As bases psíquicas dos fascistas, antes e após a derrota de 8/1.

S. Freud e T. Adorno apresentaram uma explicação clara do elemento hierárquico em grupos irracionais, como o são os nazifascistas, dos quais derivam o bolsonarismo, o trumpismo e o novo movimento auto denominado “anárquico-capitalista” argentino.

Tratam-se de estruturas hierárquicas em completa harmonia com o caráter sadomasoquista. A famosa fórmula de Hitler, “responsabilidade para com os de cima, autoridade para com os de baixo”, racionaliza bem a ambivalência desse caráter.

A tendência a desprezar e pisar os de baixo, que se manifesta na perseguição aos mais fracos e desamparados, é tão franca quanto o ódio contra os de fora, quer sejam imigrantes estrangeiros ou mesmo conterrâneos de regiões mais empobrecidas.

Já em 1921, Freud foi capaz de se livrar da ilusão liberal de que o progresso da civilização provocaria automaticamente um aumento da tolerância e uma diminuição da violência contra todos aqueles que detém o poder de fato.

“É provavelmente a suspeita do caráter fictício de sua própria ‘psicologia de grupo’ que torna as multidões fascistas tão inabordáveis e impiedosas. Se parassem para raciocinar por um segundo, toda a encenação desmoronaria, e só lhes restaria entrar em pânico. ”

O narcisismo fascista.

Freud em “O mal-estar na civilização” ateve-se ao ganho narcisista fornecido pela propaganda fascista. Ela sugere que o seguidor, simplesmente por pertencer ao grupo dominante, é superior, melhor e mais puro que aqueles que estão excluídos. Ao mesmo tempo, qualquer tipo de crítica ou autoconsciência é ressentida como uma perda narcisista e provoca fúria.

Isso explica a reação violenta de todo fascista contra o que julga destrutivo, aquilo que desmascara seus próprios valores obstinadamente mantidos, e também a hostilidade das pessoas preconceituosas contra qualquer tipo de introspecção.

“O ganho narcisista fornecido pela propaganda fascista é óbvio. Ela sugere continuamente, e às vezes de maneiras bastante maliciosas, que o seguidor, simplesmente por pertencer ao grupo, é superior, melhor e mais puro que aqueles que estão excluídos. Ao mesmo tempo, qualquer tipo de crítica ou autoconsciência é ressentida como uma perda narcisista e provoca fúria. ”

A manipulação das massas.

A fonte primária parece ser a identidade básica entre líder e seguidor. O líder, em nosso caso o decadente Bolsonaro e seu antigo e ainda impune “Gabinete do Ódio”, puderam adivinhar os desejos e necessidades psicológicas dos que são suscetíveis à sua propaganda porque a eles se assemelham psicologicamente e deles se diferenciam pela capacidade de expressar sem inibições o que naqueles está latente, em vez de lançar mão de alguma superioridade intrínseca.

Estes tipos de líderes, “Mitos”, são mestres ao enganar os outros.

O encanto, que tipos como Bolsonaro, mesmo após os 700 mil mortos da COVID, o roubo escandaloso de joias, o assalto aos cofres públicos pelos militares incorporados, a destruição do meio ambiente, ainda exerce sobre seus seguidores, parece depender largamente de uma linguagem destituída de significação racional, que funciona de um modo mágico e promove aquelas regressões arcaicas que reduzem os indivíduos a membros de maltas, súcias, ralé social.

É sua particular síndrome de caráter sadomasoquista que lhe possibilita fazer exatamente isso, e a experiência os ensinou, desde um século atrás, com Mussolini e Hitler a explorar essa faculdade conscientemente, fazendo uso racional de sua irracionalidade, de modo semelhante a um ator ou a um palhaço. Sem sabê-lo, ele é, assim, capaz de falar e agir em acordo com a teoria psicológica pela simples razão que a teoria psicológica é verdadeira. Tudo o que ele tem a fazer para que a psicologia de sua plateia funcione é explorar maliciosamente sua própria psicologia.

“O líder pode adivinhar os desejos e necessidades psicológicas dos que são suscetíveis à sua propaganda porque a eles se assemelha psicologicamente e deles se diferencia pela capacidade de expressar sem inibições o que neles está latente, em vez de lançar mão de alguma superioridade intrínseca. ” (Freud).

A agitação fascista tornou-se uma profissão, um meio de vida, de enriquecimento. Sua efetividade é, ela própria, uma função da psicologia dos consumidores.

A destruição e os frustrados socialmente.

As finalidades objetivas do fascismo são amplamente irracionais na medida em que contradizem os interesses materiais de grande número daqueles que elas tentam incorporar.

O clima contínuo de guerra inerente ao fascismo significa destruição, e as massas sabem disso ao menos subconscientemente. Desse modo, o fascismo não é totalmente mentiroso quando se refere a seus poderes irracionais, não importando se é falsa a mitologia que ideologicamente racionaliza o irracional.

Destruir, destruir, destruir, este é o seu lema!

Como seria impossível para o fascismo ganhar as massas por meio de argumentos racionais, sua propaganda deve necessariamente ser defletida do pensamento discursivo; deve ser orientada psicologicamente, e tem de mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos.

Essa tarefa é facilitada pelo estado de espírito de todos aqueles estratos da população que sofrem frustrações sem sentido e desenvolvem, por isso, uma mentalidade mesquinha e irracional.

O segredo da propaganda fascista pode bem ser o fato de que ela simplesmente toma os homens pelo que eles são – amplamente despojados de autonomia e espontaneidade.

A propaganda fascista tem apenas de reproduzir a mentalidade existente para seus próprios propósitos – não precisa induzir uma mudança –, e a repetição compulsiva, que é uma de suas características primárias, estará em acordo com a necessidade dessa reprodução contínua.

O irracionalismo da sociedade moderna, a serviço do Capital.

O fascismo se apoia em cada traço particular do caráter autoritário, que é, ele mesmo, produto de uma internalização dos aspectos irracionais da sociedade moderna. Isso pode explicar por que os movimentos de massa reacionários usam a “psicologia das massas” num grau muito maior do que movimentos que mostram mais fé nas massas. Entretanto, não há dúvida de que mesmo o movimento político mais progressista pode se deteriorar até chegar ao nível da “psicologia da multidão” e de sua manipulação, se seu próprio conteúdo racional é despedaçado pela reversão ao poder cego.

Embora o agitador fascista assuma certas tendências internas àqueles aos quais se dirige, ele o faz como mandatário de interesses econômicos e políticos poderosos.

Disposições psicológicas não causam, na verdade, o fascismo; antes, o fascismo define uma área psicológica que pode ser explorada com sucesso pelas forças que o promovem por razões completamente não-psicológicas de interesse próprio.

Freud aponta na direção do que poderia ser chamado de apropriação da psicologia de massa pelos opressores. Ele define o reino da psicologia pela supremacia do inconsciente e postula que o que é isso deveria se tornar eu.

A emancipação do homem do domínio heterônomo de seu inconsciente seria equivalente à abolição de sua “psicologia”. Pois o fascismo promove essa abolição no sentido oposto, pela perpetuação da dependência em lugar da realização da liberdade potencial, pela expropriação do inconsciente por meio do controle social em lugar de tornar os sujeitos conscientes de seus inconscientes.

O “empobrecimento” psicológico do sujeito que “se entregou ao objeto”, o qual “substituiu seu componente mais importante”, isto é, o superego, constituem os átomos sociais pós-psicológicos que formam as coletividades fascistas.

“A psicologia das massas foi controlada por seus líderes e transformada em meio para sua dominação. Ela não se expressa diretamente pelos movimentos de massa. ” (Canetti).

Freud descobriu esse elemento de “impostura” em um contexto inesperado, isto é, quando discutia a hipnose como um retrocesso dos indivíduos à relação entre a horda primitiva e o pai primitivo.

O grito de guerra nazista “Desperta, Alemanha” e o golpe de Bolsonaro que falhou!

O grito de guerra bolsonaristas nos quarteis do Exércitos, nas ruas e na destruição dos prédios dos Três Poderes: “A Pátria acima de tudo e Deus acima de todos”. E a destruição dos seus contrários!

O fascismo bolsonaristas está sendo combatido em nossa sociedade, após a vitória de Lula e da democracia. Poderá, entretanto, ser extirpado da sociedade brasileira, quer assuma a denominação de “zemismo” ou “tarcisismo”?

Isto será assunto de novas postagens.

8 respostas

  1. Comecei a ler preocupado com a tendência de interpretar psicologicamente a motivação fascista, ao meu ver interesse único no benefício próprio e material. A partir do trecho do texto em que se diz que as disposições psicológicas não causam o fascismo, mas são utilizadas por ele; e da abolição da psicologia e da expropriação do inconsciente pelo controle social, entendi o sentido do texto. Parabéns pelo resgate das ideias de Freud e pela análise. Precisamos encontrar meios de transformar esse conhecimento em capacidade de oposição e reversão.

  2. Caro amigo. Sempre um deleite reflexivo lê – lo.
    Separei este último naco porque o considero muito analítico.

    “O grito de guerra nazista “Desperta, Alemanha” e o golpe de Bolsonaro que falhou!”
    Curioso não é caríssimo colega.
    Seria uma metonímia antitética ao que propõe Max Stirner e seu espreito seguidor Nietzsche. MS propõe como 3a etapa da vida (adulta /egoísta). depois de nos livramos das forças internas e externas, que cresçamos “solo” e que isso é semelhante ao homo historicus. Assim, essa libertação é capaz, per se, de devolver a potência de viver. Qdo o indivíduo sobrepõe a pátria a si mesmo, retira o que, na verdade, é a própria sustentação da pátria e da sociedade- o valor do indivíduo e do coletivo até representa. Desse modo essa metonímia humana do homem pela pátria, se inverte numa catacrese estética de apequenamento do que é, poderia ou deveria ser, em um pedaço amorfo, vulgar e sem sentido. Um indivíduo interditado pelo Estado (pátria). Como bem nos disse o saudoso Vandré sobre a ” pátria”
    “Há soldados armados
    Amados ou não
    Quase todos perdidos
    De armas na mão
    Nos quartéis lhes ensinam
    Uma antiga lição
    De morrer pela pátria
    E viver sem razão”.
    Qto ao “O único e sua propriedade”. Copio “Nada é a causa de Deus e da humanidade, nada a não ser eles próprios. Do mesmo modo, Eu sou minha causa, eu que, como Deus, sou o nada de todo o resto, eu que sou o meu tudo, eu que sou o único. […] O divino é a causa de Deus, o humano a causa ? do homem?. Minha causa não é nem divino nem humano, não é o verdadeiro, o bom, o justo, o livre, etc, mas exclusivamente o que é meu. E esta não é uma causa universal, mas sim… única, tal como eu. Para mim, nada está acima de mim!”.
    Assim, esse grito de guerra dos bolsonaristas nos quarteis do Exércitos, nas ruas e na destruição dos prédios dos Três Poderes: “A Pátria acima de tudo e Deus acima de todos”. E a destruição dos seus contrários!, representa a sujeição, a interdição, a aniquilação deste único em favor da metafísica pátria. Essa cada vez mais apodrecida na raiz, contaminante, degradante e nefasta ao indivíduo e sua única propriedade – si próprio!

    Depois
    “O fascismo bolsonaristas está sendo combatido em nossa sociedade, após a vitória de Lula e da democracia”.
    Creio que temos falhado na identificação e ação das causas raízes desse fenômeno. Precisamos considerar muito mais e agir nas bases e entrar nas universidades, formadoras de opinião, colocar mais ideias e ética nos currículo. Isso talvez possa acordar TODOS- desse sono dogmático imposto.

    “Poderá, entretanto, ser extirpado da sociedade brasileira, quer assuma a denominação de “zemismo” ou “tarcisismo”?”
    Não , não creio, isso está inculcado no indivíduo. A cultura, as pressões do sistema nunca podem ser subestimadas. Teremos sempre o que Plauto na Assinaria vaticinou 200 ac Lupus est homo homini lupus. Então , a luta é perpétua. Por isso caminhar e cantar nos alivia .
    Com sua vênia, vou disponibilizar isso no FB . Fraterno abraço

    1. Excelente seu comentário, meu amigo e companheiro. Tenho trabalhado numa segunda parte deste ensaio. Por favor, distribua-o à vontade. Abraço.

  3. Russo,
    Mais um artigo bem elaborado e lúcido, uma contribuição para a compreensão e o desmascaramento de uma das doutrinas políticas mais deletérias que já tiveram poder de dominação popular na história da humanidade nos últimos cem anos. A contribuição de Freud em sua genialidade, bem exposta em seu texto, é basilar no aclaramento teórico dessa teoria-prática desarticuladora do ser humano individual e coletivamente, enquanto psique e sociedade.
    Que venham outros artigos desta mesma estirpe.

  4. texto do amigo proustiano Carlos Russo Jr, ou o camarada Russo.

    “Caro amigo.
    Sempre um deleite reflexivo e analítico lê – lo.
    Separei este último naco porque o considero analítico.

    “O grito de guerra nazista “Desperta, Alemanha” e o golpe de Bolsonaro que falhou!” .

    Curioso não é caríssimo colega ( sim, somos)
    Seria uma metonímia antitética ao que propõe Max Stirner e seu espreito e famigerado seguidor Nietzsche. MS propõe como 3a etapa da vida (adulta /egoísta), depois de nos livrarmos das forças internas e externas, que cresçamos “solo” e que isso olha para o “homo historicus”. Assim, essa libertação é capaz, per se, de devolver o gosto e a potência de viver. Quando o indivíduo sobrepõe a pátria a si mesmo, retira o que, na verdade, é a sustentação da sociedade e da pátria – o valor do indivíduo (celular) e do coletivo (organismo), que se faz representar. Desse modo, essa péssima invocação metonímica homem x pátria, desvela uma infame catacrese estética – do apequenamento do que é, poderia ou deveria ser (o indivíduo), em um pedaço amorfo, vulgar e sem sentido (a pátria). Um indivíduo interditado pelo Estado (pátria). Como bem nos disse e alertou o saudoso Vandré sobre a ” pátria”.
    “Há soldados armados.
    Amados ou não.
    Quase todos perdidos.
    De armas na mão.
    Nos quartéis lhes ensinam.
    Uma antiga lição.
    De morrer pela pátria
    E viver sem razão”.

    Qto ao “O único e sua propriedade”. Copio novamente : “Nada é a causa de Deus e da humanidade, nada a não ser eles próprios. Do mesmo modo, eu sou minha causa, eu que, como Deus, sou o nada de todo o resto, eu que sou o meu tudo, eu que sou o único. […] O divino é a causa de Deus, o humano a causa ? do homem? Hum! Minha causa não é nem divino, nem humano, não é o verdadeiro, o bom, o justo, o livre, etc, mas exclusivamente o que é meu. E esta não é uma causa universal, mas sim… única, tal como eu. Para mim, nada está acima de mim!”.
    Assim, esse grito de guerra bolsonarista, nos quartéis do Exércitos, nas ruas e na destruição dos prédios dos Três Poderes: “A Pátria acima de tudo e Deus acima de todos”. É a destruição dos seus contrários!, representa a sujeição, a interdição, a aniquilação deste “Único”, em favor da metafísica “pátria”. Essa cada vez mais apodrecida na raiz, contaminante, degradante e nefasta ao indivíduo e sua única propriedade – si mesmo!

    Depois
    “O fascismo bolsonarista está sendo combatido em nossa sociedade, após a vitória de Lula e da democracia”.

    Tenho dúvida qto à eficiência.
    Creio que temos falhado na identificação e ação das causas raízes desse fenômeno. Precisamos considerar muito mais e agir nas bases, entrar nas universidades, formadoras de opinião, colocar mais ideias e ética nos currículos. Isso talvez possa acordar TODOS – desse sono dogmático imposto.

    “Poderá, entretanto, ser extirpado da sociedade brasileira, quer assuma a denominação de “zemismo” ou “tarcisismo”?”
    Não , não creio, isso está inculcado no indivíduo. A cultura, as pressões do sistema nunca podem ser subestimadas. Teremos sempre o que Plauto na Assinaria vaticinou 200 ac Lupus est homo homini lupus. Então camarada, a luta é perpétua. Por isso, caminhar e cantar nos alivia.
    Com sua vênia, disponibilizo no FB.

    1. Cara Eleonora, infelizmente não sei divulgá-lo em redes de internet, exceto Facebook. Grato.

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