Chacinas nunca são punidas! A impunidade, que as acoberta, é “o ovo da serpente”.

Os massacres perpetrados pelas Polícias Militares se tornaram rotina, mesmo no Brasil democrático.

O genocídio a conta-gotas e continuado perpetrado pela polícia de Castro nas favelas do Rio de Janeiro, os assassinatos das polícias militares dos governos petistas da Bahia, a primeira das chacinas de Tarcísio de Freitas na Baixada Santista, sempre contaram e contarão com o beneplácito da Justiça brasileira no sentido de acobertar crimes, suavizar penas, nunca punir! As exceções havidas nos últimos 40 anos, apenas confirmam a regra.

O massacre dos detentos do Carandiru deixou 111 mortos há 31 anos. É emblemático!

O assassinato em massa daqueles que estavam sob a guarda do Estado pode ser definido como um verdadeiro genocídio. Embora tenham sido condenados em júris populares a penas que variavam de 48 a 624 anos de reclusão (totalizando mais de 21.000 anos de prisão), os policiais militares nunca foram presos e sempre aguardavam a análise recursos da defesa em liberdade.

Em 2016, o Tribunal de Justiça decidiu anular os julgamentos que culminaram na condenação dos policiais envolvidos. O relator do processo, o desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do TJ-SP, candidato bolsonarista em 2020, votou pela absolvição dos réus, acatando a tese dos advogados dos policiais militares, que alegavam que os réus haviam agido em “legítima defesa e sob tensão inelutável”.

Até a data, dos 74 policiais militares identificados e acusados pelo assassinato de 111 homens dentro da Casa de Detenção, 47 se aposentaram pelo governo paulista, cinco morreram, 11 pediram exoneração, dois foram expulsos da corporação, um foi exonerado e oito não recebem aposentadoria pela Polícia Militar. Dez deles recebem de aposentadoria um saldo maior que o salário do governador de São Paulo.

Policiais militares matam preferencialmente pobres e negros. Sabem que estarão impunes, e, talvez mesmo, promovidos!

E este constitui o “o ovo da serpente”, do qual o fascismo é permanentemente gerado, dizia Bergman.

O papel da Justiça na implantação do nazismo alemão.

O Império Alemão desmoronou com a derrota de 1918. Pela primeira vez uma Alemanha unificada teria uma República, uma democracia!

A Constituição da República de Weimar definiu os juízes como totalmente independentes e apenas sujeitos à lei.

Ora, esses juízes eram os mesmos da época Imperial e a única lei que eles reconheciam era a que, no passado, assegurava a salvaguarda do poder monárquico e de sua plutocracia.

Os representantes dos conselhos de trabalhadores das fábricas, os insurretos da primavera de 1921, os manifestantes dos levantes de Hamburgo em outubro de 1923, não passavam para eles de agitadores, e bandidos, enquanto uma anistia fora concedida aos participantes da tentativa de golpe paramilitar de 1920, que deixara centenas de mortos.

Como no caso de nosso Carandiru, os implicados no golpe continuaram a receber integralmente os seus vencimentos e aposentadorias!

Já vários anos de reclusão e de trabalho forçado foi a regra da Justiça para os manifestantes e sublevados populares. Mais que 7.000 proletários, por conspiração, foram encarcerados.

Essa mesma Justiça intervinha também para proibir apresentações teatrais, filmes, jornais, livros. Quase sempre esses processos eram dirigidos contra a tendências de esquerda por ofensa aos “princípios republicanos”. Jornalistas de esquerda e independentes foram presos, enquanto não houve uma só condenação de um jornalista nazista, embora do lado da imprensa nacional socialista, os ataques antirrepublicanos e racistas fossem diários.

 Dois pesos, duas medidas!

No processo criminoso instaurado contra Hitler e seus amigos pela tentativa de golpe de estado de 1923, em Munique, Hitler foi condenado há cinco anos de prisão, mas por ordem judicial, libertado após 9 meses. Seu comparsa, o general Ludendorff, foi totalmente absolvido.

Já o jornalista Ossietzky, em 1931, foi acusado de ter divulgado segredos militares na imprensa, quando tinha apenas mostrado como a aeronáutica dilapidava fundos secretos não controlados pelo Parlamento. Foi condenado a 18 meses de prisão e os cumpriu.

De fato, os nazistas chegaram ao poder depois de terem 37% dos votos para o Parlamento, em março de 1933, quando o Presidente, que era da República, lhe aplica o golpe de misericórdia, nomeando Hitler seu chanceler.

Nessa altura, várias dezenas de democratas alemães já estavam confinados em campos de concentração, julgados por aquela mesma Justiça!

A figura do Juiz Ernst Janning, um dos réus dos processos de Nuremberg.

Em 1948, a Guerra Fria está em “ensaio geral” e parcela dos vencedores da Segunda Guerra Mundial desejam “esquecer o passado”. A pressão política é enorme, pois os U.S.A. não desejam outros julgamentos de agentes do Estado Nazista. No entanto, não havia como se esquivar ao de quatro juízes presos e que haviam usado suas togas para permitir e legalizar as atrocidades do Estado nazista, inclusive o holocausto!

Como Juiz, o Governo Norte-Americano nomeou o Sr.Dan Haywood, um homem idoso, já aposentado, americano do centro-oeste, conhecido por suas posições conservadoras e admirador de diversas teses ligadas “à pureza racial”.

Ernst Janning, o réu principal da ação, fora Ministro da Justiça e, posteriormente, graças aos serviços prestados, fora nomeado por Hitler como presidente da Suprema Corte na Alemanha Nazista.

O acaso também levou à corte um promotor de Justiça dedicado, honesto e corajoso, o coronel Tad Lawson. Contra aconselhamentos do próprio comando do Exército Americano, ele aportou ao Tribunal um conjunto testemunhal e probatório isento e de extrema importância probatória.

Já o advogado de defesa dos réus, Has Rolfe, esgrimiu a tese de que a condenação dos juízes seria uma injustiça, pois os mesmos somente cumpriam o que a lei determinava, e traidor seria aquele que naquele momento, o do nazismo, fugisse às suas obrigações para com o povo alemão.

Na parte final do julgamento, o Dr. Ernst Janning dá o seu próprio depoimento, negando a tese do seu próprio advogado de defesa de que os magistrados não tinham conhecimento de muitas das atrocidades cometidas pela Gestapo e pelas tropas de choque e extermínio nazistas.

“Nós sabíamos e as achávamos necessárias para a recuperação do país”.

Para surpresa e inconveniência dos Estados Unidos e países aliados, o Juiz Dan Haywood, seguiu sua própria consciência e condenou os quatro magistrados à prisão perpétua.

Claro está, que por influência norte-americana, Janning foi “perdoado” e posto em liberdade em 1956, menos de oito anos após sua condenação, pela Justiça da República alemã!

O Genocídio e a Impunidade.

O extermínio do Carandiru no passado, assim como os assassinatos de inocentes e de suspeitos, que se tornaram rotineiros no caso brasileiro visam exclusivamente uma classe social: marginal, incômoda e improdutiva, normalmente composta por negros e sempre pobre.

Malreaux, em “A Condição Humana”, disse que a morte transforma certas vítimas em destino e que a lembrança do sofrimento se transforma em uma salvaguarda contra o sofrimento.

Wiesel, ao analisar os crimes praticados na Segunda Guerra sentenciou ter sido “Auschwitz o ponto zero da História, o começo e o fim de tudo o que existe… Por termos visto o triunfo das trevas, temos que falar sobre o sofrimento e a resistência de suas vítimas. Por que vimos o mal em ação, temos que denunciá-lo. Temos de combatê-lo sem dar um minuto de trégua e salvar o mundo do contágio! ”

A Justiça que não deseja ver é tão culpada de genocídio quanto aqueles que o praticam.

Por isso é essencial que crimes hediondos recebam punição!

Encerramos esse ensaio com o depoimento do Dr. R. Laing:

“Temos que defender a realidade contra o vazio, a burla e o mal da Irrealidade. É por isso que estamos lutando. Para defender o real contra o irreal. A verdade contra a falsidade. A vida plena contra a vida vazia, o bem contra o mal”.

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