Um teatro moderno, absolutamente inovador, onde nada é ilustrativo. Antes, um jogo vivo e único! Esta concepção modernista custou-lhe a vida. A sua e de sua companheira, Zinaída Raikh!
Vsevolod Meyerhold era dez anos mais velho que Vladimir Maiakovski. Enquanto este escrevia seus primeiros versos, Meyerhold já era um grande ator a caminho de tornar-se um dos mais importantes diretores e teóricos cênicos do século XX!
Para o gênio teatral de Meyerhold, tanto o encenador quanto o ator não são meros executantes automáticos de uma obra dramática. Antes, serão criadores e organizadores do espetáculo, em toda sua multiplicidade. Em seu teatro, o público será sempre cúmplice e partícipe do fenômeno teatral, pois Meyerhold prioriza a relação do intérprete com o público através de jogos que possam revelar e intensificar os traços de ambos.
Revolucionariamente, Meyerhold propôs também uma dialética de opostos: a farsa contra a tragédia, assim como a forma contra o conteúdo, de modo a forçar o espectador a encontrar uma visão mais apurada da realidade e vivenciar o teatro de forma renovada!
Realizou também diversas experimentações interpretativas, sendo o introdutor dos exercícios de Biomecânica, que influenciou os principais encenadores de todo o século XX. A Biomecânica, de um modo geral, transforma o corpo do ator em uma ferramenta a serviço da mente. As atuações cênicas, então, passaram a possuir movimentos amplos, exagerados e tensos. O corpo do ator, entendido como mais um objeto de cena, um importante papel como elemento de comunicação visual.
Ao lado de seu gênio sempre inovador, desde 1906, o jovem Meyerhold tornara-se um ativista político de esquerda. Ingressa no Partido Comunista junto com o amigo Maiakovski, após a Revolução de Fevereiro.
Em 1920, foi nomeado Diretor para assuntos teatrais junto ao Comissariado para Educação e Cultura.
Fundador do Construtivismo na Arte, ao lado de Maiakovski, no princípio de 1922, Meyerhold encena várias produções modernas incluindo “O Cornudo Magnífico”, de Crommelynk e “A Morte de Tarelkin” de Sukhovo-Kobylin.
Em 1923, passa a ter sua própria trupe teatral. Encenou produções inovadoras de clássicos como “Almas Mortas” de Gogol (1926).
Com a montagem de “O Inspetor Geral”, baseado também em Gogol, Meyerhold irá atingir o seu auge, assim como o prenuncio do fim de sua brilhante carreira.
Meyerhold, após a morte de Lênin, em 1924, começou a divergir do percurso tomado pelo Partido Comunista Soviético nas artes, que exigia que o teatro desempenhasse uma proposta ideológica na construção do socialismo, com obras que refletissem o cotidiano, conceito básico do assim chamado “realismo socialista”. Por esbarrar na ortodoxia reinante, é imediatamente destituído do cargo de Diretor para assuntos teatrais junto ao Comissariado para Educação e Cultura.
Logo a seguir, em parceira com Maiakovski, prepara a encenação das primeiras obras teatrais realmente críticas do momento histórico, como “O Percevejo” e “O Beijo”, de Maiakovski (1928-9).
A ortodoxia stalinista não suporta a representação teatral de ambas as peças. Meyerhold não ouvira o aviso dado por Mandelstam: “Este é o único país em que se mata por um verso.”
Meyerhold é, então, preso e torturado pela NKVD, e apenas após sua “confissão de traição à Pátria” em julgamento público em fins de 1929, lhe foi concedida liberdade e permitido que retornasse ao teatro.
Sem criticar mais o regime, seguiu, entretanto, com sua arte sem os padrões impostos pelo “realismo socialista”.
Seu amigo, parceiro de ideias e atividades, Maiakovski, suicida-se quatro meses após sua “libertação”, quando então, oportunisticamente, Stalin o transforma em “o poeta do socialismo”.
O teatro soviético no pós-revolução vivenciava uma crise de identidade. Muito próximo aos Simbolistas estava Meyerhold, o Construtivista, absolutamente preocupado com a Teatralidade. Por outro lado, os naturalistas e o realismo psicológico, cujo maior expoente era Stanislavski, um antigo parceiro de Meyerhold.
O fato é que os dois ícones do teatro pós-revolução se admiravam e respeitavam mutuamente. Meyerhold além de crítico, foi um admirador persistente do “Teatro de Arte” de Stanislavski e declarou certa vez: “Serei sempre um aluno de Stanislavski.” De fato, os dois viviam uma relação de respeito e admiração profunda.
E, na década de 1930, Stanislavsky encarnaria o teatro formal do “realismo socialista”, ao qual se opunha Meyerhold. Pese isto, Stanislavsky declarou corajosamente: “O único encenador que conheço é Meyerhold”!
Isto não impediu que Meyerhold fosse perseguido pela crítica oficial, assim como pela maioria da classe teatral cooptada pela burocracia estatal. Isolado e solitário, passou a fazer frente ao período mais sombrio do stalinismo. Sua reputação, no entanto, ainda não está de todo abalada.
A carreira de Meyerhold é, pela segunda vez interrompida quando, em 1938, seu teatro é fechado por decreto, com a justificativa de que ali havia “difamações hostis contra o estilo de vida soviético”.
Neste momento, Stanislavski irá surpreender a todos, convidando Meyerhold a trabalhar com ele no novo “Teatro Ópera Stanislavski”. Era uma decisão mais do que valente oferecer proteção a alguém que caíra em desgraça diante do sistema. Mas Stanislavski sabia o que estava fazendo e, aceitando as responsabilidades de sua decisão, alegou: “Precisamos de Meyerhold no teatro. Ele é meu único herdeiro”!
Dois anos após a morte natural de seu amigo e protetor, Stanislavski, Meyerhold foi assassinado em fevereiro de 1940, aos 66 anos. O fuzilamento foi pessoalmente autorizado por Stalin, e ocorreu na própria prisão onde ele fora recolhido.
Fora encarcerado meses antes, após o Congresso Geral dos Diretores Teatrais, por ter se negado à manifestação pública de submissão e retratação artística. A acusação foi: “trotskismo e formalismo artístico”. Por isto foi condenado!
Zinaída Raikh, sua mulher e também a primeira atriz de sua companhia, foi encontrada morta, assassinada, em seu apartamento, pouco tempo depois da prisão do marido.
Antes da execução, Meyerhold escreveu uma carta ao Procurador de Estado, o antigo menchevique Vaksberg e ao poderoso Comissário Molotov, reportando as terríveis sevícias sofridas em mãos da polícia do Estado.
Estas cartas somente vieram a público em 1989, junto com fotos onde são evidentes as marcas de deformações faciais provocadas por sessões de tortura.
Seus trabalhos artísticos e escritos estiveram banidos até 1955, quando foi reabilitado pela Corte Suprema da antiga U.R.S.S. e inocentado do crime de traição “cultural” à Pátria!
Obs.: Sergei Eisenstein, ex-aluno e também amigo de Meyerhold, utilizou a técnica deste em seus filmes. Na superprodução de “Ivan, o Terrível”, tanto em sua primeira parte, sob o patrocínio de Stalin, quando o Czar foi apresentado como um unificador nacional, contrário aos privilégios do clero e da nobreza, no qual o próprio Stalin esperava se espelhar, quanto na segunda parte do filme, em que Eisenstein apresenta o tirano Ivan como um marco trágico do poder absolutista.
Claro que a segunda parte foi proibida em 1946 e liberada apenas em 1958.