Crítica a entrevista concedida por Mario Conti à Rádio Cultura, no Programa Manhã Cultura
(cópia de e-mail enviado à emissora, sem resposta)
A respeito da entrevista realizada com o Mario Conti, que gerou a apresentação da sonata para violino e piano de Fauré (que aliás é maravilhosa) , eu tomo a liberdade de sugerir-lhe que também seja apresentada aos ouvintes a sonata em ré menor de Saint-Saez, dado que provavelmente, este seja o referencial mais forte da sonata proustiana de Vinteuil, principalmente em “seu último trecho, inquieto, atormendo, schumanesco, anterior à sonata de Franck.”
Existe, a propósito uma passagem, narrada por André Maurois, o principal biógrafo de Proust, em que estando o grande mestre já impossiblilitado de deixar o leito, pediu que seu amigo Reynaldo Hahn tocasse ao piano Schubert, Mozart e um fragmento dos Mestres Cantores. Por volta das quatro da madrugada Proust reclamou que faltava a “frasezinha”. Quando um dos outros amigos presentes perguntou a Reynaldo do que se tratava, ele disse: “É uma passagem da sonata em ré menor de Saint- Saens, tingida pelo espírito de Marcel com reminiscências franckianas, faureanas e até wagnerianas.”
A sonata de Vinteuil é uma criação de Proust, realizada com a ajuda de Reynaldo, para a qual pousaram diferentes autores e diversas composições musicais. Existe carta trocada entre Proust e a sra. Bizet, onde esta referência de R. Hahn é rerforçada.
Ao mesmo tempo a afirmação de Conti que Vinteuil estaria associado à figura de Fauré é despida de qualquer base analítica. Novamente Proust sempre afirmou que para cada personagem do romance havia muitos modelos da vida real. Uma havia “pousado com o chapéu, outro com a gravata, outro com a fala, etc.”, de tal modo que a pessoa que mais pousara, que oferecera inúmeros figurinos, vistos como reflexos do real na imaginação e na memória do autor, fora ele mesmo, Marcel Proust. E o escritor faz questão de ressaltar que onde existem “cem chaves para identificar um personagem, na verdade não existe nenhuma”.
Voltando ao Vinteuil, e esta minha interpretação é acompanhada da de outros analistas, a pessoa que mais pousou para a personagem foi a mãe do escritor, SEM, ENTRETANTO, HAVER SIDO A ÚNICA. Tanto Vinteuil quanto a mãe e a avó de “Marcel”, eram pessoas da província, que ainda mantinham os valores burgueses da época das revoluções, valores estes decadentes e substituídos pela burguesia arrivista. Vinteuil, de certa forma, era íntimo da família do Narrador, pois era o professor de piano de suas tias-avós.
Alguns fatos: 1. ambos não toleravam a presença de Odette em sua companhia, mesmo após ela ter-se casado com Swann, dado seu passado de cocote; porém conviviam com seus filhos homossexuais- a filha de Vinteuil, que muitas vezes tinha a aparência e a voz de um menino, e o próprio Proust que viveu agarrado à mãe até sua morte em 1905. Proust sentia-se culpado de esconder de sua mãe o homossexualismo e a filha de Vinteuil somente expõe sua relação sexual com a “amiga”, após a morte do pai. Proust encara literariamente o tema da homossexualidade após o falecimento da mãe.
2. de certa forma os filhos homossexuais conseguiram tornar seus pais imortalizados na obra de arte. A amiga da filha de Vinteuil ordenou toda as partituras de suas músicas e lhes deu o espírito que somente quem convivesse com o artista poderia fazê-lo- e não foi somente e nem principalmente a “sonata da frasezinha” que lhe permitiu a posteridade. A mãe de Marcel Proust alcançou a imortalidade através de “Em Busca do Tempo Perdido”.
Também Robert Schumann, em seu estado psicótico, serviu de fonte inspiradora para o mestre. Existem muito mais “coincidências” nesta suscinta análise que tomo a liberdade de lhe enviar, mas “Em Busca do Tempo Perdido” requer ponderações mais sérias e profundas. Que o Mário Sérgio me perdoe.