No decorrer da História da humanidade, quer sob a forma imperialista ou a nacional, trajando roupagem militar ou civil, o fascismo nos espreita permanentemente. E isso porque, na visão de Umberto Eco, o fascismo é um dos mais importantes arquétípos das próprias sociedades humanas.
E por ser um arquétipo, Eco conclama ser nosso dever, enquanto homens livres e pensantes, desmascarar o fascismo e apontar sempre o dedo em riste para cada uma de suas formas, em qualquer lugar onde apelos fascistas surjam à luz do dia.
E, nesse sentido, a liberdade e a libertação transformam-se em tarefas diuturnas, das quais não poderemos descurar sob a pena permanente do avanço da barbárie e da destruição dos valores civilizatórios penosamente construídos nos últimos séculos.
Para tanto, Eco lista os principais arquétipos para os quais devemos, permanentemente, estarmos atentos e dar-lhes combate:
· O culto da tradição como uma das bases do fascismo:
O tradicionalismo, ainda mais velho que o fascismo, possui como paradigma que todas as mensagens originais contêm pelo menos um germe de sabedoria, um quê de alguma “verdade” dita primitiva. Com isso o tradicionalismo visa claramente estabelecer uma impossibilidade para avanços no saber!
Se a verdade já foi anunciada de uma vez por todas, somente nos restaria continuar a interpretar sua obscura mensagem.
De todo modo, ao cultuar a tradição, o fascismo o realiza de uma maneira sincrética. Apanha conceitos de doutrinas e ideologias diferentes, municiando-se da artificialidade dessa reunião de doutrinas mesmo que teoricamente incongruentes entre si.
· O tradicionalismo como recusa da modernidade:
Se por um lado os fascistas adoram a tecnologia, por outro, o seu elogio da modernidade não passa de coisificação, dado que são adoradores de máquinas, não de ideias. No século XX, a recusa do modernismo camuflou-se com a pseudo condenação do modo de vida capitalista (Mussolini, na Itália; a utilização totalmente oportunista do “nacional-socialismo” alemão). Acontece que esta condenação era tão somente uma roupagem, urdida em conjunto com as elites, já que se tratava de afastar o “fantasma” do comunismo.
Na realidade, o fascista do século XXI vai ainda mais longe ao opor-se até mesmo ao Iluminismo e à “idade da razão” vistos como pontos de partida para a “depravação” moderna. Por este caminho, o arquétipo fascista esteia-se no irracionalismo.
· Culto da ação pela ação:
Trata-se de um fruto necessário do irracionalismo. A ação torna-se bela em si e deve ser realizada sem qualquer reflexão. O fascismo de ontem, de hoje e de sempre odeia “a cultura”, dado ser ela em si, uma atitude de crítica. A suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi e será um sintoma do fascismo.
· O banimento da crítica:
Na medida em que o espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal da modernidade, para o fascismo a crítica é sempre lida como desacordo ou traição, não importa o partido político em que o viés fascista se manifeste.
· A diversidade:
Quando o fascismo cresce, ele busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. Logo, é essência do mesmo a xenofobia, o ódio aos homossexuais, o racismo lhe é inerente.
· O eterno fascismo provém da frustração individual ou social.
A característica dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, pela humilhação política, pela falta de representatividade de seus agentes (os políticos), assustadas pela pressão de grupos sociais que aquelas consideram inferiores. E essa ampla classe média consisti e consistirá sempre a maioria do auditório fascista.
Para aqueles que se sentem privados de qualquer identidade social, o fascismo lhes diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: terem nascido em um mesmo país.
Esta é precisamente a origem do “nacionalismo”. O fascismo carrega o viés de que os únicos agentes que podem conferir autenticidade ao “nacional” serão os inimigos da nacionalidade, sejam eles internos ou externos. Daí a obsessão pelo complô, pelo golpe, pelas invasões de outros países, pelas guerras.
Para levar este tipo de “nacionalistas” aos extremos, os defensores do fascismo precisam se sentir sitiados e o modo mais rasteiro e facilmente sentido são novamente a xenofobia e o racismo.
Se os adeptos do fascismo sentirem-se humilhados pela riqueza ostensiva ou pela força do inimigo, a doutrina do “faccio” leva-o a supor que podem vencê-lo. É por isso que, os regimes fascistas se fortalecem com a visão de que os inimigos, quer os internos, quer os externos, sejam ao mesmo tempo, fortes e fracos demais.
· Para o eterno fascismo não há luta pela vida, mas, sim, vida pela luta.
Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo, a vida uma guerra permanente.
· O elitismo é o mesmo de qualquer ideologia reacionária.
No curso da história, todo elitismo aristocrático ou militarista implicou em desprezo pelos fracos. O fascismo prega um “elitismo popular”. Logo, todos os cidadãos pertencem ao melhor dos povos, os membros dos partidos, são os melhores cidadãos. E todo cidadão deve pertencer ao partido.
Embora o líder fascista saiba que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela pressão e pela força, sabe igualmente que sua força se baseia na debilidade das massas populares, tão fracas que têm “necessidade e merecem” um dominador.
Ao se organizar, o fascismo cria estruturas em que um líder despreza seus subordinados, do mesmo modo em que seja desprezado pelo chefe. Isto reforça o “elitismo de massa.”
Cada fascista é um forte. Cada caído, mesmo que seja da tribo fascista, um fraco.
· Fascismo e morte.
Cada membro de uma organização fascista é educado para tornar-se um “herói”, um ser “exemplar”. No fascismo de sempre o heroísmo é norma, na justa medida em que este culto liga-se a outro: o da morte! O fascista espera impacientemente sua morte e enquanto esta não chega ele assassina “banal e brutalmente ” outros mortais.
· Jogos sexuais.
Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista deriva a sua vontade de poder para jogos sexuais. Aí está a origem do machismo, da intolerância para com os homossexuais, a base de uma “cultura” de estupro dos seres imediatamente inferiores aos machos: as mulheres.
· O populismo qualitativo.
No populismo qualitativo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e o “povo” é concebido como uma entidade de personalidade monolítica, que somente expressa uma vontade comum, a qual tem em seu líder o único intérprete.
E os cidadãos, tendo perdido o poder de delegar, não agem mais, sendo chamados exclusivamente para assumirem o papel de “povo de massa”.
O populismo qualitativo hoje é disseminado por televisões, redes sociais, locais em que a resposta e a participação de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como “a voz do povo”, ou seja, as “assembleias religiosas”, onde impera o deus da recompensa financeira e do ódio ao diferente.
O fascismo, em virtude de seu “populismo qualitativo” opõe-se aos “pútridos partidos parlamentares”. Por isso, cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade democrática, pode-se sentir nele o cheiro do fascismo.
· A linguagem empobrecida.
O fascismo fala sempre uma nova língua, língua onde o léxico é pobre, a sintaxe elementar, tudo é simplificado e “popular”, um excelente instrumento voltado a limitar o surgimento de qualquer tipo de raciocínio complexo, abstrato ou crítico.
Ser ninguém é pior que ser mau; esse ser ninguém se revela inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são, no mínimo, pessoas. É isto que faz da banalidade do mal, do fascismo, o pior dos males: espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia, ou apesar de qualquer que seja o viés ideológico. (Jaspers).