A máscara de Agamemnon e o Imperador do Brasil

O dia 6 de dezembro de 1876 amanheceu com uma grande novidade que não tardou a percorrer o mundo: Heinrich Schliemann anunciava a descoberta arqueológica de túmulos reais nas escavações de Micenas, cidade grega cujo apogeu reportava ao século oitavo ou nono antes de Cristo. Em telegrama enviado ao rei grego e pela imprensa divulgado, ele dizia:  ” É com extraordinária alegria que anuncio a Vossa Majestade a descoberta de túmulos, que a tradição assinala como sendo os de Agamemnon, de Cassandra, Eurimedon e seus companheiros, trucidados por Clitemnestra e seu amante Egisto durante um banquete”.

O anúncio era complementado com a relação impressionante do tesouro arqueológico encontrado, onde o grande destaque era a máscara mortuária em ouro, daquele corpo mumificado, que o precipitado Schliemann anunciava como o homem que comandara a expedição grega contra a cidade de Troia. Finalmente, era revelada ao mundo a face do comandante de Aquiles e irmão do Menelau, Agamemnon.

Essa notícia motivou homens cultos a realizarem uma peregrinação até a Argólida grega, a Micenas, “a cidade das muralhas ciclópicas”, conhecida tanto nas obras de Homero quanto nas tragédias gregas como o reino dos Atreus. E Dom Pedro II, Imperador do Brasil, logo fez parte do primeiro time de visitantes.

Mas quem era Schliemann, esse homem que se comunicava diretamente com reis e presidentes? Ele era uma mescla de visionário, aventureiro e irmão gêmeo da estrela da boa sorte. Tal qual o Midas lendário, tudo em que tocava transformava-se em tesouro. Alemão de nascimento, era filho de um pastor empobrecido, mestre-escola apaixonado pela cultura grega que lhe deu como cartilha das primeiras letras a Ilíada de Homero e, posteriormente, as tragédias e comédias gregas.

Isso formatou no jovem o sonho que ele um dia realizaria: a busca de tesouros arqueológicos baseada em citações de poetas e em obras literárias,mais que em qualquer outra fonte de conhecimento.

O rapaz pobre possuía uma enorme facilidade para a aprendizagem de idiomas, tendo desenvolvido habilidades em pelo menos dez línguas antes dos trinta anos.

Foi essa habilidade, aliada à sua enorme capacidade de negócios e a seu gênero aventureiro a la Ulysses, que lhe permitiu abrir  comércio com países do oriente e do ocidente, conversando sempre na língua própria dos interlocutores; participou, inclusive, da “ febre do ouro californiano”, encontrou um filão e retornou ainda mais rico para a Alemanha.

Quando completou quarenta e dois anos, Schliemann decidiu interromper sua carreira comercial; desposou uma linda grega, Sofia, vinte anos mais jovem, uma geóloga recém-formada e dedicou-se ao sonho de sua vida: encontrar as ruínas da cidade de Troia, saqueada e destruída pelos argivos comandados por Agamemnon e Aquiles. Tomando como “ bíblia” tão somente escritos antigos, como a Odisseia e a Ilíada, em 1870 inicia as escavações que, contrariando todas as previsões dos cientistas, trariam à luz do dia a cidade de Troia, aquela mesma cidade da Ásia Menor, e que, por muitos, era tida tão somente como fruto da imaginação de um poeta.

No mesmo sítio das ruínas da Troia de Príamo, outras quatro civilizações mais antigas foram por ele também encontradas. Como fruto das escavações, um enorme tesouro em ouro, joias e artefatos de uso cotidiano do passado foi descoberto. Justamente o explorador alemão que estava disposto a empregar toda sua fortuna para descobrir Troia, tornava-se assim, ainda mais rico e muito mais famoso.

Mas tocado pelo espírito de Minos, a vontade de novas descobertas e riquezas não permitiu ao alemão o merecido descanso, após tão importante conquista.

Pois muito bem, descoberta Troia, tendo unicamente por referência a Ilíada de Homero, Schliemann decidiu explorar, na Grécia continental, a cidade da qual Agamemnon, o comandante grego, havia partido para comandar a destruição troiana, e onde, ao regressar da guerra, fora assassinado pela esposa Clitemnestra e seu amante, Egisto. E ele iniciará as escavações de Micenas, ocupando mais de cento e vinte e cinco operários, em princípios de 1876.

Talvez jamais tenha havido pessoas tão predestinadas quanto Schliemann. Em breve o mundo iria se maravilhar com as notícias de seus achados. As riquezas arqueológicas se sucedem, são vasos pintados, ânforas, pedras preciosas, fragmentos de frisos, ídolos de terracota, formas para fundição de ourivesaria. Finalmente, a descoberta de túmulos pertencentes a antigos reis.

E o aventureiro anuncia ao mundo, conduzido exclusivamente pelos escritos de Píndaro e dos poetas trágicos, a descoberta como sendo a dos jazigos de Agamemnon, de Cassandra e seus acompanhantes.

Ele não teve a menor dúvida sobre a veracidade de seu achado; mas pouco importa que a Ciência, posteriormente, tenha provado que os restos mortais descobertos pertencessem a reis mortos pelo menos quatrocentos anos antes da existência de Agamemnon e de seus parceiros de ventura. Afinal, Troia surgira para o mundo através de suas mãos.

As grandes notícias se espalham e os homens cultos planejam suas visitas para conhecerem pessoalmente os restos mortais tão ilustres e a cidade que, no seu tempo, liderara todos os gregos na luta contra Troia.

É então que chegamos ao dia em que Dom Pedro II, o Imperador do Brasil, realiza a sua visita. Seus olhos se enchem com os diademas, folhas de louro, maravilhosos ornamentos em ouro e pedras preciosas descobertos nos jazigos encontrados, Apresentam-lhe um peitoral e uma máscara mortuária confeccionada cuidadosamente em ouro vinte e dois, como sendo a de Agamemnon.

Como um homem  ele se extasia com o achado, mas no seu íntimo, graças à sua cultura, não está convencido de estar realmente frente à máscara mortuária de Agamemnon. Onde estavam as provas científicas? Enfim, para o Imperador do Brasil, talvez Schliemann estivesse forçando um pouco a História, quiçás desejando que a vida se comportasse como um reflexo da arte.

Demora-se um bocado em sua visita, distrai-se em seus pensamentos e suas dúvidas.

Qual teria sido o motivo de haver dado ao chefe de polícia grego, de nome Leonardos, uma gorjeta de tão somente quarenta francos, para quem o ciceroneara  por quase dois dias inteiros? Uma quantia que era absolutamente ridícula para um Imperador, pedindo ainda ao policial “que a repartisse entre seus colegas”?

Ou a quantia ridícula expressaria  uma pura e inconfessável sovinice dos Bourbons?

Ora, a gorjeta ridícula em seu valor real, adquiriu aos olhos dos  auxiliares do pobre Leonardos valores astronômicos, algo superior a mil francos.

Primeiramente queriam que o chefe partilhasse uma gorjeta principesca com eles. Com sua recusa, ameaçaram o chefe com delação, pois tal recompensa financeira deveria estar ligada a algum favor prestado ao colecionador de antiguidades, Dom Pedro II.

Criado o impasse, os policiais subalternos fizeram chegar aos superiores a história de uma gorjeta de mais de mil francos. Como resultado, Leonardos foi demitido e somente não foi levado à prisão por interferência de Schliemann, que nele muito confiava.

Logo em seguida, ele escreve diretamente ao Imperador brasileiro para que esclareça a situação. Envia-lhe um telegrama com o seguinte teor: “Por ocasião de sua partida de Nauplia, Vossa Majestade deu ao comandante de polícia Leonardos uma quantia simbólica de quarenta francos. O prefeito da cidade, baseado nos dizeres de caluniadores, afirma haver ele recebido mil francos de Vossa Majestade. Leonardos foi destituído do posto e só com muita dificuldade eu consegui livrá-lo da prisão. Visto conhecê-lo há muitos anos como o mais honesto dos homens peço, em nome da sagrada verdade e da humanidade, que o senhor se digne a telegrafar-me dizendo se Leonardos recebeu quarenta francos ou mais.”

E o Imperador do Brasil responde imediatamente a Schliemann esclarecendo publicamente a verdade.

O policial, homem de confiança do sonhador Schliemann é salvo. E a fama de sovina de Dom Pedro II torna-se proverbial em todas as cortes europeias.

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