Richard Wagner, as barricadas e o Imperador do Brasil.

Richard Wagner nasceu no quarteirão dos judeus pobres de Leipzig. Órfão de pai aos seis meses foi educado pela mãe Rosine e pelo padrasto, o dramaturgo amador e pintor Geyer. Com a mudança da família para Dresden, o garoto Wagner apegou-se ao tio intelectual Adolf e à sua vasta biblioteca.

Quando jovem, Wagner revelou uma variedade de talentos artísticos, inicialmente com incursões no folclore nórdico e centro europeu, depois, na música. Após o estudo estruturado desta última, descobriu ainda uma nova vocação: o teatro! E todos os seus dotes artísticos seriam combinados para a revolução que ele faria na ópera e na própria música!

Após seus estudos, serviu como regente de orquestra em teatros de províncias sem grande sucesso. Embora Richard não possuísse fortuna alguma e nem esperança de heranças, esbanjava todo o dinheiro que lhe caísse às mãos. Vivendo em dívidas e apuros, sua primeira fuga da Alemanha, em 1836, foi motivada por seus credores, que o ameaçavam levá-lo à prisão.

Mudou-se para a Letônia, onde se casou com a cantora Mina Planer. Mas foi breve sua estada em Riga, o motivo foi meter-se novamente em dívidas; a nova fuga levou o casal a Paris, a capital do mundo artístico, em 1838. Wagner tinha 25 anos.

Wagner contava com a ajuda prometida por um judeu alemão, Meyer, um amigo músico a quem uma vez auxiliara no passado e que fizera fortuna no teatro parisiense. Com o nome artístico de Meyerbeer, Meyer tentava distanciar-se da origem judaica. Wagner decepcionou-se com a ingratidão de quem até mesmo fingiu não reconhecê-lo em público.

Sem dúvida, o ódio que Wagner passou a dedicar a Meyer foi a mais importante fonte do antissemitismo, que o acompanharia por toda a vida.

O tempo que viveu com Mina na França foi o da mais extrema pobreza. Afinal, ao contrário do que se passara em outros países, não teve como escapar da prisão por dívidas em 1840, quando ficou trancafiado por seis meses.

Em 1842 consegue voltar à Alemanha graças à estreia, com grande sucesso, de sua ópera “Rienzi”. Parecia que a sorte iria finalmente lhe sorrir; as apresentações de “Rienzi” garantiram-lhe fama e prestígio. E ele foi nomeado Diretor da Ópera de Dresden.

Segue-se uma fase de grande produtividade e inventividade artística: “O Navio Fantasma” e “Tannhaeuser” constituem seus novos sucessos nessa etapa luminosa.

Mas a promissora vida burguesa seria novamente interrompida. Na verdade, todo o mundo europeu se agita ao final dos anos quarenta. Em 1848, surge com a força de um vendaval a varrer a velha ordem, “O Manifesto Comunista”, escrito por Marx e Engels. O povo parisiense ergue barricadas e sua luta leva à deposição de Luís Felipe, o último dos Bourbons.

Quase todas as monarquias absolutistas enfrentam a revolta popular na Europa, inclusive a arquirreacionária Alemanha. Richard Wagner, imbuído de ideias libertárias, socialistas e anarquistas, une-se ao grupo do qual o anarquista russo Bakunin era o líder e pega em armas, participando da Revolução de Dresden, nos anos de 1848 e 1849. Enquanto dirige sua orquestra com a destra, com a esquerda “empunha um trabuco”. No dia primeiro de abril de 1849 rege, no Teatro de Dresden, a “Nona Sinfonia de Beethoven” e, no dia três, junta-se à Guarda Comunal Revolucionária, e publica o manifesto “A Revolução”.

Resiste às tropas monarquistas nas barricadas das ruas e, depois, participa valentemente da luta que se estende casa a casa.

No entanto, a balança pende para o lado dos reacionários, mas Wagner não se entrega. Desejava partir em busca de reforços para a revolução, quando seu líder, Bakunin, abandona a luta por considera-la perdida. Finalmente, quando toda Dresden cai nas mãos dos monarquistas, o compositor é dos últimos a empreender a fuga em companhia de Mina, que sempre combatera ao seu lado.

A fuga o leva a Weimar, onde o grande Liszt o abriga. Em casa do maestro e compositor húngaro conhece sua filha, a menina Cósima, seu futuro amor. Mas ele não pode permanecer em território prussiano. Foge para Paris e, finalmente, chega a Zurique, onde se exila. Na sua ausência, Liszt fará representar “Lohengrin”, novo sucesso de crítica, que lhe proporciona ganhos financeiros, imediatamente gastos para pagar dívidas vencidas.

Na Suíça, iniciará a composição de “O Anel dos Nibelungos”, produção que somente concluirá vinte e seis anos após. É quando começa a abandonar as ideias anarquistas e socialistas e afeiçoar-se ao budismo e à filosofia de Shoppenhauer. Torna-se vegetariano e escreve e edita o livro “Arte e Revolução”.

Quem socorrerá o casal Wagner no novo exílio será Otto Wesendonck, um rico industrial e mecenas das artes. Ora, Wagner irá se apaixonar pela esposa do anfitrião, Matilde, tornando-se amantes. Ela será a inspiração de sua próxima ópera, baseada na lenda de “Tristão e Isolda”.

Mina, a esposa enganada, promoverá um enorme escândalo e o casal terá que abandonar o luxo em que vivia na residência do marido traído. Em seguida, Wagner se divorcia da esposa e se junta aos velhos e conhecidos companheiros de jornada: a miséria e as dívidas. E aí entra, em sua história, Dom Pedro II, o Imperador do Brasil.

Diferentemente dos comandantes militares alagoanos que proclamaram a República, o Imperador Dom Pedro II era um intelectual.

Pedro II mantinha uma intensa correspondência com os mais brilhantes cientistas, filósofos, músicos e intelectuais da época. Era um homem de seu tempo. Muitos de seus correspondentes se tornaram, inclusive, seus amigos incluindo Richard Wagner, Pasteur, Louis Agassiz, Chevreul, Graham Bell, Longfellow, Arthur de Gobineau, Frédéric Mistral, Manzoni, Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco.

Dom Pedro é um amante das artes progressistas, e, mesmo Wagner tendo por fama ser um revolucionário feroz, isto não o incomoda e em absoluto o impede de sonhar com a encenação e regência de uma ópera wagneriana no Brasil, que para ele significava a “música total”.

Em 1857, envia o embaixador brasileiro de Leipzig até Zurique para que contate o músico e faça uma aproximação. O embaixador age a contragosto, dada a má fama do músico. Wagner, em retribuição à visita, envia partituras autografadas de diversas óperas suas como reconhecimento seu a Dom Pedro. Infelizmente estas partituras se perderam no incêndio de nosso Museu Nacional.

As cartas entre Pedro de Alcântara e Richard Wagner tornam-se uma constante. Em uma delas, confessa o Imperador: “Se eu não fosse Imperador, gostaria de ser um professor. Eu não conheço tarefa mais nobre do que direcionar as jovens mentes e preparar os homens de amanhã.”

Ciente das dificuldades do grande gênio, o Imperador oferece-lhe suporte financeiro para a montagem da nova ópera “que deveria ser diferente”, revolucionária até mesmo para os padrões wagnerianos, aquela que constituiria um prenúncio do atonalismo da moderna música do século XX: “Tristão e Isolda”.

Wagner chega a aceitar que a primeira encenação dessa ópera ocorresse no Brasil, mas o Imperador nada lhe exige por escrito. Tão pouco Dom Pedro contava com a nova e rápida reviravolta que ocorreria na vida do músico.

Com a ascensão ao poder de Napoleão III, na França, a sorte de Wagner começaria a mudar. Em 1859 realiza, a convite do mesmo, a montagem de “Tannhaeuser”. Talvez por não incluir os “bailados” tão em voga, a peça não cai muito ao gosto dos parisienses, “viciados nas obras medíocres de Meyerbeer” e de Halévy.

Menos de um ano após, entretanto, ele é anistiado e retorna à Alemanha. No trono da Baviera está Ludwig II, sujeito meio louco e conforme alguns, homossexual, que se apaixona pelo compositor. O certo é que por toda a sua vida essa paixão somente crescerá e o rei jamais negará algo que Wagner lhe venha a lhe pedir.

Em 1861 estreia a ópera “Tristão e Isolda” com grande pompa e circunstância na cidade de Munique. Dom Pedro II, que lhe fornecera dinheiro nos piores momentos, quando a montagem da ópera era apenas o projeto de um pobre exilado, não teve a devida retribuição, pois Wagner jamais montaria qualquer uma de suas peças em nosso país! Aliás, a ingratidão sempre fora e seria marca registrada do grande gênio!

Entretanto, no dia da estreia, lá estava o Imperador do Brasil para aplaudi-lo. No registro do hotel em que se hospedou quase anonimamente, Pedro de Alcântara escreveu no quesito profissão: “Imperador do Brasil”, para a total surpresa do atendente.

Ao final da apresentação, o consagrado Wagner recebeu um bilhete em seu camarim: “Parabéns por Tristão e Isolda! Insuperável!”, Pedro de Alcântara, Imperador do Brasil. Retirou-se da mesma maneira discreta com que, no futuro, em Bayreuth, assistiria a todas as “vernissages” wagnerianas, inclusive ao “ O Anel dos Nibelungos”, tendo contribuÍdo financeiramente para a edificação do fabuloso “teatro de Wagner”.

Três anos após, em 1864, Wagner conhece o conde Bollow, milionário, amante da música e compositor, casado com a filha de Liszt. Wagner hospeda-os em sua casa e apaixona-se por Cósima. Não lhe importa que ela seja vinte anos mais jovem e a esposa recém-casada de um amigo. Eles se tornarão amantes e, quando ela engravida, o filho não será do marido, mas de Wagner.

O casal Bollow se divorcia e a filha de Liszt torna-se protestante para contrair um novo casamento, com o amante. Liszt rompe com o Wagner, devido a sua permanente ingratidão.

De todo modo, o casal terá três filhos, a primeira dos quais se chamará Isolda, quem sabe por lembranças das noites passadas nos braços de Matilde, a esposa do industrial suíço.

Muito mais eventos ocorreriam na controvertida e agitada vida do grande autor neorromântico alemão. Ele até mesmo será novamente banido da Baviera, em 1865, por imposição da Corte Imperial. O que, entretanto, jamais Wagner provará novamente, será a pobreza, pois, mesmo exilado, o rei Ludwig II manterá em dia sua polpuda pensão mensal. Mas isto é uma nova história, que, quem sabe, um dia ainda contarei.

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