Ensaio sobre genocidas, assassinos e torturadores.

O genocídio, a tortura, o assassinato em massa, são temas do presente, do passado e do futuro da humanidade.

No entanto, se a ação genocida é muito antiga, a palavra que a designa é recente, tendo sido cunhada em 1930 pelo jurista Raphael Lemkin, judeu polonês, que requereu à Liga das Nações que proclamasse uma lei contra o assassinato em massa de grupos raciais ou nacionais minoritários.

André Malreaux, em “A Condição Humana”, escrito em 1933, disse que a morte transforma certas vítimas em destino e que a lembrança do sofrimento se transforma em uma salvaguarda contra o sofrimento.

Enquanto isso, Elie Wiesel sentenciou ter sido “Auschwitz o ponto zero da História, o começo e o fim de tudo o que existe. É a referência final, e em relação a ele, tudo será julgado”.

“Por termos visto o triunfo das trevas, temos que falar sobre o sofrimento e a resistência de suas vítimas. Por que vimos o mal em ação, temos que denunciá-lo. Temos de combatê-lo sem dar um minuto de trégua e salvar o mundo do contágio! ”

Auschwitz, Hiroshima, My Lai (Vietnam) e Palestina nos dias de hoje nos ensinaram que assassinato, desenvolvimento tecnológico, sociedade de massas não se excluem mutuamente.

A agressão, em si mesma, é energia humana, energia vital e pode ser direcionada para a destruição. Para o Dr. Charny, dois tipos de energias condicionam a vida humana: uma criativa e a outra destrutiva. A primeira busca mover-se, entrar em comunhão com outros seres. Já a destrutiva quer a morte. São os mesmos Eros e Tânatus freudianos.

Eric Fromm diferencia a agressão entre benigna e patológica. A primeira seria acidental, brincalhona, auto assertiva e defensiva. A segunda incluiria energias para conquista de poder, vingança e sadismo.

Dentro da Alemanha nazista, pelo menos 275 mil homens, mulheres e crianças foram declarados “inferiores “e executados em hospitais psiquiátricos. Até enurese noturna foi causa de execução infantil, ordenada por médicos psiquiatras para crianças arianas.

Abraham Maslow, ainda sobre a agressividade humana, nos diz que ela, assim como a hostilidade, a discórdia, o conflito, a crueldade e o sadismo, são experiências comuns e talvez universais no sofá do psicanalista, isto é, na fantasia do sonho, no sonho.

“Suponho que a qualidade da agressão mude acentuadamente quando progredimos da imaturidade psicológica ou da neurose para a auto individualização ou para a maturidade; que o comportamento sadístico, cruel ou mesquinho seja um aspecto da agressão encontrada no indivíduo subdesenvolvido, neurótico ou imaturo. Mas se ele evolui para a maturidade pessoal e para a liberdade, a qualidade dessa agressão transforma-se em indignação reativa ou justa, em autoafirmação, resistência à dominação e à exploração, em paixão pela justiça, etc.”.

Ronald Laing realizou um estudo em que concluiu que apenas “nos últimos 50 anos nós, seres humanos, massacramos mais de 100 milhões de membros de nossa própria espécie (o período analisado foi de 1920 a 1970). ”

O século XX superou a marca de 120 milhões de assassinatos em massa.

O Dr. David Kelley pesquisou o comportamento de diversos líderes nazistas e concluiu que eles não eram tipos sem iguais, ou diferenciados. Que eles tiveram três notáveis características em comum e a oportunidade de tomar o poder:

Ambição arrogante, baixos padrões éticos e um nacionalismo fortemente desenvolvido, que justificava tudo que fosse feito pela pátria alemã”.

Na verdade, os genocidas, assim como torturadores e assassinos em “nome da pátria, de um deus e da raça” desenvolvem padrões de comportamento semelhantes: eles racionalizam e atenuam seus atos, de modo que, com grande sinceridade, acreditam estarem agindo em uma espécie de autodefesa deste ou daquele tipo. Chegam a um ponto em que eles já não mais reconhecem o motivo pelo qual realizam a destruição que praticam.

Por um acaso isto não reflete os pronunciamentos de Netanyahu e seus chefes quando se referem ao massacre que praticam na Faixa de Gaza?

A estrutura psíquica básica dos fascistas. De todas as etnias, inclusive a judaica.

Em muitos aspectos, o homem tende a ser um ser egoísta e atormentado, carente de identidade, com dificuldade de experimentar qualquer ligação com a tragédia do outro. Entretanto, o futuro assassino e genocida dá muitos passos além. Ele, mesmo em seus melhores dias, é levado a relegar os outros, os diferentes de si próprio, a um status inferior. Daí a atormentá-los, explorá-los e destruí-los é quase uma decorrência.

Pois o denominador comum da perseguição racial, da caça às bruxas, da experimentação médica com seres humanos é a desvalorização da vida humana. Logo que o ser humano é classificado e rotulado como inferior, ele se torna boa presa para os fascistas em geral, pois desumanizar outras pessoas redefine-as efetivamente como não pertencentes à espécie humana.

A desumanização torna o outro como imerecedor da proteção devida a membros de nossa própria espécie.

Quando o Ministro da Guerra de Israel denomina os palestinos “animais” ele autoriza em seu nome qualquer tipo de barbárie, assassinatos e destruição!

Por outro lado, o Dr. Charny, analisando psiquiatricamente genocidas, concluiu que “ eles não foram considerados anormais em termos dos conceitos clínicos correntes. Apenas se redefinirmos o objetivo do diagnóstico psiquiátrico para focalizar não em que medida a pessoa é sã de espírito, realista ou competente, mas em que grau ela é humana, a questão adquire mais sentido”.

“No genocida há uma despersonalização, isto é, uma incapacidade de sentir a grandiosidade do processo de vida em si mesmo ou em outro ser humano. Ele considera as pessoas como objetos inexpressivos, destinados a receber ordens e a serem postos em seus lugares. A submissão aos ditames do grupo, ao fuehrer ou ao “deus do eletrochoque” é o valor final para o genocida”.

Ainda o mesmo Dr. Charny concede que “claro que existem genocidas impelidos por emoções, outros por ambição desmedida, loucos pelo poder. Alguns até mereceriam o rótulo de paranoicos ou psicopatas. E estes sempre desempenharam um papel decisivo no núcleo do poder nazista. Mas sem o apoio de líderes “normais e respeitáveis” da sociedade, sem uma grande adesão do povo e sem certas tendências culturais, dificilmente a catástrofe nazista teria assumido sua magnitude”.

O poder e a lei.

O poder e a lei figuram sempre ao lado do opressor e ambos têm origem na autoridade que sanciona a desvalorização da vida humana.

Abraham Shapiro pesquisou os editais de concorrência pública que os nazistas abriram para construção das câmaras de gás. Listamos algumas respostas de megaempresas fornecedoras do Estado Nazista, algumas até hoje existentes:

1. Tpos e Filhos, Erfurt, fabricantes de equipamentos de aquecimento. “Acusamos o recebimento de sua encomenda de cinco fornos triplos, incluindo dois elevadores elétricos para retirar os cadáveres e um elevador de emergência…”

2. Vidier Works, Berlim: “Para introduzir os corpos nos fornos, sugerimos simplesmente um garfo de metal movendo-se sobre cilindros…”

3. C.H. Kori: “Garantimos a eficácia dos fornos de cremação, bem como sua durabilidade, o emprego dos melhores materiais e nossa perícia impecável”.

Arendt e “O Caso Eichmann”.

O “Caso Eichmann” foi profundamente analisado por psicanalistas e filósofos. As conclusões a que Arendt chegou podem ser esquematizadas da seguinte forma:

1. Eichmann carecia inteiramente do senso de ser;

2. A sexualidade deixava-o embaraçado;

3. Ficava perturbado com temas emocionais de agressão;

4. O que lhe importava era reduzir toda a vida à ordem, ao não movimento, à não emoção, de modo que a vida ao seu redor pudesse ser controlada.

Conclusão psiquiátrica: perfeito estado de sanidade mental!

Ele era um funcionário calmo, “bem equilibrado”, imperturbável, desincumbindo perfeitamente seu trabalho burocrático, ou seja, a supervisão administrativa dos assassinatos em massa. Eichmann sentia profundo respeito pelo sistema, pela lei e pela ordem, fiel servidor de um grande Estado. Não possuía remorsos pelos milhares de assassinatos dos quais foi o líder, por ser “mentalmente são “e bem adaptado.

Seus chefes poderiam ser até mesmo psicóticos, não ele. Afinal, quem confiaria um serviço de inteligência e supervisão administrativa a um psicótico?

Os psicóticos são suspeitos; já os mentalmente sãos são pessoas bem adequadas, cumpridoras das regras, lógicos, que estarão obedecendo a ordens que consideram sensatas, que lhes chegaram através da cadeia de comando. E devido a sua sanidade mental, eles não terão remorsos depois das ordens cumpridas, tal qual Eichman.

De tal forma que o foco real na vida de um destruidor talvez não seja a destruição como tal, mas a imposição da ordem e a uniformidade em tudo. A coisificação do outro, que o transforma em escravo, facilita a agressão e a exploração cada vez maior da vítima.

Para encerrarmos esse nosso ensaio sobre o genocídio, permitimo-nos citar Ronald Laing: “Temos que defender a realidade contra o vazio, a burla e o mal da Irrealidade. É por isso que estamos lutando. Para defender o real contra o irreal. A verdade contra a falsidade. A vida plena contra a vida vazia, o bem contra o mal. O que é contra e o que não é. Eles são muito reais, de modo que vamos ter que recomeçar” …

“Mas então do que é que estamos nos defendendo? De nada? Oh, não, do perigo, da ameaça do inimigo. Eles são reais. Eles são perigosos, eles existem, enquanto existem, corremos perigo. Portanto, temos de destruí-los e eles têm que destruir-nos para impedir que os destruamos, e temos que destruí-los antes que eles nos destruam…esse é o ponto em que estamos nesse momento. Não precisamos nos preocupar com o fato de que a taxa de mortes entre Eles e Nós fique alta demais”.

Dos lugares de onde brotam Netanyahu há e haverá sempre mais. De dentro de nós mesmos!

Referências:

  1. Malreaux, A.. A Condição humana.
  2. Wiesel, E. The holocaust.
  3. Charny, I. Anatomia do genocídio.
  4. Charny, I. Genocide, the human câncer.
  5. Arendt, H. Eichmann em Jerusalem.

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