Rodrigues Alves, grande cafeicultor de Guaratinguetá, a terceira fortuna do País, foi eleito Presidente da República com os votos de menos de 2% da população, em 1902. Elegeu-se com uma plataforma que visava antes de tudo atrair capital estrangeiro para o desenvolvimento do Brasil e facilitar a imigração europeia, mão de obra carente para os latifúndios do interior e para os serviços e nas cidades.
Ele sabia, como administrador experiente, que para atingir esses objetivos era fundamental a modernização do cais do porto, suas vias de acesso, a reconstrução e o saneamento do centro da Capital da República. Uma de suas primeiras atitudes foi nomear Pereira Passos, Prefeito Plenipotenciário da Cidade e o Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz para a Saúde Pública.
O engenheiro Passos por sua vez cercou-se de dois assessores: Francisco Bicalho e Paulo de Frontin, cabendo ao primeiro comandar a modernização da zona portuária, e ao segundo, a reurbanização da área central do Rio.
O porto foi reconstruído a partir da praça Mauá até o canal do Mangue, e o aterro ganhou do mar milhares de metros quadrados. Construíram-se novos armazéns e mais de cincoenta guindastes elétricos foram implantados. Para melhorar o acesso ao cais, as linhas ferroviárias da Leopoldina e da Central do Brasil foram ampliadas e rasgou-se uma nova avenida: a Rodrigues Alves.
Paulo de Frontin, por seu lado, não titubeou em demolir nada menos que 614 prédios, com isto destruiu centenas de cortiços em exíguos nove meses. Promoveu-se, neste curto período, um dos maiores êxodos urbanos jamais vistos na História. “Bota Abaixo”, com seu exército de demolidores, explodiu habitações e removeu milhares de toneladas entulho. Em outubro de 1904 a perplexa população carioca via o centro da cidade se assemelhar a um teatro de guerra destruído.
“O próximo Governo- diziam os jornais- devemos procurá-lo num hospício”! Dos famosos quiosques de rua, nenhum sobreviveria. Se os antigos feirantes eram expulsos do centro da cidade e as bastonadas da polícia impediam o seu retorno, o auge do preço internacional do café permitia o emprego de milhares de pessoas nos trabalhos braçais de demolição, limpeza e reestruturação.
Em relação à saúde pública, no governo anterior ao de Rodrigues Alves, fora criado o “Instituto Manguinhos”, com a função de produzir vacinas contra a peste bubônica. Para dirigi-lo, solicitou-se uma indicação ao Instituto Pasteur de Paris. Surpreendentemente, o cientista recomendado foi um jovem médico brasileiro de vinte e sete anos, pesquisador em Paris, Oswaldo Cruz, filho de São Luís do Paraitinga. Quando o Presidente Rodrigues Alves ofereceu-lhe o desafio de sanear o Rio de Janeiro, ele disse: “Dê-me liberdade de ação e eu exterminarei a febre amarela em três anos.”
Entretanto, Cruz, uma vez empossado, teve como primeiro objetivo o combate à peste. Criou um esquadrão de cincoenta homens vacinados que percorria todos os cantos espalhando raticidas e mandando o lixo ser removido. Fez mais: criou o cargo público de “Compradores de Ratos”. Estes funcionários compravam ratos vivos ou mortos pela população e com isto, em curto prazo, praticamente desapareceram os ratos, suas pulgas e a epidemia. O número de mortos por peste reduziu-se de trezentos anuais para dezoito, em cinco anos.
O povo da cidade e parte significativa da imprensa começou a atacá-lo quando, na etapa seguinte, impulsionado pelos bons resultados obtidos na cidade de São Paulo pelo epidemiologista Emílio Ribas, Oswaldo Cruz iniciou o combate à febre amarela. Ribas, a partir da descoberta do médico cubano, Carlos Finlay, tivera enorme êxito ao atacar o vetor responsável pela infecção: o mosquito!
Cruz formou as “brigadas de mata mosquitos”, despejando petróleo nos alagados e desinfetando casa por casa da cidade do Rio. Os resultados foram incríveis! De um patamar de 500 mortos pela febre em 1903, no ano seguinte somente 34 óbitos foram registrados. Em 1909, o Rio de Janeiro foi declarado cidade livre da febre amarela.
Empolgado pelos resultados de seu trabalho, o Dr. Cruz, em outubro de 1904, conseguiu que o Congresso aprovasse a vacinação obrigatória contra a varíola. Sem dar-se conta, ele acendera o pavio da revolta.
O descontentamento popular com o governo modernizador de Rodrigues Alves era enorme. A carestia (o Rio era de longe a cidade do Brasil onde os gêneros alimentícios eram os mais caros), a destruição das moradias populares, o alijamento da política dos militares positivistas, as elites dos cafeicultores de São Paulo cada vez mais ricas e poderosas, canalizou-se contra a vacinação coercitiva contra a varíola.
Em 10 de novembro, as ruas da Capital Federal encheram-se de barricadas, bondes foram incendiados, lojas depredadas e saqueadas. A Escola Militar da Praia Vermelha aliou-se ao povo sublevado e seus alunos saíram armados às ruas, enquanto o prédio era bombardeado e semi -destruído pela Marinha de Guerra.
A reação do Governo foi rápida e extremamente dura contra a revolução. Nos confrontos mais de duzentas pessoas morreram e centenas simplesmente desapareceram. As tropas leais percorriam os cortiços e favelas capturando não apenas aqueles amotinados, mas “metendo os ferros” a torto e à direita. Milhares de pobres, que já tinham sido expulsos dos cortiços do centro da cidade, foram enfiados em porões de navios e despachados para o Acre. Desta data, despareceram, como por encanto, as legiões de negros estropiados pela Guerra do Paraguai. A grande maioria dos “embarcados” jamais retornou.
Como vemos, ideia de “eugenia tupiniquim” antecedeu em mais de vinte anos a germânica.
Dias após “ a limpeza” iniciava a vacinação em massa contra a varíola. Casas eram invadidas e, muitas vezes, à ponta de baioneta, vacinava-se. Em meses a doença a desapareceria do Rio de Janeiro e “em 1906, o carioca já podia orgulhar-se de viver na cidade mais linda do mundo”, praticamente livre da peste amarela, do cólera, da peste e da varíola.
Enquanto Oswaldo Cruz atacava os males ditos tropicais, Pereira Passos fazia erguer dos escombros uma nova cidade. Os estrangeiros já podiam desembarcar sem medo no novo porto e logo percorreriam a Avenida do Mangue e a Beira-Mar.
Os hábitos elegantes da elite carioca seriam canalizados para a Avenida Central recém-criada, com seus quase dois quilômetros de extensão e trinta e três metros de largura. Para seus belos edifícios, todos erigidos à moda dos bulevares franceses, deslocou-se todo o comércio de primeira linha; os bares e cafés da moda colocavam suas mesas ao ar livre onde rapazes elegantes, nossos “flaneurs” bebericavam e conversavam, apreciando as belas jovens a desfilar chapéus e vestidos europeus.
O calçamento com macadâmia do leito carroçável da Avenida se tornaria o depositário da mais moderna tecnologia: o automóvel! Em 1908 já proliferavam as garagens. “A Metrópole brasileira queria assemelha-se a um pedaço da Europa”, dizia a Tribuna. Claro, desde que o olhar não se levantasse para os morros onde as favelas se alastravam.
Foi neste ano que se realizou a Primeira Exposição Nacional, baseada na de Paris de uma década anterior. Local escolhido: Praia Vermelha, Urca, sobre os escombros da revoltosa Escola Militar. Data: Dia 11 de setembro, o mesmo dia da Abertura dos Portos do Brasil colonial.
Neste dia o jornalista João do Rio escreveu:
“A Exposição vai abrir-se. É a grande mostra do Brasil. Cada Estado expõe suas riquezas e seus produtos industriais. .. O estrangeiro admirará, aproveitará… o brasileiro descobrirá. E estou a ver o pasmo do carioca diante do ouro, das pedras, das madeiras, dos tecidos e dos aproveitamentos da natureza assombrosa. Isto é do Paraná?… Isto do Amazonas? … ora, onde fica o Mato Grosso? Quando o brasileiro descobrirá o Brasil?”