Gógol e “O nariz”: “o duplo” e “o falo”.

“O Nariz” de Gógol foi escrito em 1836, e ainda hoje é considerado uma das maiores contribuições russas para a literatura mundial, estendendo de maneira genial “o conto fantástico” de Hoffmann.

“O Nariz” é um conto crítico- satírico. Inspirou diferentes musas, como a poesia de Pushkin, a música (Shostakovich compôs uma ópera com o mesmo título) e a literatura, berço e principal fonte de inspiração de muitos escritores, dentre eles, Dostoievski (“O Duplo”) e José Saramago (“O Homem Duplicado”).

Em uma frase, a história conta a história de um pequeno burocrata de São Petersburgo ( cujo correspondente posto no Exército corresponderia ao de major), cujo nariz abandona seu rosto e decide ter uma vida independente, uma representação da perda de parcela do “eu”, assim como a substituição de um personagem por seu duplo.

Outro aspecto a ser considerado: na literatura, Gógol foi pioneiro ao associar o nariz ao falo, ou melhor, a perda do nariz à “redução do poder do falo”, como símbolo não apenas sexual quanto de poder. A inspiração lhe ocorreu, segundo segredou ao amigo Pushkin, quando recém chegado a Petersburgo num inverno, sentiu como se seu enorme nariz se petrificasse em sua face e caísse.

A atitude de arrastar um homem, puxando-o pelo nariz, era um antigo costume da Rússia Czarista. Atitude humilhante através da qual se impunha o poder do mais forte. Após Gógol, Dostoievski também utilizou a mesma figura literária, em “Irmãos Karamazovi”, com Dimitri  arrastando para fora de um bar o pobre Smieguirov e , em “Os Demônios”, Stravogin puxando pelo nariz a um ancião e o obrigando a dançar.

“O Nariz” é uma sátira social e de costumes, que data do período mais ativo do jovem Gógol, quando seus espíritos críticos e sociais superam o misticismo sempre presente na vida do autor.

Esse conto- símbolo do absurdo tipicamente gogoliano, fala sobre o trivial, mas um trivial que age sobre o personagem, como se o autor tivesse o condão de tornar o impossível, algo estranhamente verossímil. A obra reveste-se de um absurdo sem precedentes, mas o leitor está ao corrente de que o cerne do trabalho reside essencialmente em sua irrealidade. Dessa forma, o que se poderia supor sobre a magia de um nariz desaparecido que se abateu sobre o “major” Kovaliov é imediatamente rejeitada pela manipulação estética do autor em torno do acontecimento, como se de algum modo a absurda ausência do nariz não fosse mais magia, mas um fato naturalmente ocorrido.

O conto principia com um “acontecimento de inaudita estranheza”. O barbeiro Ivan Iákovlevitch sentado à mesa, munido de uma faca para cortar o pão da manhã, encontra um nariz – que não é nada mais que o nariz do “major” Kovaliov – no interior do pãozinho recém assado.

Assombrado pela imagem o barbeiro faz os maiores esforços para esconder o inoportuno, primeiramente na própria casa, depois na rua e até mesmo no rio Neva. Acontece que os andrajos com que se vestia, de tão pobre que era, atraem para si sempre a atenção da polícia. Ao descobrirem-no com o nariz que não lhe pertencia e que já adquirira vida própria, ele terminará na cadeia por pressuposta cumplicidade na fuga autônoma do apêndice nasal.

Independentemente disso, o “major” Kovaliov, proprietário do nariz, fica extasiado quando no lugar do mesmo descortina um “lugar perfeitamente raso”. Ao constatar que o seu nariz estava ausente, decide recorrer a vários meios para encontrar malogrado nariz.

E irá localizá-lo em um edifício público, trajando o uniforme de um Conselheiro de Estado, posição burocrática muito superior à sua. Abordado, pelo proprietário, o nariz responde com a mesma soberba e desdém para com as pessoas de classe inferior, tal qual ele sempre o fizera. Claro, “vestido” com seu nariz. Em seguida, subindo ao próprio fiacre, o nariz foge de seus braços e segue um caminho desconhecido.

A tentativa de busca junto ao comandante da polícia não levou à nada. Assim, resolveu ir à secção de anúncios do jornal e “mandar publicar um anúncio com a descrição de todas as características do nariz perdido, mas dito anúncio não é aceito, “o major que procurasse um jornal humorístico”.

Enquanto isso, da antiga prepotência e orgulho por sua posição burocrática, pouco se salvava. Também, pudera um homem cujo nariz mais parecia “uma panqueca”, tendo sempre que manter parcela do rosto oculta por um lenço! Até mesmo o “coqueterismo” que ele sempre esgrimira com as mulheres se esvai.

Depois de muito ponderar sobre o acontecimento, Kovaliov enveredou pela estrada comum de buscar um culpado por sua desdita. Supôs que toda a culpa seria de uma viúva rica, Podtótchina, a qual desejaria que ele se casasse com a sua filha. Alguma magia deveria ter feito para que o homem que só queria curtir a vida, perdesse o nariz.

Neste somenos, entra em casa de Kovaliov um oficial da polícia, o mesmo que prendera o pobre barbeiro no princípio da história. Pelo visto, havia encontrado seu nariz. Agora o “major” só teria o trabalho de recolocá-lo. É claro que o oficial cobra um pedágio pelo serviço prestado e uma nota de dez rubros que repousava quieta sobre o aparador, muda de dono.

Pobre Kovaliov, necessita colocar o nariz de volta no rosto e nada! Recorre a um médico, que cobrava pela visita e não pela “possível cura”, de tal forma que o dono do nariz além de pagar,  é convidado a colocá-lo em um vidro sob conserva para que não se deteriore.

Depois de todos os eventos, numa bela manhã, o nariz surgiu enfim no rosto do major Kovaliov sem nenhuma razão aparente, tal qual num despertar de um pesadelo. E o nosso barbeiro segura a ponta do nariz de Kovaliov para fazer-lhe a barba, como sempre o fizera.

Imediatamente, de posse de seu “falo acessório”, escreve à viúva que queria vê-lo casado e piscando um olho, diz de si para consigo: “casar, somente se for pela mão esquerda”.

Obs.: A aliança de casamento, segundo o costume russo, é utilizada na mão direita. A aliança na esquerda significa tão somente a possibilidade de tornar a moça sua amante.

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