Apesar de ser procurado internacionalmente, o genocida Franz Stangl nem sequer se deu o trabalho de alterar seu nome ao chegar ao Brasil. Auxiliado por outros nazistas e simpatizantes, trabalhou em tecelagens e em 1959 ingressou na Volkswagen do Brasil, sob o respaldo da própria presidência da empresa! Não seria ele o primeiro e nem o último criminoso de guerra a ser acoitado pela Volkswagen no mundo. Filho de um vigilante noturno sem profissão definida, o austríaco aprendeu a tocar cítara e passou a ganhar algum dinheiro ensinando música. Mas os tempos eram difíceis e o desiludido e pouco afeito ao trabalho Stangl decidiu entrar para a polícia austríaca em 1931, como simples investigador. O Partido Nazista austríaco era, nesta época, ilegal, mas a ele o fracassado músico logo se filiou. Após o “anschluss”, a anexação militar da Áustria pela Alemanha em 1938, toda a polícia austríaca sofreu um enorme expurgo; com isto, Stangl foi rapidamente subindo na escala de comando. Em 1940, por ordem direta de Himmler, Stangl se tornou superintendente do Aktion T4, o programa de eugenia da raça ariana, onde pessoas com problemas físicos e mentais eram simplesmente executadas. Durante sua administração, ao redor de 15.000 pessoas foram assassinadas em busca de uma propalada “eugenia racial”. Em princípios de 1942, ele foi transferido para a Polônia. Primeiramente, foi o comandante em chefe do campo de extermínio de Sobibor. Durante seu comando, calcula-se que aproximadamente 100 mil judeus e ciganos tenham sido assassinados. Graças à sua eficiência, logo em setembro de 1942, Stangl foi transferido para um comando maior, o de Treblinka, aquele que seria o primeiro campo de extermínio a utilizar câmaras de gás para o holocausto. Stangl coordenou a utilização para extermínio maciço do gás Zyklon B, desenvolvido pelo laboratório químico-farmacêutico Bayer, através de sua subsidiária IG Farben, sob encomenda do governo de Hitler. Como complemento, Stangl supervisionou diretamente a instalação de enormes fornos crematórios com capacidade de até 10.000 incinerações diárias, dado que a quantidade enorme de cadáveres produzida impedia o trabalho corriqueiro de inumação em valas comuns. Os fornos eram encomendados à empresa J.A. Topf & Söhne. Enquanto o campo esteve em operações, sob o comando de Stangl, ao redor de 800 mil prisioneiros, principalmente judeus, foram executados em Treblinka. Franz Stangl trabalhou por oito anos na Volkswagen do Brasil, entre 1959 e 1967. Após o Golpe Militar de 1964, em comum acordo com os órgãos de repressão política, Stangl montou um setor de monitoramento e vigilância na unidade de São Bernardo do Campo para espionar operários da fábrica, como revelou a Comissão Nacional da Verdade, em 2014. A estrutura montada por Stangl, sob a complacência da alta direção da empresa, era complexa e contava com dezenas de policiais e membros das Forças Armadas brasileiras. Quando a guerra mundial aproximava-se do final com a destruição do III Reich, Stangl fez o que pode para estar do lado ocidental. Se fosse preso pelos russos seria, com certeza, ou preso ou imediatamente eliminado. Conseguiu ser feito prisioneiro pelo Exército Americano e ficou detido na Áustria. Acontece que o presídio americano não primava pela segurança e, disfarçados de mulheres visitantes, Stangl fugiu para a Itália na companhia de seu colega de Sobibor, Gustav Wagner, o mesmo que seria protegido pela ditadura militar brasileira, vindo a morrer na fatídica cidade de Atibaia. (vide: https://www.proust.com.br/post/o-caso-do-genocida-gustav-wagner-e-a-fat%C3%ADdica-cidade-de-atibaia) Chegando à Itália, os dois criminosos nazistas foram abrigados por funcionários do Vaticano encabeçados pelo bispo Alois Hudal, que os ajudaram a fugir para a Síria com passaportes falsos da Cruz Vermelha. A participação de Hudal, um dos bispos mais próximos de Pio XII quando descoberta, causou grande escândalo e o bispo sentiu-se obrigado a se desligar da Igreja Católica em 1951, evitando sua expulsão. Jamais os laços entre o Vaticano e Israel foram tão tensos! Stangl e sua família viveram na Síria por três anos antes de se mudarem para o Brasil em 1951. Chegando aqui, Franz Stangl não teve nenhum receio em se registrar no consulado austríaco de São Paulo, utilizando o próprio nome. Afinal, a Áustria não emitiria mandado de prisão contra ele até 1961 e só o fez sob enorme pressão. Sempre que Simon Wiesenthal conseguia levar a julgamento algum dos criminosos nazistas, a mídia mundial chamava-o de “caçador de nazistas” ou “vingador dos judeus”. Na verdade, seu interesse maior era manter viva a lembrança das barbáries do império de terror nazista. Seu desejo não era fomentar o ódio ou praticar vingança, mas obter justiça pelas vítimas. Simon foi o único membro de uma numerosa família que sobreviveu à máquina de extermínio dos nazistas. Assim, Wiesenthal considerou que sua sobrevivência o incumbia da missão de ajudar a assimilar e superar o terrível passado, evitando que um dia o holocausto da bestialidade nazifascista voltasse a acometer a humanidade. E foi Simon Wiesenthal quem farejou a presença de Stangl no Brasil. Graças a ele, o fato tornou-se um escândalo internacional: a Áustria vista como conivente e o Brasil, um porto seguro para criminosos! Somente seis anos após a denúncia, Stangl foi preso pela nossa Polícia Federal, em 1967! Chegaram ao Supremo Tribunal Federal três pedidos de extradição, feitos pelos governos da Áustria, Polônia e Alemanha sob a acusação de coautoria em crimes de homicídios em massa. Então, o STF autorizou a extradição. Na Alemanha, Stangl foi julgado e considerado culpado das acusações de genocídio e condenado à prisão perpétua, em outubro de 1970. Durante seu julgamento, o acusado admitiu as mortes, mas argumentou: “Minha consciência está tranquila. Eu estava simplesmente cumprindo ordens…”.
Morreu no presídio um ano após, de parada cardíaca. O “caso Stangl” foi revelado na Alemanha por uma força-tarefa investigativa das emissoras NDR e SWR e pelo jornal Süddeutsche Zeitung. Concluiu o jornalismo investigativo que a Volkswagen do Brasil chegara até mesmo a recomendar um advogado a Stangl depois que ele fora preso, em 1967. A comunidade judaica reclamara sobre a ajuda oferecida a Stangl e exigira a intervenção do embaixador alemão no Brasil, como mostram documentos do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Os periódicos alemães também noticiaram que o ex-presidente do Grupo Volkswagen na Alemanha, Carl Hahn, dissera ao parlamento que não havia informações sobre a história de Stangl, um dos criminosos de guerra mais buscados em todo o mundo: “Nós não sabíamos de cor os nomes dos comandantes dos campos de concentração”, argumentou cinicamente! Logo depois da prisão do genocida, o então chefe da Volkswagen do Brasil, Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk, que tinha sido membro do Partido Nazista alemão, enviou uma carta à sede da montadora em Wolfsburg para justificar por que a empresa não sabia sobre o passado de Stangl. Schultz-Wenk disse que a legislação brasileira (durante a ditadura militar!) proibia a coleta de informações sobre os trabalhadores! E mais: “A VW no Brasil é indiferente à qual religião alguém pertence”, escreveu. Mas no caso de Stangl, ressalta a reportagem, não se tratava de crença, mas de assassinato em massa, de genocídio!