Em tempos de estupidez, obscurantismo e autoritarismo, combatamos e “iluminemos” nosso caminhar!

Nos dias de hoje, com maior intensidade nestes que precedem à eleição para presidente da república, as mentiras, as deturpações da história, o surgimento de crendices manipuladoras e obscurantistas são agressivas, autoritárias e sua divulgação tão absurda e abjeta!

E ao lado do obscurantismo caminha a burrice crente, que deseja se elevar ao nível do intelecto com frases feitas e acabadas, compostas por “verdades inquestionáveis” extraídas sempre das redes sociais. A infantilização de nossa população caminha a passos largos!

Não por acaso a razão tem sido substituída por uma intuição tipo emocional. E por isto, a futilidade, a incultura, a ausência de racionalidade e a boçalidade se arvoraram em mães da intolerância e da desconstrução dos valores civilizacionais, que a humanidade demorou séculos para consolidar!

Por tudo isso é tempo de relembrarmos um dos movimentos que alterou a história de toda a civilização ocidental e com o qual poderemos voltar a nos “iluminar” e combater o avanço das trevas autoritárias! E nos armarmos para combater a infantilidade agressiva de milhões de seres humanos.

O Iluminismo e o Século das Luzes.

O Iluminismo, que surgiu na França em fins do século XVII, atingiu seu auge no século seguinte, naquele que foi denominado de “O Século das Luzes”.

E são exatamente Luzes que faltam na sociedade líquida e distópica dos dias que vivemos!

Os pensadores daquele então tinham o propósito de iluminar “as trevas” na qual se encontrava a sociedade europeia do século XVII. Tal qual nos dias de hoje, o domínio da razão obtusa, da mentira e da religiosidade dogmática e intolerante dominara os homens.

Os iluministas acreditavam que o pensamento racional deveria substituir as crenças, as mentiras e o misticismo, que bloqueavam a evolução do homem.

O homem, sim, deveria ser o centro do universo! Afinal, “cogito ergo sum”, dizia Descartes.

Que a busca de respostas para questões que, até então, eram justificadas somente pela fé religiosa cega, manipulada e manipuladora, deveria ser guiada pela razão.

E o Iluminismo foi uma das principais fontes da Revolução Francesa, assim como dos movimentos sociais em outros países e continentes, como a independência das colônias inglesas na América do Norte e a própria Inconfidência Mineira no Brasil.

“A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, redigida na França no ano de 1789, foi um dos mais importantes documentos humanistas e democráticos, elaborado pela absoluta inspiração dos ideais do Iluminismo, inspiradora até hoje de toda política voltada sos direitos humanos.

Bandeiras do Iluminismo: o liberalismo, a liberdade de pensamento, igualdade de oportunidades, independência dos poderes.

John Locke, o filósofo inglês conhecido como o “pai do liberalismo”; o genebrino Jean-Jacques Rousseau, com o seu ideal de um estado democrático que garantisse igualdade para todos; Montesquieu, defensor do poder político tripartite e independente (legislativo, executivo e judiciário); Diderot e d’Alembert, “Os enciclopedistas”; o racionalismo de Descartes. E, afinal, Voltaire, o mais influente de todos eles, o grande defensor da liberdade de pensamento.

François-Marie Arouet, Voltaire, pendão do século XVIII.

Relembremos um pouco Voltaire. Ele inicia colocando o comércio numa posição mais elevada até mesmo que a própria religiosidade dogmática! Chega a ridicularizar a intransigência religiosa tanto do catolicismo quanto do protestantismo de seu tempo.

“Entrai na bolsa de valores de Londres, lugar mais respeitável que muitas cortes. Ali se vêm reunidos deputados de todos os países para a utilidade dos homens. Lá o judeu, o cristão e o maometano tratam uns aos outros como se fossem da mesma religião; somente dão o nome de infiéis aos que vão à bancarrota. ”

“Afinal, entre os especuladores, não há distinção de raças e credos! ” E prossegue: “A vida comercial internacional livre, ditada pelo egoísmo internacional, é útil para a sociedade humana, dado que reúne os homens para uma atividade comum e pacífica; as religiões por sua vez são absurdas, e o absurdo fica comprovado… tanto quando cada uma delas afirma ser a verdadeira, quanto pela falta de sentido de seus dogmas e cerimônias… As coisas só ficam feias quando elas se perseguem e combatem entre si. ”

O Iluminismo e a Técnica do Holofote: a verdade que exige toda a verdade!

Voltaire utiliza pela primeira vez uma técnica genial, denominada de a TÉCNICA DO HOLOFOTE, praticada desde o Iluminismo até os dias de hoje. E não apenas na literatura!

A técnica consiste em iluminar intensivamente uma pequena parte de um grande e complexo contexto, deixando na escuridão todo o restante. De tal forma a se desmascarar aqueles que utilizam apenas dados parciais, que não podem ser negados, não obstante todo o conjunto da mensagem seja falsificado. “A verdade exige toda a verdade, assim como a correta ligação entre as partes”!

Isto tudo para comprovar as origens dos diferentes tipos de obscurantismos e de manipulação das mentiras, quando se tornam “verdades”.

Hoje sabemos que o público sempre volta a cair nestes truques, sobretudo em tempos de inquietação social. Mesmo que o truque e a manipulação sejam fáceis de serem descobertos, falta à massa, ao vulgo, o desejo sério de fazê-lo ou aceitá-lo. E este constitui um dos truques utilizados a posteriori por todos os candidatos a manipuladores no mundo!

 “Viva à tolerância”! Exclama Voltaire.

O pontificado da liberdade é o livre pensar!

Em Voltaire a velocidade, a ligeireza do expressar-se está a serviço da simplificação. O problema é sempre reduzido a uma antítese e a narrativa é divertida e rápida, onde se coloca sempre o preto no branco.

Temos de sua autoria um quadrinho rococó em que um cavaleiro vê a jovem Morton caminhando graciosa pela estrada, levando uma cesta no colo e indo ao mercado vender seus produtos. “Sir Robert movido pela cobiça desce num salto e a aborda com franqueza: Tenho vinte escudos em minha valise, é tudo o que tenho; tomai também o meu coração, tudo vos pertence…”

“É para mim uma honra, diz a jovem Marton.” Voltaire expressa num curtíssimo tempo os motivos essenciais da ação humana, assim como os entende essencialmente materialistas, mas sem chegar a ser grosseiro. Não existe nada de espiritual e nem de elevado neste quadro gracioso. Tudo são arabescos que encobrem a relação sexual acertada e a ser paga.

Mas existe o frescor herdado do Classicismo!

“Cândido”, de Voltaire.

O romance “Cândido” contém uma polêmica contra o otimismo metafísico do pensamento conformista do filósofo Leibniz, acerca do vivemos “no melhor dos mundos possível”. Mentira! Voltaire diz: o mundo precisa ser transformado!

A jovem Cunegundes, principal personagem feminina, relata o ataque dos búlgaros ao castelo de seus pais. Pai, mãe e irmão trucidados, ela estuprada reage, ganha um corte de faca no seio e vai mostra-lo sensualmente a Cândido. “Tudo o que ocorria no castelo de mau pai era usual”.

Os horrendos acontecimentos parecem cômicos, dada a velocidade com que são narrados, “frutos da vontade divina e da inevitabilidade para os ofensores”, em contradição com o horror dos atingidos. As desgraças correm uma atrás das outras e sempre são interpretadas como necessárias, ordenadas e razoáveis, dignas do melhor dos mundos possíveis, o que evidentemente é um disparate!

Voltaire absolutamente discorda de Leibniz no pensamento da harmonia mundial metafísica. Não vale nada!

O mundo não tem nada de harmônico! Voltaire falseia propositalmente a realidade na medida em que simplifica a causa dos inumeráveis acontecimentos e desgraças que se abatem sobre o principal personagem masculino, Cândido.

As causas dos destinos humanos ou são naturais ou nela imperam a maldade, os instintos e, sobretudo, a estupidez. No entanto, Voltaire absolutamente não considera que possa existir ligação entre o caráter e o destino de um indivíduo, omitindo sempre tudo o que se refira à moral e à história em questão.

Um exemplo é a explicação de Pangloss, outra personagem, para a sífilis que contraíra. Começa com a deliciosa criada Paquette, que por sua vez a contraíra de um sábio franciscano, que o recebera de uma velha condessa, que a herdara de um capitão, que o devia a uma marquesa contaminada por um pajem, herança de um jesuíta em ligação direta com um dos seus companheiros e que chega até à sífilis de Cristóvão Colombo.

Tal representação que só considera as causas naturais, e que no plano moral só salienta a sátira com relação aos padres (incluindo a homossexualidade), suprime na ligeireza todos os dados históricos e individuais que levaram ao surgimento de cada relação amorosa, “isentando” de responsabilidade os seres humanos que apenas seguem os instintos sexuais.

A libertação da sociedade humana

Para o Iluminismo a sociedade humana deveria ser liberada de tudo o que se oponha ao progresso racional, inclusive condições econômico-sociais e históricas.

Voltaire ao completar os 67 anos, fraco e envelhecido, escreve um bilhete de agradecimento à Madame Nacker, que a ele enviara o famoso escultor Pigalle, com o objetivo de esculpir sua face no bronze, aquela face macilenta que todos nós conhecemos: “Quando minha gente viu o pessoal chegar disse: vão disseca-lo, será divertido! Todo o tipo de espetáculo diverte os homens, seja o de marionetes, de estúpidos políticos e negocistas, e até mesmo os enterros. Minha estátua fará sorrir alguns filósofos, e fará franzir o cenho de qualquer hipócrita sem vergonha: vaidade das vaidades! Mas nem tudo são vaidades, meu reconhecimento a alguns amigos e à senhora não é vaidade. ” 1770.

Aqui a ousadia iluminista na ironia diante da própria fama, a alusão polêmica aos inimigos e o termo vaidade no ancião ainda amável e vivaz, no “Século das Luzes” que ele ajudou a formatar com tanto amor e dedicação!

“Século das Luzes” que sempre nos assinalará rumos contra o avanço do obscurantismo, da intransigência, da religiosidade obtusa e monetarista, e, principalmente das mentiras que destroem aquilo que resta de nossa civilidade construída nos últimos três séculos.

4 respostas

  1. Hoje, parece que a maior parte da população brasileira está refratária ao chamamento da razão. Essa maioria imbecilizada só ouve e dá crédito aos seus semelhantes farsantes, idiotas, degradantes, opressores e ditatoriais. Tenho a garganta rouca e a boca seca na inútil tentativa de por luz no raciocínio desses cretinos produzidos pelas mentiras e engodo de Boçalnaro e sua horda de fanáticos e canalhas. Mas , incansável, continuarei dando murros em ponta de faca. Hugo Brockes.

  2. A virtude da verdade parece não fazer sentido no mundo contemporâneo. Em todos os segmentos sociais predomina o arrivismo, acima de tudo e de todos.
    As trevas continuam engolfando o planeta todo. E foram as elites que desligaram o interruptor.
    A vida deixou de ser sagrada.

  3. Pior, a Verdade é algo que nem mesmo as religiões conseguem captar. Ou, se isso não fosse pedir demais, produzir, como forma de ver o Mundo/mundo e propor problemas, orientar condutas e fazer mais saudável a sociedade dos animais que se dizem superiores, mas têm enorme dificuldade em mostrar-se assim.

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