Na antiguidade, a China era apenas um dentre em sete Estados, que guerreavam incessantemente entre si. O intuito de todos eles era tão somente um: vencer o inimigo e saqueá-lo.
No século III a. C., três séculos após a morte de Confúcio, um dos Estados destacou-se por suas habilidades guerreiras, vindo a unificar todo o território, dando à China as feições que a distinguiria dentre os maiores impérios da Terra.
No ano de 247 a.C., Ying Jien tornou-se rei do Estado de Tsin (China) , o mais ocidental dos sete Estados, com apenas treze anos de idade.
Logo, seus exércitos abandonaram a lendária guerra cavalheiresca e de saques, e a substituíram pela guerra voltada para a destruição completa do inimigo, notabilizando-se pela brutalidade contra os vencidos. Os soldados passaram a receber recompensas por cabeças que pudessem trazer consigo. Conta-se que numa batalha contra o estado de Tsao (Zhao), os guerreiros decapitaram mais de 100.000 soldados inimigos.
Em poucos anos, todos os demais Estados foram sendo subjugados e caíram a seus pés: o Han e Wei, a leste; o Chu, no sul; o Yan, no nordeste e finalmente, o Tsi a leste rendeu-se em 221 a.C..
Ying Jien, desta forma, unificou toda a China em um só país e proclamou-se Primeiro Imperador, chamando a si mesmo de Shi Huang-ti (Primeiro Augusto Imperador).
O império do terror.
Dentro de seu próprio estado, Ying Jien sofria diversas tentativas de golpe de estado, uma delas com a participação de sua própria mãe, à qual mandou degolar.
Em 227 a. C., ele instituiu um controle rigoroso e impiedoso que atingia a todos, independentemente do nível social, hierárquico e familiar.
E, desde então, Shi Huang-ti reinou sob a égide absoluta do terror.
Seu ministro-chefe, Li-Si, era adepto de uma doutrina chamada “legalismo”, segundo a qual o povo seria mais bem controlado por meio de leis rigorosas e punições severas. Esta doutrina caracterizou a burocracia chinesa e foi herdada por seus sucessores.
O estabelecido código de leis era aplicado de leste a oeste, de norte a sul, garantia também, a bem da verdade, a integridade do país.
Foram deslocadas, a partir de Chin, milhares de famílias, muitas nobres, a fim de desmontar os antigos feudos existentes nos antigos Estados agora dominados, instituindo-se uma nova aristocracia submissa e opressora.
Ações civilizatórias.
O Imperador determinou a uniformidade padronizando os caracteres utilizados na escrita chinesa, seus pesos e medidas. Da mesma forma padronizou as bitolas das carroças, de forma que os sulcos produzidos por estas nas estradas abertas garantiram maior segurança, estabilidade e agilidade nos deslocamentos.
A grande muralha.
Para conter os assaltos dos mongóis e da Manchúria, Shi Huang-ti designou o general Meng Tian para supervisionar a construção da Grande Muralha nos limites setentrionais de seu reinado em 221 a.C. Esta muralha, baseada em antigas fortificações, contou com a força de trabalho de cerca de um milhão de chineses. Foi construída a partir de grandes blocos de pedra enfileirados, depois ser revestidos por tijolos, tendo o interior compactado com terra. Grandes torres de doze metros foram erguidas de tanto em tanto, de tal forma a permitir que arqueiros cobrissem toda a sua extensão com flechas.
O grande canal.
Outra realização incrível de seu reinado foi a construção de um canal de 32 quilômetros que liga os dois rios do vale do Yan-Tse, que correm em sentidos opostos. Este canal empregou uma força de trabalho incalculável e possibilitou a navegação por cerca de 2.000 quilômetros, em uso até os dias de hoje.
O Exército de Terracota.
Por volta do ano 215 a.C., seus servos tinham concluído a tumba onde ele seria sepultado futuramente. Uma enorme câmara mortuária, recoberta por terra, em formato de pirâmide. No interior da mesma havia um mapa do mundo conhecido da época, feito em escala e com detalhes, onde os oceanos e mares eram preenchidos com mercúrio. Aliás, nessa época, o mercúrio era tido como fonte de longevidade.
Próximo à tumba mortuária do Primeiro Imperador chinês encontrou-se, em 1974, o Exército de Terracota: milhares de guerreiros esculpidos em barro dispostos em fileiras de combate com todas as características do exército chinês: arqueiros, carros puxados a cavalo e uma grande infantaria.
Cerca de 8.000 soldados foram desenterrados. Verdadeira obra de arte, cada soldado possui feições próprias, nenhuma imagem foi repetida. As escavações continuam até hoje.
A Colonização do Japão e o mercúrio da “longevidade”.
Após a construção de sua tumba, Shi Huang-ti, aos 45 anos de idade, estava obcecado pela ideia da imortalidade. Conta-se que ele enviou um de seus generais para localizar uma lendária ilha, onde se poderia adquirir o elixir da vida eterna. Este general, ao voltar, informou ter encontrado a tal ilha, mas que precisaria de cerca de 3.000 jovens para adquirir o elixir. Este general e os 3.000 jovens jamais retornaram com o elixir, mas conta a “lenda” que teriam colonizado o Japão.
Sem o elixir, Shi Huang-ti passou a tomar mercúrio como fonte de longevidade. O mercúrio envenenou-o e ele faleceu em 210 a.C., deixando feitos que marcaram definitivamente a China e seu desenvolvimento imperial.
A queima de livros e o “extermínio” da história antes de si próprio.
No ano 213 a.C., por ordem do Imperador Shi Huang-ti, o Primeiro, o Sublime, o Divino, foram queimados todos os livros existentes na China! Apesar de inovador, o Imperador era por demais inculto e soberbo para compreender a importância dos livros que continham argumentos sobre seu governo despótico.
Seu primeiro ministro Li-Si, embora criado entre os livros, conseguiu levá-lo a essa desmedida de tentar fazer com que toda a história da China principiasse a partir de si, de seu reinado.
Além dos livros, simples conversas sobre o clássico cancioneiro e o manual de história chinesa eram punidas com pena de morte. Mas o Imperador queria também exterminar a tradição oral, juntamente com a palavra escrita!
Excluída do confisco permanecia apenas uma pequena minoria de livros práticos sobre medicina, farmacologia, adivinhação e agricultura.
O ódio pelas obras de Confúcio.
No século VI a. C., o filósofo da corte do Estado feudal de Liu (atual Shantung), K’ung Fu-tsu , no ocidente conhecido como Confúcio, exortara os mandatários chineses a “governarem pela virtude interior” para ganhar o respeito de seus súditos e dar um exemplo que as pessoas pudessem seguir.
O sábio não aprovava a tirania e, acreditava que o Estado existe para benefício do povo, e não o contrário. Mestre e escritor, Confúcio compilou poemas, estórias e lendas e as reuniu numa série de livros, sendo que apenas quatro clássicos da literatura chinesa como o “Livro dos Poemas”, o “Livro da História”, o “Livro das Etiquetas” e o “Livro das Mutações”, sobreviveram à sanha destruidora, particularmente odiados por Li-Si.
Por toda a China expandiu-se o cheiro tóxico de queimado.
Pouco adiantava que apenas mais três anos de vida tocassem ao Imperador. Ele morreu sim, prematuramente, graças ao mercúrio, mas os livros defuntos não tiraram proveito disso.
O fim do primeiro ministro.
“Assim que morreu o imperador, seu sucessor percebendo o caráter pérfido do primeiro ministro alijou-o do cargo que mantivera por trinta anos. O homem foi condenado a receber mil bastonadas. Por meio de torturas conseguiram que confessasse os crimes cometidos. Além do assassínio de centenas de milhares de livros originais e suas cópias, pesavam em sua consciência dezenas de atrocidades. Na praça pública de Hien- Yang, Li- Si foi serrado em duas partes, lentamente, ao longo do corpo. Toda a sua prole foi exterminada, desde os filhos até um bisneto de apenas sete dias, tanto mulheres como varões, obtiveram o privilégio de serem apenas decapitados”*.
Afinal, numa China, um país patriarcal do culto dos ancestrais, das lembranças pessoais, a estirpe não pôde preservar a recordação do chacinador Li-Si. Unicamente a História o fez, essa História que aquele patife tivera a intenção de destruir.
“Às vezes a lama do pântano dos analfabetos submerge os livros e seus eruditos autores. Nenhum país do mundo está garantido contra fenômenos desta natureza”*.
*Canetti, Elias. Auto-de-fé. Ed. Nova Fronteira.