O seu primeiro romance da década é A Geração da Utopia, que confronta problemas já antecipados em Mayombe, mas na perspectiva de uma Angola pós-independência. A guerra civil angolana, assim como a corrupção generalizada no governo, levou-o ao questionamento de muitos valores revolucionários espelhados no romance da década de 1980. Por um bom tempo, Pestana foi, inclusive, obrigado a se afastar fisicamente de Angola. Nos anos 2000, ele publicou O Predador, a sua crítica mais dura e incisiva sobre as novas elites angolanas.

Na análise e resenha que dedicaremos ao trabalho de Pepetela, debruçar-nos-emos aos três romances que fecham um dos ciclos de criação do autor: Mayombe ou os tempos heroicos; A Geração da Utopia, com a desilusão trazida pela guerra civil e pela conversão dos antigos revolucionários em homens do Poder, e no autoritarismo que dele emana; O Predador, em que já não mais encontramos a desilusão, e sim, a denúncia da geração pós-revolução, aquela composta por ladrões e pelos “comedores da Terra”, no parafrasear de Mia Couto.

Mayombe merece ser considerado como a expressão epopeica mais emblemática das gerações dos anos 60 e 70 do século passado, aquelas que abraçando a causa do socialismo e da libertação nacional desencadearam na África, nas Américas e na Ásia, a luta de guerrilheira contra o colonizador e os opressores nacionais. No dizer de Pepetela, o romance é dedicado “aos guerrilheiros que ousaram desafiar os deuses na floresta obscura e em suas ações equipararam-se a Ogum”, deus da guerra, o Prometeu africano.

Na literatura brasileira, o romance “Viagem à Luta Armada”, de Carlos Eugênio Clemente, igualmente nos leva aos homens e às mulheres que desencadearam a luta armada urbana no Brasil, pertencentes à mesma geração dos heroicos combatentes de Mayombe, que tinham o mesmo sonho prometeico de transformação do mundo. Líderes reais como Marighella e imaginários como o Comandante Sem Medo acreditavam que somente a ação revolucionária construiria o homem novo, num Mundo novo.  Não por um acaso, Clemente dedica seu livro aos “Quixotes” do mundo inteiro, “àqueles que escreveram as páginas mais belas da nossa História”.

Há quase um século, Joseph Glanvil traduziu em uma linha a epopeia dessas gerações: “O homem não se curva aos anjos, nem mesmo com sua morte total, exceto pela fraqueza de sua frágil vontade”.

Isto posto, quando tratarmos dos dois outros livros que complementam o ciclo de Pepetela, veremos que o sentido épico é totalmente abandonado. Teremos o trágico e a ironia. A tragédia que é constituída por uma visão da vida que deriva seus princípios da significação da debilidade da condição humana, aquilo que Henry James chama de “a imaginação do desastre”. E é a “imaginação do desastre” que constitui o “tragos” da Geração da Utopia e de O Predador. Ambos, com diferença apenas de tonalidade, serão o retrato sofrido dos angolanos que, mesmo vitoriosos na luta pela Libertação Nacional, frustraram-se com as guerras civis, com as traições das lideranças aos seus antigos ideais, com a rapinagem ocorrida após o abandono da causa socialista.

O domínio neoliberal da economia, o capitalismo em seu estilo mais selvático e explorador empurram um dos países de natureza mais rica do mundo para os piores índices de desenvolvimento humano e maiores desigualdades sociais. A geração da utopia deparou-se com o poder que corrompe que compra consciências e que destrói sonhos. E a geração que a sucederá não será melhor, muito pelo contrário.

MAYOMBE

Mayombe é um romance de caráter essencialmente polifônico. Cada personagem tornando-se veículo do próprio discurso desenvolve-se por meio de questionamentos que dirige a si própria, ao narrador e ao leitor, convidando-o sempre a interagir com as problemáticas levantadas. As personagens tornam-se complexas durante as ações, mas também e principalmente por meio de suas reflexões mais íntimas, como ativistas políticos, guerreiros e como indivíduos pertencentes a uma nação que é fragmentada em tribos. Uma diversidade étnica supostamente celebrada pelo MPLA, mas que, após a Independência, seria o combustível da futura guerra civil.

A ideologia marxista-leninista presente na narrativa permite a identificação do grupo de guerrilheiros representado no romance com o Partido. Já a descrição dos mesmos em sua dimensão humana mais que heroica, permite que os conflitos políticos, sociais e pessoais vividos por eles, sejam reflexos das contradições internas do MPLA.

Myombe é também a floresta que interage com os guerrilheiros, que os abriga, que os alimenta e os fortalece para o combate. A floresta enquanto espaço, que abraça esses libertários, funciona metaforicamente como a nação a ser conquistada. É pela retomada do domínio da mata das mãos dos tugas, como são chamados os “portugas” colonialistas, que os guerrilheiros lutam. Nesse embate, a terra que até então estivera a serviço e fora explorada pelo colonizador, passa a defender seus filhos contra o colonialismo. A Missão principia com uma ação de propaganda junto aos madeireiros, prossegue com uma emboscada vitoriosa contra a tropa colonialista de ocupação e termina com a expulsão dos “tugas” de um posto avançado de controle. Politicamente, as ações armadas propiciaram o princípio da aceitação do MPLA pela população civil de Cabinda.

Principais personagens e sua polifonia

Personagem central da trama é o Comandante Sem Medo. Compõem ainda o comando da coluna guerrilheira o Comissário Político (João) e o Chefe de Operações. O guerrilheiro chamado Teoria é o “professor” do grupo.

Guerrilheiro TEORIA: “sou aquele que num Universo de sim e não, branco ou negro, representa o mulato, o talvez, que é o não para aquele que quer ouvir sim e sim para quem deseja ouvir não”. “Meu segredo é ser mestiço”. As pessoas dividem-se em dois grupos: os maniqueístas e os outros, sendo os outros, muito raros. Os rótulos só servem para os ignorantes… “Todos os homens possuíam um segredo; esse segredo os fazia combater, frequentemente por razões longínquas das afirmadas. Consciência política, consciência das necessidades do povo! Palavras fáceis, mas como age em cada um deles essa dita consciência?” “É o medo que me persegue. A forma de dominá-lo é expor-se”.

Comandante SEM MEDO: “Sobretudo agora que somos fracos, que temos um efetivo ridículo, devemos ser prudentes. Os nossos planos têm que ser perfeitos. Ação sim, só ela agudiza as contradições que fazem avançar, mas ação consciente”. “A ação como forma de desabafo perde para mim todo o valor, torna-se selvática, irracional.” “Enfrentar o inimigo é a única maneira de se encontrar a paz interior”. “Não são os golpes sofridos que doem, é o sentimento da derrota, o de que se foi covarde”. “A questão é conseguir dominar o medo e ultrapassá-lo”. “ Tenho medo é de amedrontar-me quando vir que vou morrer e perder o respeito por mim próprio”.

Guerrilheiro COMISSÁRIO (dez anos mais novo que o Comandante): guerra popular não se mede pelo número de inimigos mortos. “Tens que te habituar aos homens, não aos ideais, lhe diz o Comandante”. Em dado momento o mesmo confessa ao mais jovem que já tivera, durante uma ação, que matar a faca um traidor. “E foi a responsabilidade mais difícil que assumi, comparado a isso é brincadeira ser voluntário para atacar um quartel. Há assassinos que gostam de matar. Para os homens que apreciam a vida humana, que lutam exatamente por isso, é muito difícil assumir essa responsabilidade, mesmo que seja contra um traidor miserável”.

“As pessoas devem estudar porque é a única maneira de pensar sobre tudo com a própria cabeça. O homem tem que saber sempre mais para poder conquistar a liberdade, para saber julgar… o objetivo principal de uma verdadeira Revolução é fazer toda a gente estudar.”

Guerrilheiro LUTAMOS: é o único componente do grupo originário de Cabinda. Ele tem sempre que provar a todos, menos ao Sem-Medo, que não é um traidor. Afinal eles e Sem Medo já guerreiam unidos há mais de dez anos.

Guerrilheiro MUATIANVUA: “O que é tribo, pergunto eu? Eu sou de todas as tribos e não só de Angola, da África. Qual é minha língua? Diversas que fui aprendendo, mas falo o português que nem é angolano. Eu sou o que é posto de lado, porque não seguiu o sangue da mãe quimbundo ou o do pai, umbundo, assim como o Teoria, o Comissário, o Comandante e muitos mais. A imensidão do mar ensinou-me a paciência. O mar une e estreita”. “Nós também temos o nosso mar interior que é feito por gotas de diamantes, suores e lágrimas esmagados; o nosso mar é o brilho da arma bem oleada que faísca no meio do Mayombe, lançando fulgurações ao sol de Luanda”.

Pepetela sinaliza com Lutamos, Sem Medo, O Comissário e Muatinuavua a esperança do MPLA de uma Angola sem tribalismo, o que infelizmente não ocorrerá após a Independência. Mas na guerra de libertação, o Comandante diz: “Os angolanos são uns confusionistas mas todos esquecem as brigas para salvar um companheiro em perigo. É esse o mérito do Movimento, ter conseguido o milagre de começar a transformar os homens. Mais um geração e o angolano será o homem novo. O que é preciso é ação.”

Guerrilheiro MILAGRE: impregnado do tribalismo, confunde alienação com traição do povo, desde que não pertença à sua tribo. “O problema é que há o tribalismo justo e o injusto; é justo quando se defende a tribo que merece e é injusto quando se pretende impor direitos à tribo que não os merece”.

Guerrilheiro MUNDO NOVO: Ele não consegue compreender a heterodoxia dialética do seu Comandante, por isso, jamais seu Mundo será novo. “Sem-Medo é vaidoso, afirmação exagerada, extremista, defeito de sua personalidade vaidosa e pequeno-burguesa. Eu não sou egoísta, o marxismo-leninismo ensinou-me que o homem-indivíduo não é nada, só as massas constroem a História. Os operários e camponeses são desinteressados, são a vanguarda do povo. Sem-Medo está errado, mas como demonstrar-lhe que a atitude anarquista é prejudicial à luta?”

Na visão do Comandante, o Mundo Novo possui uma Bíblia, em que já está tudo registrado. “Felizes os que creem no absoluto, é deles a tranquilidade de espírito.” Define a percepção própria do que seja para ele o dogmatismo: quando a sua verdade é absoluta e toda feita. A pessoa recusa-se a pô-la em dúvida, mesmo que seja para discutir e a reforçar em seguida, com dados da realidade. “O esquematismo e o rotulismo são resultados de uma preguiça intelectual, ou falta de cultura. É claro que também são uma espécie de covardia”.

ANDRÉ (responsável da retaguarda guerrilheira no Congo): será deposto do cargo por transar com a noiva do Comissário e não devido a seus enormes desvios de conduta que prejudicavam sobremaneira a ação guerrilheira. Pepetela já assinala uma preocupação do Movimento com as aparências e com um moralismo desfocado. Quando após a destituição, André é transportado para Brazzaville, ele sabia que o processo aberto em nada resultaria. Faria uma autocrítica preventiva aceitando todas as acusações e propondo-se a se corrigir. “Os meus amigos advogarão minha causa”. E conclui: “grande invenção do Lênin, a autocrítica”.

ONDINA: professora que atua na retaguarda do MPLA. Era a noiva do Comissário, quando ambos encerram a relação, após o flagrante com André, apaixonar-se-á pelo Comandante Sem Medo, sem deixar de amar o Comissário. Ela é o protótipo utilizado pelo autor para a mulher liberta dos preconceitos machistas e de dominação sexual na África.

Temáticas selecionadas:

1.       A heterodoxia do Comandante Sem-Medo

“Penso que é como na religião, há uns que necessitam dela (da ortodoxia). Há outros que precisam crer na generosidade abstrata da humanidade abstrata, para poderem prosseguir num caminho duro que é o caminho revolucionário. São fracos ou espíritos jovens que ainda não viram verdadeiramente a vida. Os fracos abandonam a luta quando seus ideais caem por terra. Outros temperam-se, tornam-se mais relativos, menos exigentes. Ou mantêm a fé acesa e morrem felizes, embora inutilmente. Mas há homens que não precisam ter uma fé para suportarem os sacrifícios; são aqueles que, racionalmente, em perfeita independência, escolheram esse caminho, sabendo bem que o objetivo será atingido pela metade, mas que isso já significa um grande progresso. É evidente que todos têm também um ideal, mas nesses o ideal não é abstrato nem irreal”.

“A confissão chama-se autocrítica. A contrição chama-se o reconhecimento do erro. Os quadros do Movimento estão impregnados de religiosidade, seja católica, seja protestante. Há os que procuram iludir o padre, são como os militantes que fogem e nunca aceitam a crítica. Há também os militantes sempre dispostos a autocriticarem-se, porque isso lhes dá a sensação de serem bons militantes. Um Partido é como uma capela. E é capela, pois os dirigentes não discutem em público, somente no seu círculo; quando o fazem em público é porque caíram em desgraça. Eu sou um herético, contra a religiosidade política. Sou marxista? Penso que sim, mas não acredito numa série de coisas que se impõem em nome do marxismo. Uma coisa que me deixa doente é a facilidade como se rotulam pessoas só porque não têm a mesma opinião sobre determinado problema”.

Sobre o futuro, Pepetela, pelas palavras do Comandante, sonha com coisas que sabe impossíveis: que os homens deixem de ser estúpidos e aceitem as ideias dos outros; que se possa andar nu nas ruas e que se faça amor quando se quiser, sem pensar nas consequências. “Queremos transformar o mundo e somos incapazes de transformar a nós mesmos, queremos ser livres e a todo o momento fazemos de tudo para reprimir nossos desejos. O pior é que nos convencemos com nossas próprias desculpas, deixando de ser lúcidos. Só covardia. É o medo de nos enfrentarmos, que ficou do tempo em que temíamos a Deus, ou ao pai, ao professor, ao agente repressor. Somos alienados; o escravo era totalmente alienado, já nós nos alienamos a nós próprios; mesmo correntes que já se quebraram, continuamos a carregá-las por medo de as atiramos fora e nos sentirmos nus”.

Numa revolução há os que vivem para ela e os que vivem dela. Estes são os que sugam mais tempo e mais recursos. Sem-Medo já não se desiludia com nada, pois nada mais o iludia. “Os homens gostam de se flagelar com o passado e nunca se sentem contentes sem o fazer. É incapacidade de colocar uma pedra sobre um fato e fazer avançar o futuro. Há outros que não sabem gozar a vida, que só veem o futuro. Incapacidade de sofrer ou gozar uma situação. Eu vivo o presente”.

2.       Sobre o Partido, a luta e o poder

O Comandante diz para o Comissário: “Ainda tens uns restos de compreensão, ainda não és totalmente dogmático. Quando fizeres parte de um Partido vitorioso que ocupará o Poder, irás considerar pagãos todos os que dele não fizerem parte. Quando pertenceres ao grupo restrito que dominará o Partido, verás que o socialismo não é obra de um dia e nem depende de mil homens. Ao tomar o Poder vamos dizer ao povo que construiremos o socialismo e, afinal, essa construção levará trinta, cincoenta anos, pois não se resolvem os problemas de um país atrasado em cinco anos. Aí surgirão os contrarrevolucionários a agitar o povo, pois todo regime cria seus elementos de oposição”.

“Terão que prender os cabeças, estar atentos às manobras do imperialismo, reforçar a polícia secreta etc., etc., e o pior é que vocês terão razão. Objetivamente será necessário ampliar a vigilância dentro do Partido, aumentar a disciplina, proceder a limpezas. Objetivamente é assim. Mas essas limpezas servirão de pretexto para que homens ambiciosos misturem contrarrevolucionários com aqueles que criticam suas ambições e erros. Da vigilância necessária dentro do Partido passar-se-á ao ambiente policial e toda a crítica será abafada no seu seio. O centralismo reforça-se, a democracia desaparece. O dramático é que não se pode escapar disso”.

“Os homens terminam prisioneiros das estruturas que criaram. Os contestatários serão confundidos como contrarrevolucionários, a burocracia será dona e senhora, com ela o conformismo, o trabalho ordenado mas sem paixão, a incapacidade de tudo se pôr em causa e reformular de novo”.

E Pepetela vai além, falando das ambições pessoais daqueles que fizeram uma revolução: “E o poder que conquistarão? Irão querer perdê-lo? Quem gosta de perder um cargo? É preciso ser excepcional… Mas se ele for excepcional poderá cair no culto à personalidade, no endeusamento, que entra na tradição dos povos pouco desenvolvidos, religiosos tradicionalmente”.

É demagogia dizer que o proletariado tomará o poder. “Quem toma o Poder é um pequeno grupo, na melhor das hipóteses representando o proletariado ou querendo representá-lo”.  A mentira começa quando se diz que o proletariado tomou o poder. Para fazer parte do grupo dirigente é preciso razoável nível de formação política e cultural. O proletário que conseguiu adquirir esse nível de conhecimentos há muito deixou de ser proletário, é um intelectual. “Veja, não sou contra os intelectuais. Sou contra o princípio de dizer-se que um Partido dominado por intelectuais é dominado pelo proletariado. Começa-se a mentir ao povo e este é o início da desconfiança”.

“Por outro lado o que estamos a fazer é o único a ser feito. Tentar tornar o país independente é a única via possível e humana. Para isso devem ser criadas estruturas socialistas, estou de acordo com isso. Nacionalização das minas, a reforma agrária, nacionalização dos bancos, do comércio exterior, etc.. E se não houver muitos erros e muito desvio de fundos, o nível de vida subirá. É um progresso, não há o que discutir. Mas não chamemos isso de Estado proletário, de socialismo porque não o é. E nem tão pouco de democracia, pois será fatalmente uma ditadura sobre o povo. Ela pode até ser necessária, eu não sei”.

“Eu não me vejo numa Angola independente. Simplesmente e com toda a sinceridade. Talvez noutro país em luta… talvez na cadeia. O que não me impede de lutar pela independência”.  Numa antevisão de seu futuro próximo, o autor, pela boca do Comandante, confessa-se um solitário, que se não estivesse na revolução seria um escritor, “que é a outra maneira de ser solitário”.

3.       Relações amorosas

O amor é um duelo, mas também uma combinação, diz-se mesmo que os velhos casais acabam por se assemelhar fisicamente. É simbiótico. Uma mulher (assim como o homem) deve ser conquistada permanentemente; o amor é uma dialética de aproximação e repúdio, de ternura e imposição. Senão é a rotina, a mediocridade. “E não há nada no homem pior que a falta de imaginação. É o mesmo no casal, o mesmo na política. A vida é criação constante, morte e recriação, a rotina é o oposto da vida, é a hibernação”.

No amor se um se torna igual ao outro a paixão desaparece. O que conta no amor é a descoberta do outro, de seus pecadilhos, de suas taras, de seus vícios, de suas grandezas, de seus pontos sensíveis, tudo o que constitui o outro. E a alma humana é tão rica, tão complexa, que essa descoberta pode levar uma vida.

Já há mulheres que querem saber exatamente como o homem é, para se acomodarem a ele, para moldarem seu comportamento segundo o marido. Essas são as escravas, as que não procuram o amor com todos os seus riscos, mas uma situação tranquila. A mulher sem personalidade, que vive em função do outro, a submissa, é como o homem que aceita a desgraça sem se revoltar, medíocres!

As mulheres, para um comunista, são tão livres quanto os homens. Há homens que não traem a mulher apenas porque não gostariam de ser traídos e têm consciência de que a liberdade é para todos. Já é um avanço, mas ainda não é o ideal da liberdade sexual mútua, onde o amor permaneça como o afeto permanente e especial por determinada pessoa.

Conclusão

Mayombe simboliza o início de implantação guerrilheira em um novo território angolano, a rica província de Cabinda. O foco guerrilheiro isolado, cuja retaguarda encontra-se em território do Congo, buscará na ação armada convencer o povo a integrar-se à luta de libertação nacional. A morte do Comandante Sem Medo, ao final do romance, marca a integração entre homem e a Pátria angolana que surgirá. Sem Medo pede para ser enterrado no Mayombe.“O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição.”

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