Com a invasão da Ucrânia, as tropas russas se apossaram da usina de Tchernóbil, e ameaçaram repô-la em funcionamento. Os tanques e tropas percorrem caminhos que são próximos aos reatores inativados. Os mísseis e as bombas explodem. O pesadelo nuclear estará novamente à porta?
O desastre começou durante a madrugada de 26 de abril de 1986 em um dos quatro reatores da Usina Nuclear Lenin, em Tchernóbil, Ucrânia, perto de da cidade de Pripiat, na fronteira com a Bielorrússia.
Houve um pico repentino e inesperado de energia. Quando os operadores tentaram um desligamento de emergência, ocorreu um aumento muito maior na produção de energia. Este segundo pico levou a uma ruptura do vaso do reator e a uma série de explosões de vapor. Esses eventos expuseram o moderador de grafite do reator ao ar, fazendo com que ele se inflamasse.
O incêndio resultante enviou longas nuvens de pó altamente radioativo para a atmosfera, causando precipitação radioativa em uma extensa área geográfica em grande parte da antiga União Soviética e da Europa. De acordo com dados oficiais pós-soviéticos, cerca de 60% delas atingiram a Bielorrússia.
Trinta e seis horas após o acidente, as autoridades soviéticas estabeleceram uma zona de exclusão de 10 quilômetros, que resultou na rápida evacuação de 50 mil pessoas. Esta zona de evacuação foi aumentada para 30 km, cerca de uma semana após o acidente. Outras 68 mil pessoas foram também evacuadas.
Entre os anos de 1986 e 2000 o número total de pessoas removidas devido à radiação, desprovidas de suas terras e de todas as suas posses, chegou a 400 mil!
O acidente alertou o mundo sobre a segurança na energia nuclear soviética. O encobrimento do desastre de Tchernóbil pelas autoridades, foi um catalisador para a glasnost, que “pavimentou o caminho para as reformas que levaram ao colapso do mundo soviético”.
Cerca de vinte minutos após o acidente, os bombeiros começaram a chegar ao complexo da usina. Os primeiros foram da unidade liderada pelo tenente Volodymyr Pravik. Eles não tinham sido informados a respeito do quão perigoso a radioatividade do local era, tanto a fumaça, quanto os destroços. O tenente Pravik faleceu em 9 de maio de 1986, treze dias após o acidente, como consequência do envenenamento por radiação. A grande maioria dos bombeiros recebeu também doses letais de radiação.
O efeito combinado da ação dos bombeiros e de centenas de helicópteros, que jogaram mais de cinco mil toneladas métricas de areia, chumbo, argila e boro no reator em chamas, conseguiu extinguir os focos de incêndio no teto da estação e proteger outro reato, o número 3, mantendo seu sistema de resfriamento intacto.
Hoje, entretanto, sabe-se que nada conseguiu penetrar no núcleo do reator nuclear!
A explosão e o fogo jogaram no ar partículas de combustível nuclear e outros mais perigosos produtos de fissão, além de isótopos radioativos como césio-137, iodo-131, estrôncio-90, dentre outros radionucleotídeos.
Para lidar com os destroços e produtos contaminados os soviéticos utilizaram, inicialmente, várias escavadoras controladas remotamente e carros-robô, mas essas iniciativas falharam em sua maioria.
Valery Legasov, primeiro diretor assistente do Instituto Kurchatov de Energia Nuclear de Moscou, disse em 1987: “Mas nós aprendemos que os robôs não são o grande remédio para tudo. Onde havia radiação muito alta, o robô deixou de ser um robô — os eletrônicos paravam de funcionar.”
Uma comissão para a gestão da crise foi estabelecida na tarde do dia do acidente. Foi formada por Boris Shcherbina, sob instruções do premier Mikhail Gorbatchov; o grupo de cientistas era encabeçado por Valeri Legasov, diretor assistente do Instituto Kurchatov, e incluía proeminentes cientistas, como o especialista nuclear Evgeny Velikhov, o hidro-meteorologista Iuri Izrael, o radiologista Leonid Ilin, entre outros.
Eles voaram para o Aeroporto Internacional de Boryspil e chegaram na usina na noite de 26 de abril. Nessa altura, duas pessoas já tinham morrido e outras 52 haviam sido hospitalizadas com envenenamento radioativo. A delegação logo obteve ampla evidência de que o reator havia sido destruído e que altos níveis de radiação estavam sendo despejados na atmosfera, levando a incontáveis contaminações.
Nas primeiras horas da manhã de 27 de abril, aproximadamente 36 horas após a explosão, foi ordenada a evacuação de Pripiat.
A população local, na noite do acidente, continuava com suas vidas normalmente, completamente alheios ao que estava ocorrendo. Contudo, nas horas posteriores a explosão, algumas pessoas começaram a ficar doentes. Fortes dores de cabeça e gosto metálico na boca, junto com graves tosses e vômitos.
Dez dias após o acidente, foi implementada a Zona de exclusão de Tchernóbil, cujo tamanho foi sendo expandido com o tempo.
Dois dias após a explosão, os níveis de radiação ficaram tão altos que foram detectados na Suécia, a mais de mil quilômetros de distância.
Às 21h02 de 28 de abril, o governo soviético emitiu, em rede nacional de televisão, seu primeiro pronunciamento oficial sobre o desastre. O anúncio tardio durou aproximadamente 20 segundos e foi lido no programa de TV Vremya:
“Houve um acidente na Usina de Força de Tchernóbil. Um dos reatores nucleares foi danificado. Os efeitos do acidente estão sendo remediados. Tem sido dada assistência para as pessoas afetadas. Foi criada uma comissão de investigação.”
Ao mesmo tempo, a ABC News divulgou seu próprio relatório sobre o desastre. Afirmou, inicialmente, que duas mil pessoas teriam morrido, citando uma fonte dentro de Pripiat. O governo soviético negou e afirmou que apenas duas pessoas tinham morrido nas primeiras vinte e quatro horas do acidente. Ambos os lados da Guerra Fria, seguindo a “teoria dos jogos”, tentavam pintar o outro lado da pior maneira possível.
Nos meses seguintes à explosão, a atenção das autoridades se voltou para a remoção dos destroços radioativos; havia aproximadamente cem toneladas de detritos como resultado da explosão e que tinham que ser removidos para garantir a construção segura de um “Sarcófago” – uma estrutura de concreto que sepultaria o reator e reduziria a poeira radioativa, que o núcleo aberto despejava na atmosfera.
Os materiais tiveram de ser removidos com pás manuais por “liquidadores” do Exército Soviético (chamados de ‘bio-robôs’ pelas autoridades). Os liquidadores removeram os destroços radioativos e se livraram da maioria deles, jogando-os de volta no reator aberto.
Em 21 de dezembro de 1986, a estrutura de concreto do “Sarcófago de Chernobil” começou a ser erguida no prédio do Reator 4 para selar o núcleo e todos os destroços radioativos que vazavam dele. Foi uma das maiores tarefas de engenharia civil da história, envolvendo 250 mil trabalhadores que se revezavam no trabalho para evitar serem expostos a muita radiação.
Enquanto isso, os liquidadores continuavam com a limpeza de toda a região ao redor de Chernobil, limpando os prédios e ruas com água e um fluido de polimerização criado para aglutinar a poeira radioativa e consequente remoção.
De acordo com a OMS, cerca de 240 mil trabalhadores foram engajados nas atividades de limpeza na zona de Chernobil entre 1986 e 1987. No total, mais de 600 mil pessoas trabalharam como “liquidadores”.
Após seis meses de investigação, em dezembro de 1986, com a ajuda de uma câmera remota, cientistas descobriram uma massa intensamente radioativa com mais de dois metros de largura no porão da Unidade Quatro, que eles chamaram de “Pé de Elefante” por sua aparência enrugada.
Posteriormente, em 1996, uma foto da substância foi tirada por Artur Korneyev e mandada para os Estados Unidos para análise. Na legenda da foto, dizia-se que o homem que a fotografara falecera pouco tempo depois, indicando que, mesmo após uma década, o “Pé de Elefante” permanecia altamente radioativo.
Impacto Ambiental e Humano.
Embora não se possam fazer comparações diretas entre o acidente e uma detonação nuclear explodida no ar, cerca de quatrocentas vezes mais material radioativo foi liberado de Tchernóbil do que nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, realizados pelos U.S.A..
Aproximadamente cem mil km² de terra foram significativamente contaminados com cinza nuclear, sendo as regiões mais atingidas na Bielorrússia, Ucrânia e Rússia. Níveis menores de contaminação foram detectados em toda a Europa, exceto na Península Ibérica.
Os efeitos posteriores de Tchernóbil devem ser vistos por mais cem anos, embora a gravidade dos efeitos diminua com o passar do tempo. Os cientistas relatam que isso se deve aos isótopos de césio-137 radioativos absorvidos por fungos como o Cortinarius caperatus, que por sua vez é comido por ovelhas enquanto pastam.
Um robô enviado para o reator retornou com amostras de outros fungos radiotrópicos negros, ricos em melanina, que crescem nas suas paredes.
O iodo tende a se concentrar nas glândulas tireoide e mamária, levando, entre outras coisas, ao aumento da incidência de cânceres de tireoide. O césio tende a se acumular em órgãos vitais como o coração, enquanto o estrôncio se acumula nos ossos e pode ser um risco para a medula óssea e os linfócitos. A radiação é mais danosa para as células que estão ativamente se dividindo. Nos mamíferos adultos, a divisão celular é lenta, exceto nos folículos capilares, na pele, na medula óssea e no trato gastrointestinal e é por isso que o vômito e a queda de cabelo são sintomas comuns da síndrome da radiação aguda.
Estima-se que cerca de quatro mil entre os cinco milhões de pessoas que residem nas áreas contaminadas possam ter desenvolvido câncer por conta do acidente.
Em 1990, crianças de áreas contaminadas por radiação foram ao exterior para tratamento médico após convites de governos estrangeiros.
De todos os 66 mil trabalhadores de emergência bielorrussos, em meados dos anos 1990, apenas 150 foram notificados pelo governo como tendo morrido devido ao acidente.
Em contraste, 5722 vítimas foram relatadas entre os trabalhadores de limpeza ucranianos até o ano de 1995, pelo Comitê Nacional de Proteção Radiológica da População Ucraniana.
É difícil estabelecer o custo econômico total do desastre. Segundo Mikhail Gorbachev, a União Soviética gastou 18 bilhões de rublos soviéticos (o equivalente a 18 bilhões de dólares na época, ou 41,1 bilhões de dólares em valores atuais) no processo de confinamento e descontaminação, o que praticamente faliu o país.
Um impacto econômico significativo na época foi a remoção de 784 320 hectares de terras agrícolas e 694 200 hectares de florestas. Embora grande parte desta tenha sido devolvida ao uso, os custos de produção agrícola aumentaram devido à necessidade de técnicas especiais de cultivo, fertilizantes e aditivos.
O atual Sarcófago da Usina Nuclear de Tchernóbil
Após o acidente, surgiram dúvidas sobre o futuro da usina e seu eventual destino.
Todo o trabalho nos reatores inacabados 5 e 6 foi interrompido três anos depois. O reator danificado, o 4, foi vedado e 200 metros cúbicos de concreto foram colocados entre o local do desastre e nos prédios operacionais.
Acontece que o problema na usina de Tchernóbil não terminou com o desastre no reator 4. Em outubro de 1991, um incêndio ocorreu no prédio da turbina do reator 2 e este foi desligado.
Já o reator 1 foi desativado em novembro de 1996, como parte de um acordo entre o governo ucraniano e organizações internacionais, como a AIEA, para encerrar as operações na usina.
Em 1997, o Fundo Internacional de Proteção de Tchernóbil foi criado para projetar e construir uma cobertura mais permanente para o sarcófago instável. Recebeu mais de 810 milhões de euros e foi gerido pelo Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD). O novo abrigo teve a sua construção iniciada em 2010 e concluído em 2016.
Em 15 de dezembro de 2000, o então presidente ucraniano Leonid Kutchma desligou pessoalmente o reator 3 em uma cerimônia oficial, fechando todo o local.
No entanto, em 12 de fevereiro de 2013, uma seção de 600 m² do telhado do prédio da turbina colapsou, região adjacente ao sarcófago, causando uma nova liberação de radioatividade e a evacuação temporária da área. Especialistas advertiram que o próprio sarcófago estava à beira do colapso.
Com a invasão da Ucrânia, as tropas russas se apossaram da usina de Tchernóbil, e ameaçaram repô-la em funcionamento. Os tanques e tropas percorrem caminhos que são próximos aos reatores inativados. Os mísseis e as bombas explodem. O pesadelo nuclear estará novamente à porta?
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