O cerne da alma profunda dos norte-americanos em seu nascedouro.

Dois pensadores do cerne da literatura clássica norte-americana do século XIX e um crítico britânico do século XX, se dedicaram a buscar a essência da alma “branca “norte-americana” em sua origem.

Nathaniel Hawthorne escreveu no século XIX um clássico da literatura norte-americana: “A Letra Escarlate”, e nela realiza uma dissecação da alma americana no seu nascedouro no século XVII, o evangelismo puritano em espansão e o surgimento de uma águia feita de ódio e intolerância que, no futuro, tornar-se-ia o símbolo do maior Império do mundo.

O inglês D.H. Lawrence, autor de “O amante de Lady Chatterley”, na primeira metade do século XX, ao comentar Hawthorne nos diz, em “Estudos da Literatura Clássica Americana”:

“O olhar do leitor precisa ir além da superfície da arte americana para ver o diabólico interno, seu significado simbólico. Do contrário, tudo não passaria de infantilidade. A consciência deliberada de americanos tão loiros e de fala tão mansa, e, por baixo, uma consciência diabólica”.

“Destrua! Destrua! Murmura a consciência profunda. Ame e produza! Ame e produza! Repete a consciência aparente”.

E o mundo só ouve o último destes dois grasnidos. “Recusa-se a ouvir o murmúrio subjacente da destruição. Até o momento em que é obrigado a ouvir”.

Isto por que, na essência do império norte-americano está a consciência a pulsar: “O americano precisa destruir. É o seu destino. ”

Hawthorne, como norte-americano confessa: “Nós não podemos evitar nós mesmos”, “pois embora saibamos o que devemos ser e o que seria muito belo e encantador que o fôssemos, ainda assim, não conseguimos sê-lo”.

Herman Melville, outro ícone da literatura clássica americana, o épico escritor de “Moby Dick”, dizia a respeito de seu amigo e escritor:

“Hawthorne diz Não! Nem o próprio diabo conseguiria fazê-lo dizer Sim, pois todos os americanos que dizem sim mentem… e todos os que dizem não estão na condição de felizes judiciosos viajantes que percorrem a Europa sem bagagens: eles cruzam as fronteiras da Eternidade com apenas uma bolsa de viagem- quer dizer, o próprio Ego. ”

A origem de um país perverso e calvinista.

“A Letra Escarlate”, escrita em 1850, não é um romance agradável, gracioso. Está mais para uma espécie de parábola, na qual devemos buscar os sentidos ambíguos de cada episódio, de cada “persona”; uma história mundana com um sentido demoníaco, o da intolerância e o da destruição.

Talvez seja um dos mais importantes livros jamais escritos em norte-américa! E o mínimo que podemos considerar a respeito deste, um romance de não mais de duzentas páginas, é que ele é surpreendente, amargo e fabuloso! Tendo como enredo uma história contada sobre a Boston puritana do século XVII, ele não somente disseca a alma americana em sua origem, como nos remete à intolerância e à sua desumanidade dos dias de hoje.

Uma história profundamente humana que nos dá o retrato sombrio do puritanismo calvinista e da hipocrisia e maldade da malta que o segue, nele enrustidas, assim como a complacência e anuência dos juízes e autoridades.

Afinal, as primeiras ações de toda comunidade puritana que se implantava na Nova Inglaterra, consistiam em erguer uma cadeia e seu pelourinho da humilhação, castigo, torturas e execução, assim como o cemitério comunitário e uma pequena igreja para o louvor a seu deus.

A lei e a religião eram para aquela gente quase a mesma coisa, “e em cuja mentalidade ambas se fundiam de tal maneira que os mais severos e os mais suaves atos de disciplina coletiva eram, igualmente, veneráveis e terríveis”.

O pecado, a culpa, o ódio, a ausência de amor; a presença da luxúria, da paixão, do destemor e da covardia, da coragem e do orgulho, da traição e da pusilanimidade; a automutilação e o sadomasoquismo, todos eles estão presentes e marcados a ferro e fogo nos personagens do drama.

Esses são os componentes dessa história que ocorre entre imigrantes ingleses nas terras de Boston, por volta de 1650.

A alma americana no seu próprio berço.

A ação se inicia quando a bela Hester Prynne, mãe com marido desconhecido e nunca presente, é exposta, com sua filha de três meses, à execração pública. Sobre o peito, no lado esquerdo, a Letra A, de adúltera, em cor escarlate. Ela é levada da prisão, lugar de uma mulher pecadora, para ser exposta no pelourinho na praça do mercado, ao lado da cadeia.

Numa plataforma elevada da igreja está representado o Poder: o governador, o mais velho dos sacerdotes de Boston e um jovem pastor, o senhor Dimmesdale, chegado recentemente da Inglaterra, dono de grande fervor e eloquência religiosa. E, logicamente, a guarda garantidora do poder, com suas lanças e porretes.

Cabe ao jovem Dimmesdale chamar Hester à responsabilidade de delatar o seu amante, o pai da criança “nascida em pecado”. Hester se nega, jamais dirá! Prefere carregar só a sua culpa e voltar à prisão com sua filha, a rebaixar-se perante aquela assembleia rude, invejosa, sequiosa de seu sangue e de seu romance.

Acontece que, na verdade, o hipócrita e covarde pastor Dimmesdale é o pai da criança de Hester, de nome Pérola.

Hester, depois de algum tempo, em liberdade, vive de suas rendas e agulhas, distante de todos, numa pequena cabana, absolutamente só com a filha Pérola. Chegamos, então, aos sete anos do nascimento da garota. A história caminha para seu apogeu e desenlace. E a luz e a sombra alternam-se nos personagens e na natureza.

Pérola é mais luz que sombra, enquanto Hester já é penumbra. Ela somente consegue ser luz quando retoma a sua sensualidade, que por tantos anos retraiu-se e, nesse momento, arranca o seu A da vergonha e tenta convencer o pastor Dimmesdale a fugirem os três para a Austrália ou para Londres, para a vida!

Mas a covardia do pastor jamais permitiria que ele deixasse sua comunidade.

Melville comenta: “O negrume é como uma nuvem negra que só se torna visível e audível pelos traços fugazes dos relâmpagos e trovões que o exprimem. As brilhantes cintilações que se dão a ver não são senão franjas a jogar sobre as bordas de nuvens de tempestade. ”

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