Cristo, o dólar e Mary Baker: a origem das religiões Neo-Pentecostais

Os momentos mais misteriosos da história da humanidade são aqueles em que surgem as religiões. A ideia que brota quase sempre de um único cérebro transborda atingindo centenas, milhares e milhões. Esses instantes místicos pelas suas peculiaridades, decorrido o tempo, jazem sepultados no esquecimento, tornando quase sempre difícil precisar as circunstâncias em que os mesmos ocorreram. Por sorte esse não é o caso de um enorme conjunto de seitas religiosas, denominadas genericamente de religiões Neo-Pentecostais, que se desenvolveram nos Estados Unidos da América somente a partir da última década do século XIX e empolgam, no século XXI, parcelas crescentes da humanidade em quase todos os países.

Os Neo-Pentecostais abrangem hoje mais de dezenove mil denominações e congregam aproximadamente trezentos milhões de seguidores. Possuem mídia televisiva, assim como outros canais próprios de divulgação de massa. Influenciam a vida política das nações, compondo bancadas parlamentares cada vez mais influentes. Estima-se que movimentem mais de trinta bilhões de dólares anuais, boa parte dos quais com isenção de impostos e à margem de controles formais.

Essas diferentes crenças religiosas ditas evangélicas possuem alguns pilares comuns, como a “doutrina da prosperidade” e a da “confissão positiva” e empregam conceitos tais como “a pobreza e a doença derivam de maldições, fracassos, vidas em pecado ou falta de fé religiosa” e, em decorrência desse preceito, um “verdadeiro cristão” deve ter a marca da plena fé, ser bem-sucedido financeiramente, possuir saúde física, emocional e espiritual.

Outro pilar comum é a permanente batalha espiritual entre os componentes da “Santíssima Trintade” e o Diabo, trazendo um renascer de conceitos medievais, tais como o confronto direto entre o homem e os demônios, as ditas maldições hereditárias, a posse dos crentes pelas forças “magnéticas” do mal.

Também desenvolveram formas sobrenaturais de encarar a fé religiosa, tendo por foco a busca de revelações diretamente feitas por Deus ou pelo Espírito Santo a seus “pastores”, “bispos” ou “apóstolos”; são relações de privilégios nas quais o rebanho é conclamado a inserir-se. Muitas vezes aqueles “pastores” ou “mediuns” operam “curas milagrosas” para doenças psíquicas ou físicas, chegando mesmo ao ponto de negação da materialidade dos males que afligem os homens.

O contraponto dessa filosofia que nega a realidade, que mistifica o conceito do divino, é o seu mais cru materialismo acentado numa estreitíssima aliança do espiritual com o dinheiro e os créditos bancários. Como dissemos no título desse trabalho, essas seitas autodenominadas evangélicas substituem o ensinamento de Cristo de “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, por um avatar que não lhe é exclusivo, mas que em nenhuma religião é tão explícito: uma moeda onde o lado “cara” tem a figura de Cristo, e o lado “coroa” a imagem do dinheiro, do dólar.

A seta da história aponta para a “Ciência de Cristo”, como a inspiradora de todas as religiões Neo-Pentacostais subsequentes.

Essa seita, fundada em 1886 por Mary Baker-Eddy, possui ainda hoje, um século após a morte de sua fundadora e “imperadora”, quase mil e novecentas igrejas, estando presente em setenta e seis países. A “bíblia” desse movimento, escrita por Mary Baker-Eddy, “Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras” foi best-seller por décadas. Em 1995, “Mother Mary” foi incluída no Hall da Fama de Hollywood e, em 2002, uma Biblioteca com seu nome e totalmente dedicada aos seus escritos foi aberta ao público.

A “Grande Basílica” da seita, inaugurada em 1906, com capacidade de recepção para vinte mil crentes, ainda é uma das mais belas construções de Boston. As últimas residências em que a fundadora viveu, foram transformadas em sítios históricos preservados na América do Norte.

O jornal publicado pela “Ciência de Cristo”, “O Monitor” ganhou, ao longo dos anos, sete prêmios Pulitzer, assumindo, inclusive, posições progressistas e respeitáveis em defesa dos direitos humanos, após a morte de sua fundadora.

De uma maneira geral pode-se dizer que essa crença, tendo sido a grande precursora das seitas Neo-Pentacostais, no decorrer dos anos perdeu sua belicosidade inicial e aproximou-se daquelas correntes evangélicas mais tradicionais, tornando-se menos autoritária e excludente.

Como o nosso objetivo não constitui um aprofundamento das bases metafísicas, mas sim, a análise da incrível capacidade de expansão religiosa de tantas seitas, bem como dos seus monumentais sucessos financeiros, voltaremos no tempo para estudar essa personalidade especial, Mary Baker, assim como suas inspirações, os sustentáculos por ela utilizados e as enormes inovações de sucesso que ela empreendeu no campo da crendice popular.

A “Ciência de Cristo” de Mary Baker-Eddy influenciará de modo direto, na primeira década do século XX, homens como E. W. Kenyor, o inspirador da “Teologia da Prosperidade” e K. Hagin o fundador da primeira “Assembleia de Deus”, que ele inaugura após um propalado batismo pelo “Espírito Santo”, em 1937.

Da mesma maneira, a “Ciência de Cristo” inspirará o Teleevangelismo, que desde a década dos anos oitenta frequenta diversos canais da televisão aberta, a bordo do qual embarcam prestigitadores como o “bispo” Edir Macedo. Se o citamos como paradigmático, é porque esse antigo pesquisador do IBGE na década de 1970, católico, teve sua “revelação” em 1976 e fundou, em 1977, a “Igreja Universal do Reino de Deus”. Dono de Rede Televisiva e inúmeros templos, sua fortuna pessoal, menos de quarenta anos após sua “conversão”, situa-se entre as dez maiores do Brasil.

Mary Baker nasce em uma família pobre, no ano de 1821. A menina, fisicamente frágil, tem dificuldade em acompanhar os estudos escolares e os abandonará prematuramente, antes da conclusão do primeiro grau. Transforma-se em uma adolescente indolente que prima por chamar a atenção de seus familiares sobre si, num ar incontido de presunção e superioridade. A cada vez que é contrariada pelos parentes, desenvolve “ataque dos nervos” os quais adotará por toda a vida, como seu método pessoal de tiranizar as pessoas. De todos os modos, a mocinha chegará à idade adulta sem jamais haver trabalhado, nem mesmo nos afazeres domésticos.

Para alívio de seus pais e irmãos, Mary casa-se aos vinte e dois anos com um jovem chamado Glover, que por ela se apaixona; viajam para o oeste e estabelecem seu lar. Aparentemente a vida sexual com o marido livrou-a dos ataques histéricos e pela primeira vez ela escreve aos familiares dizendo-se feliz. Mas, por um desses infortúnios da vida, após apenas um ano e meio de casada e estando grávida, morre-lhe o esposo, vítima de febre amarela. Ela regressa à casa dos pais e volta a sofrer de  ataques nervosos. Nascido seu filho, ela descobre que a maternidade é um “serviço” que tão pouco lhe atrai e  decide desfazer-se da criança: entrega o menino de três anos de idade para uma família que irá viver longe de sua terra. O enorme ego dessa mulher não reconhece nada além de si mesma.

Novamente repetem-se as cenas da adolescência em que ninguém se atreve a contradizê-la para evitar os conhecidos achaques. Ela seguirá levando uma vida parasitária até os cincoenta anos de idade, tendo sido sustentada primeiro pelo pai, depois pela irmã e finalmente pela caridade alheia.

Mas, ainda estamos longe dessa época. Por enquanto, ela descobre poder-se acalmar em um sofá de balanço, e aos trinta anos de idade esta genial atriz de um mundo patológico, representando a paródia de o eterno sofrer, permanecerá deitada quase todos os dias e noites.

Dois anos após a vida brinda-lhe um novo presente. Por ela apaixona-se o dentista Patterson, que a tomando nos braços a conduz do sofá até a igreja para casar-se. Mas breve, o novo esposo descobrirá nessa enferma monótona e incurável uma déspota voluntariosa, de uma personalidade que a tudo falseia. Quando a Guerra Civil americana é deflagrada, ele é dos primeiros a se alistar, sendo logo feito prisioneiro. Em decorrência, aos quarenta e um anos de idade, a inválida Mary Baker retorna à casa das irmãs para o tormento dessas, na cidade de New- Hampshire.

Enquanto tudo isso ocorre, na distante Portland, chega certo discípulo do alemão Messmer e ele traz para a América a novidade do hipnotismo, uma alternativa para a “cura” dos males do espírito, que na Europa, já entrara em moda numa das vertentes espiritualistas. Um relojoeiro de nome Quimby interessa-se pelo método e começa uma espécie de pesquisa em que anota todos os efeitos da hipnose sobre os “médiuns” e os enfermos. Na sua simplicidade, Quimby percebe que pode auxiliar pessoas doentes, mesmo dispensando o recurso do hipnotismo, e, também que pode se aposentar de seu trabalho monótono e viver de suas “curas”. O agora, “Dr. Quimby” desenvolve o seu próprio método, que ele denomina “Cura pela Mente”, atuando sugestivamente sobre os enfermos, destruindo-lhes a crença na enfermidade, como “Jesus Cristo fizera antes dele, dezoito séculos atrás”. De tal forma que a fama de suas curas pela mente ultrapassa os limites de sua cidade e ele passa a dar consultas até mesmo por cartas.

Mary Baker ouve falar dos resultados desses tratamentos e ela decide que quer se curar. Em 1862 consegue arrancar dinheiro dos familiares e de algumas pessoas que se conduiam por aquela mulher semiparalítica e inútil e viaja até Portland, submetendo-se de corpo e alma a Quimby.

Ela possuia uma predisposição para o “milagre” do Dr. Quimby; além disso, arranca de si mesma a “vontade de possuir saúde”, afinal, aquela era a sua última cartada para que um “prodígio”, fazendo-a “crescer acima de todos”, pudesse ocorrer. Se voltasse no mesmo estado de enferma para a sua cidade seria desprezada e, se curada, ela seria o próprio prodígio.

Ao final de uma semana de tratamento, a inválida encontra-se completamente curada; rejuvenesce e faz brotar em si mesma uma energia que a fará, em breve, subjulgar e fazer-se sentir por milhões de pessoas. Permanece mais algum tempo em companhia do seu doutor. Afinal, esquece a doença e interessa-se pelo método. Faz com que Quimby empreste-lhe todas suas anotações, as tais “Perguntas e Respostas” de suas pesquisas, que ela, à noite, copia. É a primeira vez na vida que ela demonstra uma verdadeira paixão por algo.

Ao retornar à casa da irmã, Mary Baker é, no seu próprio dizer, uma pessoa que “ressuscitou como Lázaro” e faz de Quimby “um continuador de Cristo”. Sobre esses fenômenos dá palestras, promove demonstrações, enfim, pratica um ensaio geral sobre o que fará apenas dez anos após.

Deixando Portland, Mary retorna à casa de sua irmã. Quase coincidentemente, o recém-liberto, o dentista Patterson vai ao seu encontro. Mas esse segundo marido já não conseguirá suportá-la. Uma coisa era aguentar a semi-inválida, histérica e com crises de nervos; outra, a mulher “sadia”, a que se julga uma profetiza, a mulher-apóstolo. Pede, então, o divórcio, paga-lhe uma indenização, e se vai.

Além do marido, outra pessoa também não a suportará mais: é sua a pobre irmã. Agora, Mary Baker, aos cincoenta anos, encontra-se totalmente só no mundo, sem dinheiro, sem profissão, sem nada. Deve partir de New-Hampshire onde nada e ninguém mais a amparará. Viaja com sua pequena maleta para a vizinha cidade de Lynn.

Ainda faltam anos para que ela se transforme na mulher mais bem sucedida de 1.900. Por enquanto, andará de casa em casa como uma parasita. Pessoas simples a acolhem como a uma peregrina, a uma profetiza que fala de curas maravilhosas. Mas nenhuma estada durará muito, pois Mary Baker não possui o mais tênue sentimento de gratidão para quem a ajude ou sustente. Sempre tentará subjulgar e usar a todos os que lhe dêem guarida. Seu caráter dominador, tirânico, suscita sempre conflitos e desavenças com as pessoas, inevitáveis consequências de uma presunção incontida.

Ela jamais realizará qualquer tipo de trabalho. Passa dias e noites a escrever um manuscrito de páginas amareladas, cuja base é as “Perguntas e Respostas” de Quimby. Supera muitas dificuldades, oriundas de  sua pouca escolaridade, mas é persistentemente neurótica no escrever, por isso revisa de dia o que escrevera à noite.

Tem consciência de que seu temperamento instável e irritadiço é incapaz de “curar pela mente”. Para tanto seriam necessários empatia, calma, ouvidos, domínio e a paciência de um Quimby. Logo, ela precisa de um mediador. Para tanto publica anúncios em jornais, buscando aquele que “deseje aprender a curar enfermos”. O seu primeiro discípulo aparecerá em 1870, um jovem operário de nome Kennedy. Ela, mediante um contrato escrito em que cada um ficará com metade dos proventos, treina-lo-á em sua “ciência”. Unem-se o Cristo e o dólar.

A dupla arrenda uma sobreloja, onde também residirá, ele praticando sua “medicina” (a árvore em frente ganha uma tabuleta: “Dr. Kennedy- Ciência de Cristo”) e ela escrevendo e a tudo controlando. O êxito é tão grande que em três meses alugam também a loja abaixo. O plágio de Quimby é absoluto. Kennedy como ele, senta-se tendo dentre os joelhos os do paciente, esfrega-lhe a fronte com os dedos umedecidos e canta uma ladainha que a mestra fizera-o decorar: “Que o homem é divino, que Deus não quer o mal e, portanto, a dor, o mal e a enfermidade não existem. Os males não são senão imaginações, um erro de que a gente deva se livrar”.

Em determinado momento Mary Baker decide que Kennedy já não lhe basta. Quer reunir mais apóstolos que levem ao mundo a não existência das doenças. A mestra de a “Ciência de Cristo” começa a formar seus “médicos” em cursos de seis semanas de duração. O êxito de Kennedy, que chega a faturar doze mil dólares por mês (em valores de mais de cento e quarenta anos atrás), atrai dezenas de operários e pequenos comerciantes para os cursos. Ela, a princípio cobra-lhes cem dólares e, posteriormente, trezentos pelo curso e por contrato, 10% de todos os ganhos futuros.

A gente humilde sente-se aliviada e a fama se espalha. Mary Baker sente o fumo do sucesso e desde esse primeiro momento tenta patentear “suas descobertas” e convertê-las em dólares. Na sua crença não existe a matéria, só espírito, no entanto, as notas bancárias são mais que reais para essa mulher.

Após dois anos de parceria Mary Baker deseja, afinal, livrar-se do pacífico Kennedy. Seria a sombra de seu sucesso a incomodar-lhe ou a sexualidade reprimida daquela cincoentona, que apenas aceitava cercar-se de discípulos muito mais jovens e do sexo masculino? Ela denuncia seu mais fiel servo por embuste e quando o encontra pessoalmente, encena uma crise de histerismo. Irá destruí-lo, pois o ódio mórbido que sempre dedica àqueles com quem rompe não lhe permite alternativas. Do dia para a noite ela suprime a prática de se tocar no paciente, na qual Kennedy fora treinado e a qual praticava. Era a primeira de muitas excomunhões que faria: de seus lábios convulsos brotaram todas as monstruosidades imaginárias. Atribui a Kennedy um tal de “influxo diabólico”, que é a própria  necromancia medieval renascida. Com esse processo a sua “Ciência de Cristo” criará mais um pilar de sustentação: “o magnetismo animal malicioso”.

O “infiel Kennedy” é substituido por uma dúzia de discípulos conduzidos à mão de ferro e com ganhos muito inferiores aos 50% do primeiro parceiro. Mary Baker auto promove-se em a enviada de Deus para guiar seu rebanho na Terra. Todos os domingos ela reunirá seus discípulos para a prédica dominical, acompanhada por música coral e piano. Ela ascende de professora a sacerdotiza, transformando sua terapêutica em sacerdócio.

Nega, desde sempre, todo o seu passado e apaga qualquer referência que um dia fizera a Quimby, “a quem jamais conhecera”. Sendo necessário criar uma “Legenda Áurea” sobre si mesma, toda a infância da sacerdotiza é agora recontada, incluindo entrevistas com anjos e Joana D’Arc. Ela própria define como sendo em 1866 o momento de “sua graça” (após a morte de Quimby, naturalmente), quando o Senhor apareceu-lhe diretamente e inspirou-lhe a “Ciência de Cristo” e as leis divinas da vida.

Mary Baker e sua metafísica entram para o reino do absurdo e nesse movimento lança as pedras fundamentais de todas as futuras seitas Neo- Pentecostais dos séculos XX e XXI.

Ela tornará a casar-se e seu terceiro marido será um dos discípulos, agora apóstolos, Gilbert Eddy, em 1887. Mentem suas idades perante o juiz de paz, declarando-se ambos com quarenta anos de idade.

Mas seu período de grandes progressos em Lynn caminha para um final. Apesar de enriquecida, Mary Baker-Eddy sabe que todas as religiões em seus estágios embrionários não podem se permitir cismas, que possuem a possibilidade de destruir todo seu edifício. Talvez ela soubesse que, na longínqua Europa, Severt fora mandado à fogueira por Calvino por simples divergência teológica. Enfim, contra todos aqueles que buscam caminhos independentes do seu, ela, além da excomunhão, move-lhes processos na justiça dos homens. Chegará mesmo ao ponto de processar um ex-apóstolo por bruxaria, isso quase no século XX. O juiz encarregado do caso sorri na face daquela mulher magra e grisalha, colérica e que mal se contém de ódio, aquela que se diz “enviada pelo Espírito Santo”. O juiz declara-se incapaz de julgamentos cabalísticos e encerra um de suas dezenas de processos.

Isto foi demais para um grupo de oito apóstolos que rompem publicamente com a sacerdotiza, “contra seus frequentes acessos de ódio, seu amor incalculável pelo dinheiro e sua hipocrisia”. A impresa começa a indagar sobre as origens de tal sacerdócio e o prestígio de Mary Baker-Eddy ameaça desmoronar na pequena Lynn.

Ela toma uma das grandes decisões de sua vida. Buscará nova cidade, grande o bastante para seus projetos. Com todo o dinheiro acumulado irá mudar-se para Boston, carregando consigo apenas seu marido Gilbert.

Gilbert Eddy era cardíaco e após a viagem seu estado piora. Mary Baker-Eddy não crê nos pricípios curadores de sua “Ciência de Cristo” para o marido. Então, contrata um bom médico que prescreve digitálico e cardiotônicos. Mas Gilbert não resistirá. A viúva, novamente só, declarará que a morte do marido ocorrera devido ao “arsênico metafísico”, um veneno mental emitido pelos demônios excomungados por sua fé. A partir desse momento, aos sessenta e um anos, ela romperá todos os laços e viverá somente para sua obra, para o poder e para o dinheiro.

Ela sabe perfeitamente que pouca importância é dada àqueles que se apresentam com simplicidade e humildade. Em Boston, ela adquire uma residência de três andares, na Avenida Colombo, a via mais elegante da cidade. Decora cada ambiente com esmero, quadros e tapetes. Seus alunos serão pessoas “refinadas” e não mais os pobres de Lynn. Sua nova escola é nomeada de: “Universidade Metafísica de Massachussets”. Do dia para a noite a “professora” metamorfoseia-se em catedrática. Sua “escola pseudocientífica” vira uma Universidade, com uma autorização de funcionamento comprada dos agentes do Estado de Massachussets.

Todo domingo Mary Baker-Eddy sobe ao púlpito e o público que superlota a sua Universidade-Igreja retém a respiração perante sua ardente oratória. Desde então sua figura somente será vista em momentos especiais, criando ao redor de si uma auréola de mistério e encantamento.

Para evitar os tropeços do passado ela erguerá anteparos que a distanciem de quem foi e de quem é: serão secretários, atendentes, advogados. Ela também conhece muito bem a América de 1890 e sabe que aquele que deseje conquistá-la deverá primeiro ganhar a consciência das massas, com o ensurdecedor ribombar da propaganda. Sabe também, como saberão todos os futuros líderes das seitas Neo-Pentecostais, que qualquer produto deve buscar atender seus consumidores, identificar suas necessidades e criar novas. Assim, Mary Baker-Eddy usará e abusará da publicidade.

Cria o primeiro serviço de atendimento telefônico-religioso; em seguida, funda o “Jornal da Ciência de Cristo”, que, com asas de mercúrio, chegará a todos os recantos de norte-américa, trazendo a boa nova das curas de Boston, um novo método de medicina universal.

Desde Nova York, Filadélfia e New Jersey chegam enfermos, muitos dos quais se tornarão apóstolos da nova doutrina. E cada novo “doutor” trabalhará para aumentar as assinaturas do jornal. E, desde então, novos alunos sempre acorrerão a Boston.

A engrenagem funciona a todo vapor. Basta que em uma cidade surja um primeiro adepto para que se forme o primeiro grupo de crentes, que se tornarão propagandistas e consumidores de jornais e livros. Deste modo, entre 1890 e 1900 teremos trinta e três Academias para doutorado na “Ciência de Cristo”, distribuídas por quase todo o território americano. A bíblia “Ciência e Saúde” alcança a espantosa cifra de trezentos mil exemplares vendidos.

Todo o dinheiro das doações recolhidas pela Universidade e percentagem das Academias pelo país afora irá para a conta bancária de “Mother Mary”; dezenas de milhões de dólares que serão aplicados na construção de Templos e em esplêndidas mansões de retiro.

A cobiça de Mary Baker-Eddy não encontra limites e por isso a “Ciência de Cristo” será organizada dentro das melhores bases comerciais e contará com profissionais em áreas-chave. Logo surgirão souvenirs, imagens, fotos autografadas da fundadora, mais e mais livros, folhetos, até mesmo utensílios domésticos.

O Jornal oficial publicará em uma coluna especial as prendas de maior valor doadas pelos crentes da alta sociedade, tanto em dinheiro quanto em espécimes, como pedras preciosas, ouro, estolas, etc..

O prestígio de Mary Baker-Eddy aumenta dia a dia. A cada aparição sua, um público de dez, quinze mil pessoas aglomera-se para ouvi-la falar.

Em Chicago ela organizará sua primeira “Festa do Espírito”, em 1888, consagrando-se de vez. Mary assume-se com “A Profetiza” e decide construir o “Templo da Profetiza de Cristo”. Ele terá em seu frontespício: “Em homenagem à Reverenda Mary Baker-Eddy, descobridora e fundadora da “Ciência de Cristo”. É santificação!

Ao abrirem-se as janelas do século XX, a igreja de Mary Baker-Eddy estará entre as quarenta maiores empresas norte-americanas, e uma das dez mais lucrativas.

É chegada a hora do profissionalismo. Mary Baker contrata a maior empresa de publicidade da América para direcionar e tornar homogêneo todo o esforço mercadológico da “Ciência de Cristo”. Ao mesmo tempo, esse gênio do marketing, rompe com toda a sua estrutura original para poder crescer ainda mais sob o controle de seu pulso de aço. Define uma organização absolutamente piramidal de poder e de lucros. Cria um “Board of Directors”, do qual será a Presidente, e todas as centenas de igrejas implantadas terão de manter uma obediência irrestrita à “Santa Madre Igreja”. Instruções específicas garantem percentagens de repartição dos lucros, métodos de contabilização dos resultados e impedem qualquer tipo de heresia doutrinária.

Aliado ao profissionalismo, de seu púlpito “Mother Mary” acena aos possíveis dissidentes sempre com o raio da excomunhão e com os demônios.

Decorrente dessa decisão de profissionalização organizacional, ela trata de retirar-se da cena pública. Um lance de gênio, pois as dores da velhice desmentiriam toda a sua cartilha sobre a imaterialidade da idade e das enfermidades.

Assim como o juiz de Lynn desnudara-lhe a hipocrisia e a paranoia pecuniária, agora surgiria a voz do jornalista, humorista e intelectual, Mark Twain, desmascando-a: Como Mary Baker dizia que o livro “Ciência e Saúde” lhe havia sido ditado por Deus, por que cobrava direitos autorais sobre algo que só à divindade seria devido?

Mark Twain jamais a abandonaria em suas críticas enquanto ela vivesse. Ele denuncia na imprensa como sendo uma patranha a religião que somente se ocupe em acumular dinheiro para si mesma e para seus próprios membros, sem jamais preocupar-se em praticar a caridade ou em possuir um mínimo de autruísmo.

As respostas de Mary Baker-Eddy, a quaisquer questionamentos, sempre foram de um total cinismo, quando não de cólera. Por exemplo, diz que “Deus ordenara-lhe a cobrança para cada graça requerida, pois o cordeiro, para obter a graça, teria que sacrificar-se antes, pagando”. Ainda hoje ouvimos essa mesma frase reverberar nos templos Neo-Pentecostais.

Quando advogados descobriram que ela tivera na mocidade um filho, abandonado desde a infância, apressaram-se em procurá-lo em todos os cantos do país. Glover agora é um senhor, um semi-analfabeto. Mary Baker será processada por haver, há mais de cincoenta anos, abandonado um filho e será levada pelo mesmo perante os tribunais. Ela teme apenas o escândalo e tudo fará para abafá-lo. s Glover mal consegue vê-la, nem mesmo ganha um abraço daquela velha insensível. Ele se contenta com uma pequena indenização obtida por acordo e volta para seu oeste.

Apenas e tão somente a vida será capaz de desmistificar aquela grande charlatã: ela envelhece, perde seus dentes, os membros se entorpecem, surge a dificuldade de fala e já não escuta o que lhe dizem; os cabelos escasseiam e as rugas se aprofundam. Não é a sua religião que afirmava que a doença e a velhice não existiam?

As proporções de seus negócios são colossais. Quando a fundadora completa seus oitenta anos, a sua igreja contava com mais de cem mil discípulos praticantes; os seus templos de pedra e mármore se disseminavam pela América; de toda a Europa surgiam mais e mais adesões e a fortuna pessoal da “Mother” era estimada em mais de dez milhões de dólares, aos valores da época.

O maior templo foi construído graças às coletas que alcançaram a incrível cifra de um milhão e meio de dólares. Foi edificado na área mais valorizada de Nova York, defronte ao Central Park. Um enorme e maravilhoso espaço para cinco mil fiéis e hotelaria para vinte e cinco “doutores”.

Aos oitenta e dois anos, Mary Baker-Eddy encara um novo desafio, lançado pelo Templo de Nova York: erguer uma Basílica, muito maior que o templo novaiorquino, para a congregação de todas as suas Igrejas. Essa Basílica, que constitui ainda hoje um dos mais belos edifícios de Boston, foi construida com doações que chegaram a dois milhões de dólares, com acomodações para vinte mil crentes. Foi inaugurada em 1906 ao som do hino: “Pastor, indica-me o caminho”. Hino modificado, mas sempre repetido pelas novas seitas nos últimos cem anos.

Mary Baker-Eddy morre no auge de sua fama, dona de imenso poder sobre sua religião, aos oitenta e nove anos de idade, no ano de 1910.

Ao lado da continuidade da seita a “Ciência de Cristo”, a senda por Mary Baker-Eddy aberta é disputada nos dias de hoje, por quase dezenove mil seitas, algumas de grande sucesso, utilizando as mesmas bases metafísicas que ela introduziu há mais de um século e que podem ser resumidas na união maquiavélica e perniciosa da religiosidade com o dólar, na exploração da crendice popular.

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