Mito e tragédia de Prometeu: somente os rebeldes são amigos dos homens!

A essência do mito:Todo deus, toda tirania tem sua ascensão e queda.

Prometeu, aquele que antevê o futuro, surge na mitologia grega pelas mãos de Hesíodo, no século VI a.C.. Ele é filho de Japeto, o patriarca de uma família de Titãs rebeldes. Prometeu tem um irmão gêmeo, Epimeteu, aquele que olha para o passado e vê o presente.

Numa época em que os deuses e os homens sentavam-se à mesma mesa, coube a Prometeu intermediar a distribuição das honrarias e do alimento dos banquetes. O Titã separa os pertences dos animais sacrificados em duas partes: uma de aparência apetitosa, mas que só contém ossos e outra de aparência repugnante, porém com os bons pedaços dos animais. Zeus, o deus grego todo poderoso, deve escolher qual refeição será servida aos deuses; este, mesmo tendo identificado o engodo, opta pela primeira alternativa.

Desde então, a fumaça produzida pelos ossos e pela gordura caberão aos deuses olímpicos; os homens comerão a carne assada.

O senhor do Olimpo decide fazer com que os homens paguem pelo truque de Prometeu e esconde dos mesmos o fogo celeste. Não contente, some também com o “bios”, a semente do trigo.

Se antes os homens comiam as carnes cozidas e o pão, dado que o trigo surgia espontaneamente, desde esse momento, com o suor do rosto, eles terão que ceifar a terra e enterrar a semente para depois colher o fruto. E a carne, comida como os animais o fazem, crua.

No mito grego, Prometeu apieda-se do destino animalesco reservado aos homens e rouba de Zeus uma centelha do fogo e a entrega “aos efêmeros”.  Torna possível a própria humanidade!

Foi o seu segundo e mais significativo ato filantrópico.

Zeus todo poderoso, ao descobrir a nova demonstração de rebeldia do Titã, decide castigá-lo, assim como novamente aos homens.

Iniciando por estes últimos, prepara algo que trará aos homens cansaço, preocupações e penas. Também o seu maior deleite: a Mulher. Ela terá a forma, a beleza e o prazer que somente um presente divino pode propiciar, batizada pelo nome de Pandora.

Pandora é oferecida a Epimeteu, aquele que nada previa, apenas sentia a solidão do passado vivenciada no presente. Enfim, um Titã semelhante ao homem!

O primeiro casal, Epimeteu e Pandora, inaugura uma nova era. Desde então, com a Mulher em sua vida, o homem terá que nela semear a semente e gerar filhos; por sua vez, envelhecerá e morrerá.

Pandora tem a aparência de uma deusa imortal, impregnada pelas Graças e pelo poder sedutor de Afrodite, é irresistível.

Por encomenda de Zeus, Hermes colocou dentro da Mulher também a dissimulação e a capacidade de uma alma portadora de um mal amável, revestido de incrível beleza e doçura. Todos eles dons divinos, próprios da primeira esposa do senhor do Olimpo, a deusa Métis!

E Ela será a companheira mortal de um homem mortal, aquela Pandora feita por Hefesto a partir do barro, que será o amor de Epimeteu, aquele que é cego para o futuro, mas vivencia o presente.

Por outro lado, o castigo que Zeus preparou para Prometeu, o irmão de Epimeteu, será terrível.

A tragédia grega “Prometeu.

Ésquilo desenvolveu uma trilogia sobre o destino de Prometeu, das quais, entretanto, apenas a primeira parte, “Prometeu Agrilhoado”, chegou até nós.

“Prometeu Agrilhoado” tem como cenário uma rocha na região desértica do Cáucaso.

Em cena, Kratos, o poder, e Bia, a violência: eles transportam o corpo titânico de Prometeu, seguidos por Hefesto, o deus coxo, que carrega os instrumentos de ferreiro.

Kratos cumpre o papel de impor a Hefesto que acorrente Prometeu às rochas, para que “aprenda a resignar-se aos desígnios de Zeus e desista de auxiliar os homens.” Bia, sempre calada, é o braço armado do poder. Hefesto cumprirá a ordem recebida contra sua própria vontade, pois “não cumprir as ordens do pai acarretar-lhe-ia graves males… Oh ofício mil vezes maldito! ”

Dirigindo-se a Prometeu: “Entregaste aos mortais aquilo que era uma honra dos deuses, ultrapassaste os teus limites… ficarás a partir de agora sobre esta rocha, em vigília dolorosa, sempre em pé, sem dormir… em vão clamarás por Zeus.”

Todo novo tirano tende a ser mais cruel, pois ainda são novidades em suas mãos o poder e a violência. No entanto, Hefesto diz que “aquele que há de te libertar ainda não chegou”. Deste modo, ele torna o suplício finito.

Kratos, que exige imediato cumprimento da ordem de, além de acorrentá-lo, que Hefesto crave no peito do Titã uma cunha que o pregue à montanha.

Hefesto diz: “Para aqueles que detêm o poder, o cinismo corre sempre a par com a crueldade. ”

Em nenhum momento da tremenda tortura Prometeu emite um só gemido; somente quando os enviados de Zeus se vão é que ele inicia o seu lamento: “É preciso aceitar a nossa sorte com serenidade e compreender que não se pode lutar contra as forças da Moira, do destino”.

Ele julga estar solitário no seu suplício, mas é surpreendido pela entrada do coro das Oceânidas, que habitam os confins da terra, portando-lhe a “philia”, a solidariedade.

Prometeu revela, com sua capacidade de previsão, que “dia chegará que o senhor dos bem-aventurados (os deuses) terá necessidade de mim, se quiser saber do novo desígnio que há de despojá-lo do cetro e das honras; mas nem palavras e nem o terror me dobrarão, pois não revelarei o segredo se antes ele não me livrar destes ferros e não consentir em pagar a pena pelo ultraje a que me submeteu”.

Forte mensagem: não existe poder eternal nem mesmo entre os imortais. Ou seja, na história da humanidade, deuses novos sempre serão criados e os velhos abandonados!

Já as Oceânidas temem pelo deus agrilhoado, pois “inflexível é a alma de Zeus, o filho de Cronos, incomovível é o seu coração”.

Ao que Prometeu, no auge de sua angústia, narra sua história: a epopeia do único Titã que permaneceu ao lado de Zeus na conquista do poder, uma vitória que, graças a ele não fora obtida pela força, mas pela astúcia.

Como se sente traído por quem tanto ajudou, e que a sua amizade pelos homens atraíra o ódio divino. “Esse espetáculo é a vergonha de Zeus”.

As Oceânides pedem que Prometeu lhes conte como ajudara os efêmeros e ele elenca as suas ações:

  1. Primeiro colocou a esperança em seus corações.
  2. Depois lhes ofereceu o fogo e que através dele, os homens aprenderam muitas artes. “Mas tudo o que me acontece hoje, eu já o sabia, então. Se errei foi por minha vontade e de ninguém mais… apenas não imaginara que tais torturas haveriam de consumir-me para sempre…”

Em nenhum momento, mesmo quando lançado ao maior tormento, um Herói renega seus feitos e nem se arrepende de enfrentar o poder de um tirano.

Entra em cena Oceano, que também vem prestar solidariedade, e diz a Prometeu que mesmo na queda, conta com um amigo firme. Permite-se aconselhá-lo: “Conhece-te a ti mesmo… submete-te aos fatos, não insultes quem detém o poder… deixa a tua cólera e procura livrar-te de tuas misérias. ”

O velho Oceano propõe-se a tomar seu partido no que é desaconselhado por Prometeu, que lhe recorda o destino que coubera a seu irmão Atlas, condenado a suportar a coluna que une o céu à terra, assim como o destino de Tifon, que viu suas forças convertidas em pó.

Ao que lhe replica Oceano: “Ser louco por excesso de bondade é uma nobre loucura”. Esse é exatamente o caso de Prometeu. Por fim, Oceano desiste de interceder por Prometeu e volta a seu caminho.

E segue-se a conversação entre o aguilhoado e o coro de Oceânidas. Prometeu discorre sobre a filantropia:

“O modo como fiz dos mortais seres inteligentes dotados de razão… a princípio viviam na desordem e na confusão… não sabiam construir casas com tijolos endurecidos no calor, não trabalhavam a madeira e viviam em cavernas, faziam tudo por instinto, até que os instruí na difícil questão das estradas e dos astros, depois na ciência dos números e, a mais importante, na composição das letras, memória de todas as coisas, mãe das Musas”.

“Também lhes ensinei o jugo dos animais, arar a terra… iniciei-os na arte dos bálsamos, na medicina… Ajudei-os a distinguirem os sonhos verdadeiros dos falsos, a lerem os presságios… também os tesouros que a terra oculta aos homens, como o ferro, o bronze e a prata, eu os revelei”.

“E hoje, eu, o desventurado que tanto soube inventar para os outros, não sabe descobrir o segredo que o livrará das misérias presentes”.

O deus atormentado ainda revela que das Parcas que tecem o destino, da Moira e das Erínias, que vingam os crimes de sangue, nem mesmo Zeus será capaz, no futuro, de livrar-se.

Todo deus, toda tirania tem sua ascensão e queda.

“O que pode temer aquele a quem não é dado morrer? ” diz Prometeu. Aproxima-se Hermes, o mensageiro, no dizer do Titã, “o servidor do jovem tirano”. Vem exigir que Prometeu declare quem um dia destronará Zeus do poder.

Ésquilo, seis séculos antes de Cristo, já antevia a ascensão do deus de Moisés e de Cristo, assim como, de Alá!

Responde-lhe altaneiro o Titã: “Falaste na verdade num tom cheio de soberba como convém aos lacaios dos deuses! São jovens, jovem é o poder que exercem, e julgam habitar um castelo inacessível à dor…. Nada hás de saber do que me perguntas…. Por nada deste mundo eu trocaria a minha dor pelo teu servilismo. Prefiro ver-me sujeitado a esta dura rocha a ser o dócil mensageiro do poder de um tirano. ”

“Também me culpas por tuas desgraças?”, interroga-lhe Hermes.

“Se te posso falar com franqueza, dir-te-ei que odeio todos os deuses; cumulei-os de favores, e em paga dão-me um tratamento iníquo. ”

Hermes comunica ao deus torturado que seus suplícios aumentarão se não responder a Zeus: “Esta rocha saltará sob os raios e os trovões, saltará também o teu corpo, sepultado sob os despojos e antes que possas ver a luz passar-se-ão anos; então, o cão alado de Zeus, a águia selvagem, virá alimentar-se de teu corpo, despedaçá-lo-á com suas garras e regalar-se-á com o manjar negro de teu fígado. E este tormento não terá fim, a não ser que algum deus queira te substituir nos sofrimentos e descer ao Hades”.

Responde o orgulhoso Titã: “Já antes de Hermes chegar eu sabia da mensagem que me traria. Não há afronta em ser chamado inimigo por um inimigo.

Hermes irrita-se com o indomável e também com as Oceânidas que dele se compadecem e as ameaça se não partirem. Respondem elas ao mensageiro: “Fale-me com outra voz, com palavras que saibam convencer… Incita-nos a cometer uma vilania? Preferimos padecer com ele”.

E, aproximando-se de Prometeu: “Aprendemos também contigo a odiar os traidores”!

Hermes afasta-se e ouve-se o trovão. “A terra vacila, e o trovão ruge em sua profundidade… eis a força desencadeada, lançada contra mim pela mão de Zeus, para infundir-me medo! ”.

As rochas saltam em pedaços e Prometeu é sepultado por elas.

Toda a tragédia “Prometeu Agrilhoado” é cultivada pelas ambiguidades e por paradoxos; o Zeus, que em sua sapiência emula os homens, nesta tragédia, jovem reinante, inseguro, ainda com leis por fazer, é um déspota; ingrato para o único Titã que esteve ao seu lado na luta pelo poder.

Ésquilo, aproveitando o mito de Hesíodo, leva ao teatro questões essenciais como liberdade e opressão. A coragem necessária para se dizer não ao tirano e o simbolismo da covardia do sim. Ao mesmo tempo trata questões como violência, poder e justiça.

Formatavam-se a leis da democracia grega!

Uma resposta

  1. O Teatro Grego do período da nascente Democracia Grega e o século de ouro (V e IV) da sabedoria grega, são imbatíveis e atuais. Precisam voltar às Universidades para leitura, análise-crítica e síntese indicando a ação necessária para os tempos de hoje. Antes , porém, A Filosofia, a História da Cultura, a Sociologia e o Desenvolvimento Humano-Social precisam estar na matriz curricular das escolas de educação básica e da educação superior.
    Precisamos incentivar, desde sempre, um projeto (UTOPIA) que nos faça caminhar em direção às melhores condições de vida material, cultural, emocional e espiritual para construção da Justiça Social. Esse Projeto (UTOPIA) dependerá de termos ” os olhos no horizonte, os pés o chão e as mãos na massa”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Cadastre-se para receber novidades

Receba as novidades do site em seu e-mail

© 2022 por Carlos Russo Jr – Todos os direitos reservados