Graco Babeuf foi um dos mais legítimos filhos da Revolução Francesa. Depois que a guilhotina levara os últimos líderes jacobinos, somente Babeuf, encabeçando a Sociedade dos Iguais, permaneceu fiel aos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o fermento do socialismo dos séculos XIX e XX.
O Terror Revolucionário trouxera no bojo de sua derrota, a desilusão, o esgotamento das energias populares e a perda dos ideais revolucionários.
A Grande Revolução de 1789, que destruíra as formas feudais da monarquia e expropriara tanto o clero quanto a nobreza, com a derrota dos jacobinos, sob a liderança da Direita, terminou por concentrar a riqueza em poucas mãos e disseminou ainda mais a pobreza. Pois o Diretório, que sucedeu à Convenção, simbolizava a reação política, sendo manejado por burgueses enriquecidos no processo de especulação com as propriedades confiscadas, por capitalistas e por atravessadores a eles associados.
Morta estava a Primeira República! Enquanto isso, os trabalhadores de Paris, no inverno de 1795-1796 morriam nas ruas de fome e de frio.
A reação política terminaria por dar à luz um novo autocrata, Napoleão Bonaparte e suas aventuras imperialistas, que, logo após, assassinar a República, fez-se coroar Imperador.
Um revolucionário de primeira hora.
Babeuf, revolucionário de primeira hora, exercera diversas atividades públicas durante e após o período revolucionário; fiel a seu ideário, negara-se tanto a aderir ao Terror, quanto a enriquecer e a especular, como tantos outros “cidadãos” haviam feito.
Sempre pobre, ele e os seus companheiros mais próximos foram, durante o império da Direita, a única voz dissonante, aquela que tentava ainda despertar o povo para os ideais do grande movimento que havia sido revolucionário por quase cinco anos.
Babeuf fundou, em 1795, o jornal “A Tribuna Popular”, que denunciava a nova Constituição, a qual abolira o sufrágio universal e concedia o direito a voto somente aos proprietários! “A Tribuna” foi fechada no mesmo ano de sua publicação e Babeuf, preso, junto com seus amigos.
Ao saírem da cadeia, eles fundaram um clube político de oposição ao Diretório, a “Sociedade dos Iguais”. Seu manifesto de fundação preconizava a abolição da propriedade individual da terra, denunciava que menos de um milhão de pessoas desfrutava os bens que pertenceriam a mais de vinte milhões. Conclamava o povo para a luta por uma “República dos Iguais”.
A Sociedade foi rapidamente colocada na ilegalidade e seus militantes, agora na clandestinidade, elaboraram uma Constituição alternativa que previa uma comunidade nacional dos bens públicos e uma educação igualitária, pública e laica para todos. Um Governo de Iguais controlaria o comércio exterior e tudo o que fosse impresso.
A organização clandestina rapidamente passou a contar com agentes na Polícia e no Exército Francês. Propunha a Insurreição Popular e a tomada do poder político. “Liberté, Igalité, Fraternité”, não seriam mais letra morte, simples slogan, temática de um hino nacional.
A data para o levante chegou até mesmo ser marcada. No entanto, às vésperas, graças à ação de um traidor, Paris foi ocupada por batalhões de policiais vindos do interior e a sublevação, antes de sua eclosão, foi sufocada.
Babeuf foi feito prisioneiro, junto com dezenas de seguidores.
Os reacionários conduziram o revolucionário dentro de uma jaula por Paris, tratando-o como a um animal hidrófobo. Seu julgamento, que teve a duração de seis sessões, terminou por condená-lo à morte na guilhotina.
A defesa de Babeuf, por ele próprio.
A defesa que Babeuf apresentou perante seus julgadores foi impressionante, precursora do socialismo e marca até os dias de hoje uma das páginas mais comoventes da História. Ele, ao realizá-la, sabia muito bem que todo esforço revolucionário já estava perdido, que Napoleão galvanizava o que restara de ardor combativo do povo francês, desviando-o para suas aventuras imperialistas.
A defesa escrita, que ocupa quase trezentas páginas de papel impresso, teve como objetivo servir às gerações futuras. Vamos as suas linhas mais gerais.
· Principiou dizendo que aquilo que realmente estaria em jogo não era tanto a questão de uma conspiração contra o governo, mas sim, a divulgação de ideias subversivas para a nova classe dominante.
· Denunciou que os privilégios de antes da Revolução haviam retornado de maneira ainda mais descarada; que o direito de votar e ser votado foram concentrados em certas castas; que o povo perdera a liberdade de reunião; que a liberdade de imprensa fora esquartejada.
· O poder executivo saíra do alcance do povo e não mais dependia da vontade popular real. Havia sido esquecida a educação universal e excluída a ajuda aos necessitados.
· A Constituição de 1793, que fora aprovada por cinco milhões de votos, acabara substituída por aquela outra, a do Diretório, aprovada por menos de um milhão de pessoas.
· Enfatiza que todos devem trabalhar numa sociedade. Coloca-se como um continuador dos Iluministas, que até mesmo os Bourbons lhes haviam permitido a existência, agora negada pelos “ditos Republicanos”.
· Evoca em sua defesa palavras de Diderot, de Rousseau, de Mably. “O trabalho, mais que um direito, é um dever. Numa sociedade, realmente justa, não existiriam pobres e ricos”.
· Que o conceito de que toda propriedade privada seja intocável caracteriza uma sociedade homicida. O monopólio da terra, exercido por um punhado de poderosos, nada mais é que um roubo legalizado e as instituições civis que regulam e permitem essas práticas, cometem latrocínio ao condenar milhões a morrer de fome.
Relembra, ainda, a enorme incoerência dos próprios membros do Diretório, quando ainda não eram o Poder e que diziam ao povo: “Se seguires a cadeia de nossos vícios, descobrirás que o primeiro elo está preso à desigualdade das riquezas”.
“Toda pessoa sincera deve admitir que igualdade política sem igualdade verdadeira é apenas uma ilusão, e o erro mais cruel dos órgãos, que se dizem revolucionários, é não determinar os limites da propriedade privada”. Dizia mais: “Basta refletir por um momento a respeito das paixões na ascendência desse período de corrupção a que chegamos para ficar claro que a probabilidade de realizar tal projeto é zero”.
Concluía dizendo que uma Revolução e a violência se legitimam quando são levadas a cabo contra uma autoridade ilegítima.
“Quando fui preso por causa de meus escritos, deixei sem nenhum recurso para minha mulher e meus três desgraçados filhos. Minha filhinha de sete anos morreu de fome e as outras crianças ficaram tão magras que não as reconheci quando as vi. Se falo de nossa família é apenas porque ela é uma dentre milhares, representa a maior parte da população de Paris, cujos rostos, emaciados pela fome, cambaleiam pelas ruas”.
Declara que a sentença de morte não o surpreenderia e nem o assustaria.
“A ideia de prisão e de morte violenta acompanha um revolucionário”, mas o que o satisfazia era ver que sua família e seus amigos jamais se envergonhariam do exemplo seu e de seus companheiros. E conclui sua defesa, olhando para seus filhos, para os filhos de seus filhos e para nós mesmos:
“Meus filhos, possuo apenas um arrependimento. Embora eu tenha querido tanto lhes deixar como um legado a liberdade que é fonte de todo bem, prevejo para o futuro somente escravidão. Nada tenho para que vocês herdem. Não posso sequer legar-lhes minhas virtudes cívicas, meu profundo ódio à tirania, minha ardente devoção à causa da liberdade e da igualdade, meu amor apaixonado pelo Povo. Seria um legado desastroso para vocês. O que fariam com ele sob a opressão monárquica que está fadada a desabar sobre vocês? Deixo-lhes na condição de escravos e esse pensamento torturará meus instantes finais”.
Babeuf, após condenado à morte, tentou como um ato político, o suicídio com um pequeno punhal fornecido por seu filho. Era o dia 25 de maio de 1797.
Mas quis a sorte que a tentativa de Babeuf de escapar ao carrasco, esfaqueando-se no peito, não lograsse êxito. No dia seguinte, em coma, foi arrastado para a guilhotina. De seus seguidores, trinta tiveram como destino a mesma lâmina e muitos outros foram deportados, dentre eles, Ângelo Buonarotti, sobrinho-neto de Michelangelo.
A proibição por 85 anos.
A publicação de sua defesa foi proibida pelos sucessivos governos franceses durante mais oitenta anos, tendo sido liberada integralmente somente na última década do século XIX. Por muito tempo a imagem de Babeuf foi usada pelas famílias burguesas da França para amedrontar crianças, um bicho-papão.
Em uma carta a um amigo, escrita na prisão, diz Babeuf:
“Creio que, em algum dia futuro, os homens voltarão a pensar em maneiras de proporcionar à espécie humana a felicidade que lhes propusemos”.
Conclusão.
Menos de trinta anos após a sua morte, a tradição do último dos jacobinos renasceria nos bairros proletários de Paris com a Liga dos Justos, um conjunto de ideias e atitudes políticas que, em breve, desaguariam nas barricadas de Paris e na Primeira Internacional Social-Democrata.
Uma resposta
Simplesmente um grito de HUMANIDADE. Um marco na luta pela JUSTIÇA e pelo SOCIALISMO!