Eleito em 30 de outubro de 2022, após acirrada disputada no segundo turno, Luis Inácio Lula da Silva vence e dá início a seu terceiro mandato como Presidente do Brasil. A nova Era Lula surge sob o slogan da “união e reconstrução”, sendo formado inicialmente por 37 ministérios, dentre os quais as minorias se vêem bastante prestigiadas.
Neste grupo – e para ficar apenas no nosso lugar de fala – destoam as pessoas com deficiência, que continuam sem representantes no alto escalão do governo.
Explico-me:
Apesar de um rapaz com deficiência física participar do grupo que fez simbolicamente a entrega da faixa presidencial, continuamos sem ministros que sejam PcD´s.
São onze mulheres no novo governo, dentre as quais se destacam a cantora Margareth Menezes (Cultura), Aniele Franco (Igualdade Racial) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas), concretizando assim a representatividade da mulher, preta, pobre e indígena, sem contar Silvio de Almeida para a pasta de Direitos Humanos.
Parabéns… avançamos enfim (ainda que a passos trôpegos).
Outro dia, vi na TV que a ministra Ariele Franco, afirmava recomendar cautela com o uso do termo “transversalidade” aos seus colegas quando se referissem às políticas públicas, para que o termo não fosse esvaziado e restasse sem efetividade.
Concordo com ela quanto a cautela, mas me permitam estender a análise às pessoas com deficiência.
6,2% da população do Brasil possui algum nível de deficiência.
Somos, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,2% da população brasileira, número este que, obviamente tende a crescer no novo Censo do IBGE (sobretudo porque a referida pesquisa foi feita a dez anos)
Interessante contudo que mesmo sendo quantitativamente relevantes, nós, pessoas com deficiência, continuamos no lugar de esquecimento de sempre.
A transversalidade nesse caso foi utilizada com tanta cautela que não se efetivou afinal, nem mesmo há consenso em reconhecer quem é pessoa com deficiência.
Sim… pois quando é do interesse do Estado, utiliza-se a regra mais antiga (oriunda da compreensão do modelo biomédico e mais restritiva ao reconhecimento de novas pessoas com deficiência).
Como por exemplo, o uso das definições previstas no decreto 3298/99 pelo INSS (para definir se concede ou não benefícios) ou pela Fazenda Pública (para decidir se concede ou não isenções de tributos).
O que poucos sabem é que desde 2006 (Com a Convenção de Direitos da Pessoa com Deficiência) e depois em 2015 (com a Lei Brasileira), utiliza-se como critério para definir a Pessoa com deficiência a existência de “impedimentos de longa duração de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”, os quais em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoa.
Pois bem… o legislador não cita (esqueceu?) os impedimentos de longa duração sofridos pelos deficientes visuais (sim, pois não me venham falar que está implícito em “físico, mental, intelectual ou sensorial”, né?), mas ninguém se ousa a afastar as pessoas cegas da condição de serem pessoas com deficiência.
Pois bem… mas para alguns grupos de pessoas que possuem explícitos impedimentos de longo prazo, esta condição lhes é negada, como por exemplo pessoas com fibromialgia. Nesse caso, não há a mesma “boa vontade” que há para as pessoas cegas.
A explicação certamente passa pelo fato da deficiência visual ser “visível”, enquanto que para os fibromiálgicos não.
Eles não são considerados pessoas com deficiência.
Antes da definição atual (prevista pela LBI), havia outra orientada pelo modelo biomédico (que associava a deficiência a uma disfunção do corpo, uma anormalidade), cuja adequação deveria se harmonizar a uma das definições trazidas pelo decreto 3298/99.
Neste sentido, para este decreto pessoa com deficiência física era aquela com:
[…] alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (BRASIL, 1999)
Desta forma, não bastasse a “alteração completa ou parcial do corpo”, ainda se exigia que tal alteração se adequasse a uma das paresias ou plegias indicadas pelo legislador, o que na prática excluía muitas pessoas que não eram nem consideradas “normais”, tampouco PcD´s… eram o povo do limbo.
De forma parecida vejo agora as pessoas com fibromialgia: apesar de possuírem todas as características que lhes poderiam situar no grupo de pessoas com deficiência física (uma vez que sofrem impedimentos de longo prazo, embora não visíveis, continuam a ser esquecidas pelo Estado, sem o reconhecimento dos poucos direitos que possuem as PcD.
Não são tratadas como “pessoas normais” no critério da funcionalidade de seus corpos, tampouco são PcD´s, oscilam, ao máximo, entre pessoas com deficiência não visível (para a população de pessoas Fibromiálgicas, bem como pesquisadores e alguns médicos) e “pessoas dissimuladas” (para o restante da população, incluindo aqui boa parte dos profissionais de saúde).
Para estes, também a transversalidade foi utilizada com tanta cautela que sequer chegou a ser realidade formal, sequer virou lei sem efetividade.
Ao final você deve tá se perguntando o que Lula e seu novo governo tem a ver com essa discussão toda…
Bom…Quando ele tomou posse de seu cargo, a faixa presidencial foi-lhe passada por uma comissão representativa das minorias, fazendo surgir em nós muita expectativa sobre a vez das minorias, vez que nesta comissão havia um rapaz com deficiência física, contudo convém lembrar Ariele Franco: cautela! Afinal, uma coisa é ser pessoa com impedimento de longa duração outra, bem distinta é ser pessoa com deficiência, atualmente, ainda que vivamos uma fase de representatividades e o início de um novo ciclo político, prevalece ainda como única realidade para estas pessoas é não ser normal, nem ser anormal, ser o povo do limbo.
Autores:
Milton Silva de Vasconcellos
Advogado, mestre e doutorando em políticas Sociais e Cidadania (UCSAL) @miltons.vasconcellos
Sônia Patrícia Sena Viana
Pedagoga, estudante de Psicologia @patriciasenaviana
Referências
BRASIL, Decreto 3298 de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no7.853, de24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração daPessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 dez. 1999. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm.Acesso em 01 jun.2020
[IBGE] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa
Nacional de Saúde: 2013 – acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências – Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf. Acesso em: 23maio 2020.