No legado do Marquês de Sade encontramos digitais de “O Imbrochável” e seus seguidores.

Quem elegeu Bolsonaro e ainda apoia o autodeclarado “O Imbrochável”, líder de um fascismo monetarista degenerado, não tem o direito de se surpreender com o as loucuras e as abominações sexuais do Marquês de Sade que, na em sua imensa maioria, ocorreram tão somente em sua própria imaginação doentia.

O significado do termo “sádico” deriva do trabalho literário do Marquês de Sade, e na sua acepção se insere perfeitamente aquele que tortura, estupra, mata, ou que destas atitudes hediondas seja um propagador. Atitudes decorrentes tanto de um impulso sexual pervertido, quanto da ânsia pelo poder e por dinheiro.

Há quase dois séculos e meio, são tantas e tantas as pegadas dos fascistas que Sade demarcou!

A liberdade de Sade é a destruição.

Sade foi um homem condenado a viver mais de vinte e seis anos atrás das grades!

Encarcerado, o Marquês se revolta contra o mundo e ao mesmo tempo contra si mesmo! E estas revoltas absolutamente não chegam a ser contraditórias. Negando o homem e sua moral, Sade o fará em nome do mais forte dos instintos, aquele que lhe resta mesmo encarcerado: o sexual!

Para Sade, a própria natureza torna-se sexo, que na sua lógica o conduz a um mundo sem lei, onde o único senhor será a energia desmedida do desejo. O sexo, por um lado expressão da natureza, por outro, ímpeto cego que exige a posse total dos seres, mesmo ao preço de sua destruição.

Ele, afinal, clama por liberdade, mas a liberdade que Sade reclama não é a do corpo ou do espírito, tão somente aquela dos instintos. Logo, aquele que só conheceu a lógica dos sentimentos, tratou de criar o sonho monstruoso de um perseguido. Uma sede extremada de vida proibida, somente aplacada de furor em furor, até transformar-se em um sonho de destruição universal.

E nesse caminho também reconhecemos pegadas do dito “Imbrochável” e seus seguidores.

Quem foi o Marquês de Sade.

Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, nasceu um aristocrata. Foi perseguido pela monarquia dos Bourbons e mesmo tendo sido um correligionário dos revolucionários vitoriosos de 1789, foi por eles encarcerado. Posteriormente, após poucos meses em liberdade, o Imperador Napoleão repetiu a rotina de enjaulamentos consecutivos.

Toda ética da solidão implica exercício de poder e o Marquês de Sade foi tratado de maneira atroz, tendo reagido de modo igualmente atroz. A liberdade, enquanto sonho de um prisioneiro, não pode suportar limites; a liberdade passa pelo crime ou não é mais liberdade.

A liberdade ilimitada do desejo significa a supressão da piedade e do outro.

Apesar de haver sido escritor e dramaturgo e basear-se no materialismo do século das luzes e dos enciclopedistas, de modo algum ele chega a ser um amigo da raça humana. Odeia tudo o que se aproxime da filantropia. Quando nos fala em igualdade é sobre a abjeta igualdade das vítimas, pois a convivência entre os seres humanos não tem o bem-estar como objetivo, mas sim, a libertinagem.

Matar um homem no paroxismo de uma paixão é compreensível. Mandar que outra pessoa o faça, a pretexto de qualquer dever honroso, é incompreensível.

Para Sade, quem mata deve pagar com a vida, nisto sendo superior aos nossos , milicianos e matadores de aluguel.

A Sociedade dos Amigos do Crime.

Foi o manuscrito “Cento e Vinte dias de Sodoma”, que devolveu à cela o aristocrata correligionário da revolução francesa e em pleno jacobinismo! Sade era um aliado altamente comprometedor.

“Saint-Fond” é seu personagem mais cruel; a inocente Justine deflorada, mil vezes estuprada, corre em fuga sob a tempestade e é esmagada por um raio, símbolo de um divino poder.

A ideia que Sade possui de Deus é de uma divindade criminosa, que esmaga o homem e o nega. Nesse sentido, por que o homem seria virtuoso? “Virtude e vício, tudo se confunde no caixão”.

“A República Universal” foi para Sade um sonho, nunca uma tentação. Em política, sua verdadeira posição é cínica. No livro “Sociedade dos Amigos do Crime” ele se declara a favor do governo e de suas leis, enquanto se dispõe a violá-las. A licença para destruir pressupõe que se possa ser destruído!  Logo será preciso lutar e dominar.

“A lei deste mundo nada mais é que a lei da força e sua força motriz, a vontade de poder”!

Nisto, prenuncia em um século o pensar de Nietzsche e o surgimento do nazi fascismo!

Sade compõe o grupo de seus heróis entre aqueles que o acaso do nascimento nomeou aristocratas, mas neste grupo admite o oprimido quando ele se insurge e coloca-se ao lado dos fidalgos libertinos.

Camus nos diz: “Sade produz uma espécie de blanquismo moral, em que uma pequena casta de homens e mulheres coloca-se acima de uma casta de escravos”.

Como a lei da força jamais tem paciência para esperar o império do mundo, ela precisa delimitar sem delongas o seu território, mesmo que seja necessário cercá-lo de arames farpados e torres de observação. Os nazifascistas e seus acólitos criaram os campos de concentração e extermínio. No caso de Sade ele cria castelo no ar, de onde se é impossível escapar e lá, as sociedades do crime e do desejo funcionam de modo implacável.

A burocracia do vício e da morte.

A emancipação do homem para Sade se realiza na incorporação a uma burocracia do vício, que regulamenta a vida e a morte dos homens e mulheres que entraram para o reino da necessidade: “Vocês já estão mortos para o mundo”.

Na República de Sade tudo são máquinas e mecânicos, em sua dinâmica “tudo o que representar uma conduta pura será culpado. ” Aqui prenuncia-se “A Colônia Penal” que será escrita por Kafka, dois séculos após.

O gozo, única manifestação de libido do acorrentado, transforma-se em desespero, uma corrida da servidão para a servidão, da prisão para a prisão. De destruição em destruição, só resta o aniquilamento universal.

“O assassinato só tira dos que matamos a primeira vida”… “eu abomino a natureza, gostaria de parar os astros, destruir o que lhes serve salvar o que é nocivo, mas não consigo”.

Também os senhores irão se destruir; ele mesmo, Sade, aceitará sua aniquilação pessoal. “Dos senhores só restará um, o Único, em meio à total destruição”.

No entanto, Sade nunca matou ninguém, isto só se passou na imaginação e ele morreu atado numa camisa de força, pesando mais que cento e vinte quilos, em meio aos excrementos de um hospício. Acompanharam-no na última senda sua segunda mulher e uma amante de quatorze anos.

O profeta das sociedades totalitárias e excludentes.

Num certo sentido, Sade foi o homem de letras perfeito, aquele que construiu uma ficção para dar a si mesmo a ilusão de existir. Colocou acima de tudo “o crime moral que se comete por escrito”. E evidenciou as consequências extremas de uma lógica revoltada, pelo menos quando esta se esquece de suas verdadeiras origens. E estas são as totalidades fechadas, o crime universal, a aristocracia do cinismo e a vontade do apocalipse.

O sucesso de Sade se explica em nosso tempo: a reivindicação da liberdade total para os poderosos, e a desumanização friamente executada pela inteligência,inclusive a artificial.

É quando a redução do homem se transforma em objeto de experimento, o campo do saber questionador se feche e os teóricos e os donos do poder do poder se encarregarão de organizar uma nova era da humanidade:  a era dos escravos.

Sade exaltou, com dois séculos de antecedência, as sociedades totalitárias e excludentes, em nome de uma liberdade frenética e sem limites.

Os “120 dias de Sodoma” e o Fascismo.

“120 dias de Sodoma” foi escrita por Sade no espaço de trinta e sete dias em 1785, preso na Bastilha. Tendo pouco material e temendo que o livro fosse confiscado, ele o escreveu numa letra minúscula e um rolo contínuo de papel com doze metros de comprimento.

Quando a Bastilha foi atacada e saqueada em 14 de Julho de 1789, no início da Revolução Francesa, Sade pensou que o trabalho estaria perdido para sempre e chegou a escrever que “chorou lágrimas de sangue” por sua perda. Porém, o longo rolo de papel onde o texto estava foi posteriormente encontrado escondido em sua cela, tendo escapado da atenção dos saqueadores e do fogo.

Depois da Revolução, foi vendido ao marquês de Villeneuve, cuja família o conservou durante três gerações. No final do século XIX foi vendido a um psiquiatra de Berlim, Iwan Bloch, que publicou em 1904 uma versão própria.

Em 1929, Charles e Marie-Laure de Noailles, ela descendente do Marquês de Sade pelo lado materno, adquirem o manuscrito e publicam-no numa edição limitada aos “bibliófilos subscritores” para evitar a censura.

Somente na segunda metade do século XX é que o texto se tornou disponível em edições em inglês e francês.

O livro de Sade inspirou “Saló” ou “Os 120 dias de Sodoma” na fantástica versão cinematográfica de 1975, dirigida por Pasolini, adaptada para o outono europeu de 1944, na Itália fascista de Mussolini. A obra, tida como uma das mais perturbadoras da história do cinema é dividida em três fases chamadas ‘círculos’: o das Manias, em que os fascistas satisfazem seus desejos sexuais; o das Fezes, repleto de escatologia, em que os jovens são obrigados a ingerir fezes; e do Sangue, em que os prisioneiros desobedientes são punidos através de mutilações, torturas e assassinatos.

O Simbolismo cinematográfico é extasiante: afinal, o que buscam os intolerantes e os fascistas em todas as sociedades? Submeter e transformar os homens em escravos e em seus próprios carrascos.

Este é o sadismo que se incorpora na personalidade doentia de “O Imbrochável”e na de seus seguidores.

Bibliografia:

  1. Camus A., O homem revoltado, Record.
  2. Sade M., Os 120 dias de Sodoma, Iluminuras.
  3. Sade M., Justine e os tormentos da virtude, Iluminuras.
  4. Sade M., A filosofia na alcova, Iluminuras.

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