Em fevereiro de postamos um ensaio sobre “Rosa Branca” (http://proust.net.br/blog/?p=363), uma pequena organização de resistência dentro da Alemanha nazista, composta por estudantes e professores universitários, que atuou em Munique e Hamburgo no período mais negro da repressão política. Hoje falaremos de mais uma expressão heroica de resistência, tão pouco conhecida, a dos “internos” dos Campos de Concentração de Auschwitz.
A primeira fuga de Auschwitz ocorreu logo em seus primórdios, em seis de julho de 1940, quando o polonês Tadeusz Wiejowski fugiu com a ajuda de trabalhadores civis poloneses empregados do campo. Pelo menos mil prisioneiros tentaram escapar de Auschwitz durante seus anos de funcionamento, sendo que cento e cincoenta deles foram bem sucedidos. O destino de mais de trezentos fugitivos, entretanto, é até hoje desconhecido.
É claro que é um pequeno percentual se tivermos em conta que aproximadamente um milhão e trezentas mil pessoas, sendo mais de oitenta por cento deles judeus, morreram nesses campos, a maioria executados nas câmaras de gás de Birkenau, outros de fome, devido aos trabalhos forçados, doenças infecciosas, e ainda por execuções individuais ou por “experiências científicas”. Às tentativas de fugas, entretanto, temos que associar outras formas de resistência, onde milhares se envolveram, o que não deixa de ser extremamente significativo e honram todos os que foram brutamente exterminados, crianças, mulheres, velhos e adultos, impossibilitados de qualquer tipo de reação perante a bestialidade do mal banalizado.
Mais ainda, honram a espécie humana!
Uma punição comum para os que tentavam fugir de Auschwitz era a morte por inanição; as famílias daqueles que conseguiam escapar eram muitas vezes presas e internadas, exibidas com destaque pelo campo para inibir os outros. Sempre que alguém conseguia realmente escapar, a SS escolhia aleatoriamente dez prisioneiros do alojamento de onde havia ocorrido a fuga e os fazia passar fome até morrer.
A mais espetacular das fugas de Auschwitz-Birkenau ocorreu em 20 de junho de 1942, quando três poloneses e um ucraniano fizeram uma ação extremamente ousada. Os quatro, após dominarem o mesmo número de SS, escaparam com suas fardas, armados e num carro oficial, um Steyr 220, roubado do próprio comandante do campo, Rudolph Höss. Nenhum deles foi capturado pelos nazistas.
Em 1943, grupos de resistência haviam se organizado pelos campos que constituíam o Complexo de Auschwitz. Eles ajudaram na fuga de alguns poucos prisioneiros. Estes fugitivos levavam notícias dos extermínios em massa, como, por exemplo, as das centenas de milhares de judeus húngaros executados entre maio e julho de 1944. Ademais, esses grupos organizados escreviam notas, bilhetes e realizavam furtivamente fotos dos crematórios e das câmaras de gás e os “plantavam” nas áreas ao redor dos campos e sub-campos, esperando que pessoas, um dia, os encontrassem. Muitas fotos que chegaram até nós tiveram essa origem. Um jornal, The Auschwitzer Echo, chegou a ser impresso e distribuído secretamente e, durante algum tempo, conseguiu-se que fosse enviado para os movimentos de resistência na Cracóvia.
Sonderkommando era a denominação nazista dada a grupos de pessoas que atuavam em campos de concentração a comando destes. Eram recrutados entre os prisioneiros recém- chegados e tinha como função a execução das tarefas brutais, como enterrar os corpos dos prisioneiros mortos, realizarem a limpeza das câmaras de gás, alguns eram encarregados de escolher dentre as crianças que iriam para as câmaras de gás ou para as “experiências científicas”. Realizavam ainda outros serviços que os servidores alemães não gostariam de executar. Devido à condição de grupo especial, tinham alguns privilégios. Entretanto, após pouco tempo de serviço, integravam a lista de pessoas a serem exterminadas, substituídas por novos “internos”, com o objetivo que as operações de extermínio em massa de Birkenau não se espalhassem pelos campos próximos de trabalho escravo.
Em outubro de 1944, os Sonderkommandos judeus do Kommando III de Birkenau organizaram uma revolta, atacando os SS de surpresa, com o uso de armas improvisadas como pedras, machados, martelos, ferramentas de trabalho; com bombas feitas de excrementos humanos e postas a fermentar em recipientes fechados; com garrafas incendiárias e explosivos roubados de uma fábrica de armas por mulheres prisioneiras. Os revoltados explodiram o crematório IV e se juntaram a eles aos prisioneiros do Kommando I do crematório II, que, por sua vez, dominaram os guardas e fugiram do Complexo. Ao redor de trezentos judeus e outros “internos” morreram em combate. As tropas de elite das SS nazistas tiveram seis mortos e cerca de uma dúzia de feridos.
Foram centenas de prisioneiros que escaparam, mas debilitados pelo tratamento degradante a que haviam sido submetidos e perseguidos pela mais inclemente força repressiva que a humanidade conheceu, quase todos foram recapturados em pouco tempo e executados, assim como um grupo que, apesar de não ter conseguido fugir, havia colaborado com a revolta. As quatro judias que tinham roubado os explosivos da fábrica Union-Werk, após barbaramente torturadas, foram enforcadas em público.
O Armia Krajowa, o Exército de livre resistência polonesa, foi uma das forças armadas clandestinas mais fortes e melhor organizada na Europa sob domínio nazista. No momento de sua capacidade máxima de combate (verão de 1943) as forças do Armia Krajowa eram compostas por aproximadamente 380 mil homens, incluindo 10 mil oficiais. Em janeiro de 1943 foi estabelecida uma nova unidade militar, a ’’Kedyw ’’ que realizava ações de sabotagem e contra-espionagem.
Witold Pilecki (Ołoniec, 13 de Maio de 1901 — Varsóvia, 25 de Maio de 1948) foi dos fundadores do movimento armado de resistência polaca, ingressou no “Kedyw” e foi a única pessoa a optar pela prisão voluntária no Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau. Ali chegando, organizou a resistência interna criando um movimento subterrâneo chamado União de Organização Militar (Związek Organizacji Wojskowej – ZOW). Desenvolveu também uma rede de informação que se comunicava por rádio com os aliados, graças a um transmissor de ondas-curtas, escondido no Bloco 11, e que enviava notícias diretamente para o governo polonês no exílio, em Londres. A ZOW chegou a planejar uma tentativa de levante geral em Auschwitz, coordenado com um ataque aéreo aliado e um cerco externo por terra a ser realizado pela Armia Krajowa.
Infelizmente, as tropas Aliadas não deram prioridade para o plano da resistência polaca e o ataque aéreo com desembarque de paraquedistas poloneses jamais aconteceria. Neste meio tempo, a Gestapo trabalhava para descobrir os integrantes do ZOW e conseguiu identificar e matar muitos deles.
Pilecki decidiu fugir do campo na esperança de convencer pessoalmente os líderes da resistência de que um ataque a Auschwitz seria possível. Conseguiu escapar numa noite de abril de 1943. Seu plano, entretanto, foi considerado muito arriscado pelos ingleses e americanos, que, ademais, não quiseram acreditar em suas histórias sobre Auschwitz, que consideraram “muito exageradas, fabulosas, extremistas”.
Mala Zimetbaum
Em 24 de junho de 1944, Mala Zimetbaum, uma prisioneira judia belga de 22 anos, escapou do Campo com seu namorado, o polonês Edek Galinski. Zimetbaum, que trabalhava em Auschwitz como tradutora num dos escritórios do campo principal, levou com ela cópias das listas de deportação de judeus a que tinha acesso. O casal passou pelos portões, ele vestido num uniforme roubado de soldado da SS e ela como sua namorada. Em 6 de julho, os dois foram presos perto da fronteira da Eslováquia e levados de volta à Auschwitz, onde, depois de uma estadia no Bloco do Terror, o Onze, foram sentenciados à morte. Galinski foi executado, mas Mala tentou o suicídio cortando os pulsos no alojamento antes do momento da execução e esbofeteando a guarda que tentou impedi-la, a qual lhe quebrou a mão. Gritando que a libertação estava próxima e que todos deviam se rebelar porque era melhor morrer lutando do que morrer como estavam morrendo, foi atacada pelas guardas femininas e teve a boca esmagada, os dentes destruídos.
A supervisora-chefe do campo feminino, SS Maria Mandel, “A Besta de Auschwitz”, disse que tinha chegado uma ordem de Berlim para que Mala fosse cremada viva. Ela foi levada de maca até o crematório e seu fim diverge de acordo com as testemunhas. Uns asseguram que ela já chegou morta pela hemorragia e outros afirmam que um SS apiedado a matou com um tiro antes de seu corpo ser enfiado no forno pelos Sonderkommandos. De acordo com a sobrevivente Raya Kagan, em depoimento oficial em Israel durante o julgamento por crimes de guerra do nazista Adolph Eichman em 1961, as últimas palavras de Mala Zimetbaum a seus carrascos alemães em Auschwitz foram: “Eu morrerei como uma heroína e vocês como cães!”. Mandel, que deu a ordem para que ela fosse cremada viva, foi executada na forca, em janeiro de 1948, por crimes contra a humanidade.
Somente em agosto de 1944, aviões britânicos e norte-americanos bombardearam as fábricas de combustível líquido e borracha sintética da IG Farben nos arredores de Auschwitz III – Monowitz. Não devido a motivos humanitários, mas devido à sua importância no esforço de guerra nazista para a construção das Bombas V2.
A libertação de Auschwitz apenas aconteceria em janeiro de 1945, quando dos avanços do Exército Vermelho e do bombardeio das ligações ferroviárias que conectavam os campos ao sul da Polônia e à Alemanha.
Conforme nos pontuou Israel Charny, o “genocídio é um tema do presente e do futuro, e não apenas do passado” e Camus, “há mais de vinte séculos a soma total do mal não diminui no mundo.”
O nazismo e o fascismo necessitam de combate permanente. Somente poderemos enfrenta-los criando uma nova ética arquetípica: a de que a vida humana deve ser tratada como sagrada!