A “Montanha Mágica” é um romance intelectual, um romance de ideias, do tempo, da vida, da doença e a da morte.
“Concebi-o, inicialmente, como uma sátira humorística, a atmosfera de morte e despreocupação”, que ele, Mann, vivenciara ao internar-se e à esposa por algum tempo no sanatório de Davos, em 1914, um pouco antes da Guerra.
“Seria uma viagem à decadência; contudo também a busca da ideia do homem, o conceito de uma humanidade futura que vivenciou o mais profundo conhecimento da doença e da morte” (Mann).
Em 1915, entretanto, Thomas Mann interrompeu seu trabalho, indeciso sobre a continuidade do romance. Com a derrota da Alemanha, principalmente com o morticínio da guerra, Mann se metamorfoseará em um cidadão e escritor democrata e pacifista convicto.
“A Montanha Mágica” será concluída em 1925. A história de Hans Castorp se transformará num enorme romance de mais de seiscentas páginas; aquilo que seria uma obra cômica transformou-se numa transição histórica trágica.
Hans Castorp visita o primo Joachim no Sanatório destinado ao tratamento de tuberculose, nos Alpes suíços; vitimado de uma simples anemia, Castorp vai aos poucos mostrando sinais de uma possível tuberculose e acaba estendendo sua visita ao sanatório por meses e anos.
Nesse período Castorp, pouco a pouco, conquista o que ele chama de liberdade da vida normal. Desliga-se do tempo, da carreira, da família e é atraído pela doença, pela introspecção e pela morte. Ao mesmo tempo, amadurece e trava contato mais profundo com a política, a arte, a cultura, a religião, a filosofia, a fragilidade humana e com o caráter subjetivo do tempo (um dos temas mais importantes da obra) e com o amor por certos olhos quirguizes.
O sanatório é um microcosmo da Europa no pré e durante a Guerra. As numerosas personagens do livro são representações de tendências e pensamentos que lá predominavam. Settembrini (humanista e enciclopedista) e Leo Naphta (um jesuíta totalitário), encarnam a maior parte dos debates.
Mas passemos àquilo que denominamos as essências de “A Montanha Mágica”:
1. Mas afinal, o que era o humanismo?
Era o amor aos homens, nada mais, nada menos, e por isso mesmo implicava também a política, a insurreição contra tudo quanto mancha e desonra a dignidade humana.
Haviam censurado ao humanismo o apreço exagerado pela forma, mas ele cultivara a bela forma por amor à dignidade humana, em esplêndida oposição à Idade Média, que vivia não somente entregue à misantropia e à superstição como também enfeada por uma ignominiosa falta de forma.
O humanismo desde os seus inícios, defendera a causa do homem, os interesses terrenos, a liberdade do pensamento e o prazer de viver, opinando que o céu, por motivos de equidade, pertencia aos pardais.
2. Sobre a natureza íntima do autor:
“Na minha natureza sempre houve certa inclinação para a seriedade e uma determinada antipatia contra manifestações robustas e barulhentas”. “Resquiat in pace me parece mais simpática que Vivat, crescat, floreat, com sua alegria ruidosa”.
3. Qual a importância de estarmos sempre a nos analisarmos psicologicamente?
A análise psicológica é boa como instrumento de esclarecimento e da civilização; é boa enquanto liberta, quando abala convicções estúpidas, dissipa preconceitos naturais e solapa a autoridade. É boa, em outros termos, enquanto refina, humaniza, enquanto prepara os escravos para a liberdade.
É má, muito má mesmo, quando estorva a ação, quando prejudica as raízes da vida e se mostra incapaz de lhe dar forma.
4. Como encarar e honrar a morte?
A única maneira religiosa de encarar a morte é compreendê-la e senti-la como uma parte, um complemento, como condição inviolável da vida, ao invés- que seria o contrário de sadio, nobre, sensato, religioso – separá-la da vida espiritualmente, de pô-la em oposição a ela e de usá-la como argumento contra ela.
Os antigos adornavam os seus sarcófagos de símbolos da vida e da procriação, e até de símbolos obscenos. Eles sabiam honrar a morte, pois a morte é venerável como berço da vida, como regaço da renovação. Mas separada da vida torna-se um fantasma, um bicho-papão, coisa ainda pior.
A morte como potência espiritual independente é sumamente devassa, cujo atrativo perverso é, sem dúvida, muito forte, e seria, também sem a mínima dúvida, a mais horrorosa aberração do espírito humano querer simpatizar com ela.
A morte dissolve e redime, traz a redenção, mas não a redenção do mal, mas a redenção pelo mal. Dissolve a ética e a moralidade, redime da disciplina e da moderação, liberta para a volúpia.
5. E o que fazer com o tempo?
Alguns dizem que é enfadonho esperar o tempo passar, mas que ao mesmo tempo é mais propriamente divertido, porque assim devoramos quantidades de tempo sem as viver e explorar enquanto tal.
No entanto, Mann recomenda evitar esse atoleiro, esta Ilha de Circe. “O senhor não é bastante Ulisses para habitá-la impunemente. Acabará andando de quatro patas, já está mesmo apoiando-se nas extremidades dianteiras. Daqui a pouco começará a grunhir. Cuidado! ”
6. O tempo e o progresso.
Por outro lado, todo movimento é circular, tanto espacialmente quanto no tempo; é isso o que nos ensinam as leis da conservação da massa e da periodicidade. Será que se pode em presença de um movimento fechado, sem rumo constante, ainda falar de um progresso? Quando penso naqueles povos antigos, cheios de sabedoria… qual seria mesmo o significado do progresso?
7. Qual a relação natureza, espírito e liberdade?
A natureza não precisa de espírito. Ela própria é espírito.
Já o espírito é dualista por natureza. E o dualismo é a antítese, o primeiro motor, o princípio passional, dialético e espirituoso. Todo monismo é fastidioso.
Acontece que o espírito nunca deve tornar-se o advogado da reação, pois é sempre o advogado da liberdade.
E a liberdade é a lei do amor humano e não o niilismo e a maldade.
8. Conhecimento, fé e razão.
Santo Agostinho disse: “Creio para que possa me conhecer”.
A fé é o órgão do conhecimento e o intelecto é secundário. A ciência incondicional não passa de um mito.
Há sempre uma fé, um conceito de mundo, uma ideia, numa palavra: uma vontade e cabe à razão explicá-la, justificá-la.
9. Verdade e Mentira.
O Verdadeiro é, quase sempre, o que convém ao homem. Nisso se acha resumida toda a natureza: em toda a natureza, apenas ele foi criado e toda a natureza foi feita só para ele. Ele representa e se sente, a medida das coisas e sua salvação é o critério da verdade.
10. O que esperar das revoluções vindouras? A predição do surgimento do Nazismo.
Aquele que acredita que o resultado das revoluções vindouras será a liberdade, iludiu-se redondamente. O princípio da liberdade cumpriu o seu destino e chegou a ser antiquado nos últimos quinhentos anos.
As organizações educadoras decidirão que, em realidade, qual deva ser o objetivo da pedagogia: a autoridade absoluta, a obrigação de ferro, a disciplina, o sacrifício, a renúncia a si próprio, o domínio da personalidade.
Em última análise, tempos vindouros dirão que não ama a juventude quem pensa que ela sente prazer diante da liberdade. O que ela mais aprecia é a obediência.
Pois o segredo e a existência de nossa era não são a libertação e o desenvolvimento do eu. O que ela mais necessita, o que mais deseja, o que recriará- é o terror.
Afinal, a alma do Estado é o dinheiro! “O dinheiro será o imperador, uma profecia do séc. XI”.
11. Existem perspectivas futuras de um mundo moral?
O espírito é soberano, sua vontade livre é o que determina o mundo moral. De todo modo, as contradições podem se reconciliarem. Somente o meio termo e a mediocridade são irreconciliáveis.
12. Nossos sonhos.
Sou tentado a dizer que não extraímos os sonhos unicamente de nossa própria alma. Sonhamos anônima e coletivamente, embora de forma individual.
A grande alma, da qual tu não és mais do que uma partícula, talvez sonhe às vezes através de ti, à tua maneira. Sonha com coisa que sempre lhe enchem os sonhos secretos: sua juventude, sua esperança, sua felicidade, sua paz e também sua ceia sangrenta.
13. Amor e morte.
A morte e o amor, não, isso não permite rima. O amor enfrenta a morte; só ele e não a razão inspira pensamentos bondosos. Também a forma também não consta senão de amor e bondade!
Quero conservar o meu coração fiel à morte e, contudo, recordar-me claramente de que fidelidade à morte e ao passado é apenas malvadez, tenebrosa volúpia e hostilidade aos homens, quando determina os nossos pensamentos e atos de governo. Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos.
Enquanto existimos não existe a morte e quando ela existe, nós já deixamos de existir; por conseguinte, não há, entre nós e a morte nenhuma relação real e ela é a única coisa que para nós não tem absolutamente nenhum interesse e que, quando muito afeta ao mundo e a natureza.
Finalmente, Thomas Mann destaca o efeito purificante e santificador da literatura, a destruição das paixões pelo conhecimento e pela palavra, a literatura como caminho à compreensão, a indulgência ao amor, o espírito literário como o fenômeno mais rico do ser humano em geral, o poder salvador da língua.
“A literatura não era outra coisa senão isso: a associação do humanismo com a política, associação que se realizava com a maior naturalidade, visto o próprio humanismo ser política e a política significar humanismo…”