O “Noticiário do Exército”, veículo oficial do Exército, em fevereiro de 1988, publicou um editorial de capa intitulado “A verdade: um símbolo da honra militar”.
O material que circulou dentre toda oficialidade da arma e foi mesmo lido em algumas ordens do dia, e dizia que dois capitães, sendo um deles Bolsonaro “faltaram com a verdade e macularam a dignidade militar”.
Os “Conselhos de Justificação Militares” haviam investigado os dois militares, depois que a revista Veja divulgara, em outubro de 1987, reportagem sobre um suposto plano de Bolsonaro para, em atos terrorista, explodir bombas em unidades militares. De acordo com a revista, a ideia de Bolsonaro era protestar contra os baixos salários dos militares e, assim, “prejudicar o comando do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves”.
Em decorrência, o “Noticiário do Exército” afirmou:
“O fato e tais circunstâncias tornaram os oficiais passíveis de serem considerados impedidos de continuar a pertencer aos quadros de nosso Exército, se assim forem julgados pelo STM. O Exército tem, tradicionalmente, utilizado todos os meios legais para extirpar de suas fileiras aqueles que, deliberada e comprovadamente, desmerecem a honra militar. A verdade é um símbolo da honra militar”.
“Tornaram-se assim, estranhos ao meio em que vivem e sujeitos tanto à rejeição de seus pares como a serem considerados indignos para a carreira das armas. Na guerra, já plena de adversidades, não se pode admitir a desonra e a deslealdade que não do lado inimigo, jamais do lado amigo. ”
É muito conhecida a frase do ex-ditador general Ernesto Geisel, que chamou Bolsonaro de “um mau militar”. O documento de 1988, no entanto, é mais representativo do pensamento da cúpula do Exército da época por tratar de um Bolsonaro ainda na ativa no Exército, enquanto a fala de Geisel é posterior, de 1993, quando Bolsonaro já havia sido vereador do Rio (1989-1991) e estava no primeiro mandato como deputado federal.
O professor Carlos Fico, pesquisador da UFRJ, especializado na temática da ditadura militar e autor de “Como eles agiam”, disse que na época da publicação do editorial o ministro Leônidas estava muito irritado com Bolsonaro porque, a princípio, o capitão havia negado qualquer envolvimento com os fatos descritos por Veja. O ministro chegou a dar uma entrevista criticando a revista e dizendo que “conheço a minha gente”.
A investigação posterior do Exército, contudo, desmentiu a manifestação de inocência de Bolsonaro, segundo concluiu Leônidas. Em 26 de fevereiro de 1988, um dia depois do editorial no “Noticiário”, Leônidas reconheceu, numa entrevista à imprensa no Rio que foi reproduzida pelos jornais no dia seguinte, que “a Veja estava certa e o ministro estava errado”.
“O editorial provavelmente expressa essa irritação de Leônidas, até pelas expressões fortes contra Bolsonaro (‘desmerece a honra militar’, ‘faltou com a verdade e maculou a dignidade militar’). O capitão passou a ser visto como um mau militar, afirmou Fico. “O destaque em editorial na primeira página certamente decorreu da necessidade de enfatizar a condenação de Bolsonaro pelo ministro. O boletim circulava amplamente, não só no Exército, mas nas outras forças também. ”
E quem imaginaria que, decorridos 30 anos, os militares iriam se empenhar de corpo e alma na eleição de um “militar indigno” para a Presidência da República?
O cientista político Eduardo Heleno de Jesus Santos, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), disse que o editorial foi “uma manifestação oficial sobre os valores que seus líderes estimavam para a instituição”.
Santos disse que o “Noticiário” é considerado a voz oficial do Exército e que não conhece “nenhum outro editorial que tenha sido feito com esse teor”.
E que mais de 6.600 militares, tanto da ativa quanto da reserva, sob a batuta de um conhecido mentiroso, desleal, com arroubos terroristas, se regalariam com todas as benesses de cargos comissionados, a maioria dos quais pessimamente capacitados, vide o caso emblemático do general Pazzuelo?
E que em 2022, frente e evidente tentativa de golpe de Estado, seguiriam apoiando o antigo capitão desonrado?
Em 2011, ao site “Terra Magazine” o coronel e ex-ministro da ditadura Jarbas Passarinho disse que Bolsonaro “é um radical e eu não suporto radicais, inclusive os radicais da direita. Eu não suportava os radicais da esquerda e não suporto os da direita”.
“[Bolsonaro] foi mau militar, só se salvou de não perder o posto de capitão porque foi salvo por um general que era amigo dele no Superior Tribunal Militar (STM). O ministro do Exército, que era o Leônidas, rompeu com esse general por causa disso”.
Mudou Bolsonaro ou mudou a alta oficialidade do Exército? A prática política de Bolsonaro na Presidência da República e seu suporte militar tornam óbvia a resposta.
3 respostas
Quero registrar meus aplausos ao seu corajoso e bem fundamentado artigo sobre o”Mentiroso e maculador da dignidade militar.”A esse respeito estou enviando parte de um artigo publicado no Jornal Ultima Hora -19/07/85,onde meu tio General Cristovão Massa procura a ossada de seu filho desaparecido -Paulo Cezar Massa -e vai encontrar-se com o coronel Homem de Carvalho que dará uma coletiva á imprensa sobre desaparecidos. O Coronel nega qualquer ligação com o caso.O General Massa se deu por satisfeito:”Um oficial tem por lema a sua honra e Homem de Carvalho,em nome de sua honra me assegurou nada ter a ver com este desaparecimento.”
Sobre seu excelente livro Dostoievski ,onde você traça um panorama da literatura russa ,a partir da irradiação de suas reflexões sobre a alma humana em sua controvertida duplicidade no existir. Obrigado ,me envolveu muito.abraços.
Corajoso o seu artigo na situação em que nos encontramos e pelo momento de incertezas que vivemos .Parabéns ao pesquisador porque o tempo passa mas a História tem vida própria seja ela escrita ou oral .Vivi essa época descrita e penso que há ” inresses” que mudam a maneira de pensar e como a Instituição é feita por pessoas mais interessadas do que “interessantes” certamente seu artigo reflete a verdade da ocasião.