Monteiro Lobato, o crítico social e admirador de Luís Carlos Prestes.

Dois dias após conceder à rádio Record a última entrevista de sua vida, na qual defendeu a campanha “O Petróleo é Nosso”, Monteiro Lobato faleceu aos 66 anos de idade. O seu corpo foi velado na antiga Biblioteca Municipal de São Paulo e em seu cortejo fúnebre havia mais de dez mil pessoas. O Repórter Esso do dia 4 de julho de 1948, na voz de Heron Domingues, assim anunciou sua morte, … “e agora uma notícia que entristece a todos: acaba de falecer o grande escritor e patriota Monteiro Lobato! ”

Monteiro Lobato, nascido em abril de 1882, paulista de Taubaté, ao seu modo representou o ímpeto pioneiro, renovador, criador de tantas iniciativas fecundas e ousadas aventuras que formataram o Brasil moderno.

Advogado, sem vocação, foi promotor público na cidade de Areias. Depois, teve sua experiência como fazendeiro, quando suas ousadias inovadoras agropecuárias se demonstraram desastrosas, mas “enquanto o fazendeiro se enterra, o escritor se levanta”, diz seu biógrafo Edgard Cavalheiro, porque os melhores “frutos da fazenda” foram “Jeca Tatu” (1919) e “Urupês” (1918).

No pequeno volume de Jeca Tatu havia algo de novo, “um instrumento claro de luta contra o atraso cultural de nosso país, contra a miséria e o conservantismo corrupto e corruptor”; Urupês, por sua vez, “era um brado de revolta que não se ouvia desde os Sertões de Euclides da Cunha”, no entender de Astrojildo Pereira.

Os dois livros, que coincidiram com a greve geral de 1917, e com a onda de reivindicações operárias que se alastrou por todo o país até os anos 20, expressavam literariamente novos anseios populares.

O êxito de seus primeiros livros impulsionou o homem empreendedor a investir com todas as suas forças no mercado editorial. Em uma época em que os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, Monteiro Lobato tornou-se editor, passando a produzir livros no Brasil. Dentro de pouco tempo as edições da Monteiro Lobato e Cia. dominaram o mercado livreiro brasileiro.

O voo, entretanto, fora alto demais. As grandes oficinas gráficas não suportaram a dificuldade de financiamento e a crise energética. Lobato, pouco tempo depois, enfrentou dignamente a falência de sua Editora, em cujos alicerces seriam plantados os da Companhia Editora Nacional.

Empobrecido, deixa São Paulo e muda-se para o Rio de Janeiro, onde segue sua carreira de escritor.

Em 1927 realiza um velho sonho: é nomeado adido comercial nos Estados Unidos. Os quatro anos que passará na América do Norte constituirão uma descoberta e um deslumbramento para o caipira de Taubaté: vê o gigantesco progresso americano e o compara com a nossa lentidão colonial. Ao voltar, trará planos grandiosos de salvação econômica para o Brasil. O primeiro deles é a Campanha do Ferro: é preciso “ferrar o Brasil”. A próxima, ainda mais ampla, será a Campanha do Petróleo.

Oficialmente, o Brasil não tinha petróleo!

Nos anos 30 havia interesse oficial em se dizer que no Brasil não havia petróleo. Monteiro Lobato aliava a literatura e a prédica a atitudes concretas. Fundou, então, a Companhia Petróleos do Brasil, e graças à grande facilidade com que foram subscritas suas ações, inaugurou várias empresas para fazer perfuração, sendo a maior de todas a Companhia Mato-grossense de Petróleo (em 1938), que visava realizar perfurações próximo à fronteira com a Bolívia, país que já encontrara seu ouro negro.

Em dois livros, Ferro (1931) e O Escândalo do Petróleo (1936), o escritor documenta os lances dramáticos da duríssima batalha que teve que travar contra a “carneirada” e contra os “ moinhos de vento”, movido unicamente pelo afã de prover o Brasil de uma indústria petrolífera independente. O último livro esgotou várias edições em menos de um mês. Aturdido, o governo de Getúlio Vargas, o qual era acusado de “não perfurar e não deixar que se perfure” proibiu-o e mandou recolher todos os exemplares disponíveis. A empolgação de Lobato fez com que ele percorresse todo o país em busca de apoios; a guerra que lhe movem os governantes, burocratas e sabotadores internos, terminou por deixá-lo pobre, doente e desgostoso e, até mesmo, por levá-lo ao Presídio Tiradentes, que como preso político, foi confinado por seis meses.

O certo é que, com admirável sentido de luta, Monteiro Lobato conseguiu sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os caminhos de sua emancipação econômica, lutas que se aprofundariam logo após a sua morte e que redundaram na fundação de Companhia Siderúrgica Nacional e da Petrobrás.

O artista.

Voltemos a Monteiro Lobato que como escritor foi o nosso astro maior em histórias infantis. Além de Narizinho Arrebitado que teve uma edição inicial de cinquenta mil exemplares em 1921, outras tão importantes ou mais foram: Reinações de Narizinho (1931), Caçadas de Pedrinho (1933) e O Picapau Amarelo (1939). Os Trabalhos de Hércules concluem uma saga de trinta e nove histórias e quase um milhão de exemplares em circulação. Lobato criou personagens inesquecíveis, que passaram a ocupar um espaço importante junto ao folclore brasileiro, como: Emília, a boneca de pano com sentimento e ideias independentes; Pedrinho, personagem com que o autor se identifica quando criança; Visconde de Sabugosa, a espiga de milho com consciência e atitudes de adulto; Cuca, a vilã. O folclore do Saci Pererê encontrou sua maior divulgação literária no autor de Reinações de Narizinho.

Lobato foi traduzido para diversas línguas como francês, italiano, inglês, alemão, espanhol, japonês, árabe e iídiche.

Digno de nota é que Lobato ainda sofreu crítica, censura e perseguição por parte da Igreja Católica. O influente padre Sales Brasil denunciará o livro História do Mundo Para Criança como “comunismo para crianças”.

Lobato também provocou outros tipos de polêmicas. Quando publicou Paranóia ou Mistificação, a famosa crítica desfavorável à exposição de pintura de Anita Malfatti (na Semana de Arte Moderna de 1922), muitos modernistas passaram a vê-lo como reacionário, com a notável exceção de Mário de Andrade. Na realidade, a crítica de Lobato era direcionada aos “ismos europeus”: cubismo, futurismo, dadaísmo, surrealismo, que ele denominava de “colonialismos”, “europeizações”, da mesma raiz do “academicismo da geração anterior”. Lobato era a favor de uma arte autenticamente brasileira, autóctone.

Um simpatizante do comunismo.

A obra literária de Lobato da década de 20 continha ainda preconceitos raciais e eugênicos. Ele acreditava que a miscigenação era um fator prejudicial na formação do povo brasileiro. Seu livro, O Presidente Negro (1926), descreve um conflito racial no futuro, após a eleição de um negro para a presidência dos EUA. Posteriormente, com sua aproximação ao comunismo, essa faceta “eugênica” se desfaria.

Monteiro Lobato sempre se declarou, corajosamente, simpatizante da Revolução Soviética; diz o seu biógrafo que “ele ansiava por um socialismo difuso, meio anárquico, meio romântico”. “Não possuía, entretanto, nenhum gosto pela especulação doutrinária e por isso, jamais foi homem de partido, militante político”. Seu contato maior com os comunistas ocorreria a partir de 1941, após o período de confinamento no Presídio Tiradentes.

Empolgou-se, então, com a luta da União Soviética na Segunda Guerra Mundial e suas conquistas e vitórias nos campos das ciências, da educação. Literalmente disse que “ em todos os setores da vida humana, é o maior dos milagres modernos e essas vitórias não podem mais ser escondidas dos olhos de todos os países”.

Jamais escondeu sua admiração e estima por Luiz Carlos Prestes e o fazia de modo aberto, a quem lhe perguntasse. Em 1945, no famoso comício do Pacaembu enviou a Prestes uma das mais lindas e humanas saudações.

Quando, em 1947, levanta-se uma nova onda de calúnias direitistas e perseguições políticas, de sua pena nascerá a história de Zé Brasil, panfleto que percorreu o país de norte a sul, acusando o Presidente Dutra de implantar no Brasil uma nova ditadura: o “Estado Novíssimo”.

Sua visão sobre a problemática social ele a resumiria, já sexagenário, da seguinte maneira:

“A nossa ordem social é um enorme canteiro em que as classes privilegiadas são as flores e a imensa massa da maioria é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo. Nasci na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi da miséria silenciosa nos campos e nas cidades me força a repudiar uma ordem social que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra qualquer mudança. ”

Nada conspurcou nem a vida, nem a obra literária ou cívica de Monteiro Lobato.

Às portas da morte, escreve uma carta a Prestes que conclui: “Estou perto do fim e não quero ir-me sem falar de coração aberto com um dos homens mais decentes com quem me encontrei na vida e o mais corajoso de todos”.

Monteiro Lobato, um dos homens mais decentes e corajosos que já viveram neste país, um intelectual “à moda antiga”, quiçá à maneira de Goethe que dizia: “se o talento é formado na imobilidade, o caráter o é na torrente do mundo”.

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