Sigmund Freud em seus últimos anos.

Freud, aos 66 anos, sofria com o ritmo de seu coração e escreveu: “No dia 6 de maio, entrei bruscamente na verdadeira velhice e a ideia da morte nunca mais me deixou”. Entretanto, ele ainda viveria por mais 17 anos.

Neste ano, 1923, submetera-se também à primeira cirurgia do palato, desconfiando de um possível câncer. Escreveu à amiga Lou- Andreas Salomé: “Participo inteiramente de sua opinião a respeito do desamparo em que ficamos diante de males físicos dolorosos e eu os acho desesperadores…”.

Logo a seguir, perdeu seu querido netinho de quatro anos de idade. “Creio que nunca senti tamanho desgosto… trabalho forçado, constrangido, tudo se me tornou indiferente”, anotou no seu diário.

Nesse mesmo ano, devido à quase desagregação do Comitê para a Psicanálise, escreveu: “Esperemos que a psicanálise sobreviva a mim. Isto torna ainda mais sombrio o fim de minha vida.”

Em 1924 escreveu a Lou: “Sinto necessidade de repouso e uma certa aversão ao convívio com os homens… O que me parece difícil de suportar são as eventualidades, não suporto viver sob ameaças…. Seis horas de trabalho diário, eis o que me resta de minha capacidade de trabalho. A quantas coisas temos que renunciar!”

Aos 68 anos confidenciou ao discípulo Pfister: “Estou cansado, como normalmente se chega após uma existência laboriosa… Os elementos orgânicos que por tanto tempo permaneceram juntos tendem a se desagregar.” E a Jones: “O mundo adquiriu certo respeito pelos meus trabalhos, mas até agora a análise só foi admitida pelos próprios analistas”.

Logo a seguir teve de se submeter a um procedimento complexo: foram-lhe extraídas parte do palato e do maxilar. A prótese, que foi obrigado a usar, incomodava-o para comer e falar. Passou somente a aceitar os cuidados da filha Anna. Escreveu em seu diário: “Meus vários distúrbios físicos me levam a perguntar por quanto tempo poderei seguir com meus trabalhos profissionais, principalmente após ter de renunciar ao doce hábito de fumar que fez baixar meu interesse intelectual”.

Entretanto mantinha bem acessa a chama da confiança do valor de suas concepções. Escreveu à Lou: “A contradição e o reconhecimento são completamente indiferentes quando possuímos uma certeza”. E ele a possuía.

O Comitê, que conseguira sobreviver, reuniu-se para comemorar os 70 anos do mestre, em 1926. Foi logo após que ele começou, apesar das dores, a escrever “O mal estar na civilização”. Mas já não dava o devido valor às suas ideias: “Minha facilidade com as ideias deixou-me com a idade”. Escreveu a Lou: “Este livro me parece extremamente supérfluo quando comparado a meus trabalhos anteriores… mas o que eu poderia fazer, pois não se pode fumar e jogar baralho o dia todo.”

É possível que seus trabalhos de agora não fossem tão substanciais quanto aqueles da sua maturidade, mas são, fora de dúvida, muito mais poéticos.

Desde 1932, subscreveu com Einstein petições pela paz mundial e entre ambos estabeleceu-se uma longa correspondência. Nela comenta de modo amargo a necessidade da internação do companheiro de décadas Ferenczi, que faleceria no ano seguinte. Neste ano ainda sofreria cinco intervenções cirúrgicas buco-maxilares.

Ao mesmo sua revista de psicanálise Verlag reduzia drasticamente sua tiragem, por falta de público.

Apesar de todos estes transtornos e desgostos, em 1933 quando Hitler chegou ao poder, de Viena ele recriminava todos os que se negavam a enxergar o poder destruidor do nazismo.

A situação política o angustiava a ponto de confessar: “Já não sinto nenhuma ansiedade quanto ao futuro da psicanálise. Está garantido e sei que estará em boas mãos. Mas o futuro de meus filhos e de meus netos corre perigo e é lastimável a minha impotência”. Acontece que desde 1933 os livros de Freud passaram a ser queimados em praça pública na Alemanha. Na Áustria, a psicanálise parecia destinada a extinguir-se.

Apesar de tudo iniciou a redação de seu “Moisés e o Monoteísmo”.  Escreveu a Stefan Zweig, em 1935: “Não tenho mais vontade de escrever desde que fiquei proibido de fumar… talvez isto sirva apenas para mascarar aos meus olhos a esterilidade da velhice.”

A impotência intelectual, as enfermidades, o sofrimento físico pareciam-lhe cada vez mais odiosos e ele confessa que somente não se suicidava em consideração à família. Escreveu ao amigo Tomas Mann por ocasião do aniversário de 60 anos deste: “De acordo com minha experiência pessoal parece-me bom que um destino misericordioso venha a limitar em tempo oportuno a duração de nossas vidas”.

No princípio de 1937, já com 80 anos de idade, voltou a escrever e terminou seu “Moisés II”, sequência de “Totem e tabu”. “Um velho já não encontra ideias originais, resta-lhe a repetição.”

Escreve agora a Zweig sobre seus receios quanto à sobrevivência da psicanálise: “Ninguém pode saber como a posteridade irá julgar minha obra e para a psicanálise vejo um futuro imediato sombrio.”

Em princípios de 1938, a revista Verlag foi fechada pela Gestapo e Freud teve sua casa invadida, mas perante sua postura digna e altaneira, nem os esbirros nazistas tiveram coragem de revistá-la.

Após a anexação da Áustria por Hitler, graças ao auxílio da primeira psicanalista francesa, Marie Bonaparte, Freud conseguiu salvo conduto para exilar-se na Inglaterra, onde foi recebido com todo o calor que sua celebridade mundial merecia.

Preocupava-o não mais o futuro da Psicanálise, mas o destino da humanidade e particularmente de suas três irmãs que tivera que deixar em Viena.

Apesar de todas as dores não exerceu o direito ao suicídio graças aos pedidos de Anna e de sua esposa.

Disse Zweig a respeito do amigo: “Foi demasiadamente médico para chegar pouco a pouco a considerar toda a humanidade como um corpo doente”.

Seu último ano de vida foi de enorme coragem e altruísmo. Faleceu em setembro de 1939.

Obs.: As três irmãs de Freud, que ele não conseguiu com que obtivessem autorização de saírem de Viena, foram assassinadas em campos de concentração nazistas.

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