O botânico e geneticista de proa, Nikolai I. Vavilov, tinha um sonho: acabar com a fome no seu país e no mundo! Morreu assassinado por fome.

Vavílov nasceu em 1887. A Rússia czarista tinha uma longa história de fome causada pela pobreza, secas e eventos climáticos catastróficos. As perdas na colheita eram frequentes.

Ao ver o sofrimento causado pela falta de comida, Vavílov tomou para si a missão de fazer algo para que isso não mais acontecesse. Assim, quando estudou, interessou-se especialmente pelas então emergentes disciplinas científicas de botânica e genética.

A ideia que cresceu no recém doutorado Vavílov, era cultivar plantas que resistissem a condições adversas, sem alteração em seus genomas.

Em outras palavras, sua tese principal visava a sustentabilidade dos sistemas produtivos de alimentos no mundo, devendo-se evitar a uniformidade em termos alimentares, valorizando a culinária da biodiversidade por regiões, cultivos em pequenas propriedades, evitando qualquer interferência no material genético dos produtos alimentícios, o que os tornariam sensíveis a pragas.

Nos primeiros anos após a Revolução Russa, Vladimir Lenin entendeu o potencial econômico do sonho de Vavílov e o apoiou totalmente em seus trabalhos e expedições. Defendeu claramente Vavilov em assembleias do Partido, com o objetivo de tornar a URSS líder na produção mundial de alimentos.

Entre 1919 e 1935, o cientista viajou por quase todo o mundo para coletar plantas. Esteve nos cinco continentes e em 52 países, inclusive esteve no Brasil (pelo qual se apaixonou, tal nossa biodiversidade). Formou, então, uma das maiores coleções de plantas do mundo, o equivalente a 250 mil exemplares entre diferentes sementes e mudas de plantas comestíveis, que ficaram armazenados em uma Instituição em Lenigrado (hoje Petersburgo) da então União Soviética.

Lá, a partir de 1936, ele criou sete centros de cultivo e estudos botânicos e genéticos, em Leningrado. Cada centro corresponderia a áreas geográficas de distintas biodiversidades e conteria exemplares de vegetais essenciais para a alimentação humana, oriundos de cada uma daquelas áreas específicas. Nessa altura, Vavilov era um geneticista reverenciado mundialmente, tido como um dos continuadores de G. Mendel.

Tornou-se diretor do Escritório de Botânica Aplicada e presidente da Academia Lenin de Ciências Agrárias da União Soviética, o que lhe deixou à disposição um grande número de estações experimentais. Sob seu comando, Vavílov tinha cerca de 25 mil pessoas espalhadas por toda a URSS.

O negro ano de 1937. A prisão de Vavilov.

Por ordem expressa de Stalin, O Congresso Internacional de Genética de 1937, agendado em Moscou, foi cancelado às vésperas.  

Na URSS liderada pelos stalinistas, cientistas afiliados a pessoas de fora do país eram vistos como possíveis conspiradores contra o governo e este seria o caso do líder máximo daquele Congresso, Vavilov.

Stalin não tinha paciência para estratégias de longo prazo, como o plano global de segurança alimentar que Vavilov  (e Lênin) tinha em mente, e eles e seus companheiros achavam burguês o pensamento de que as plantas poderiam herdar e transferir genes.

Três anos após, em 1940, enquanto colecionava sementes nos campos ucranianos, Vavilov foi detido pela polícia secreta soviética sem maiores explicações.

Um dos biólogos mais admirados do mundo e um dos principais pioneiros no campo da criação de plantas por biomas, e de genética, Vavílov desapareceu sem deixar vestígios.

Ninguém sabia que ele havia sido preso sob acusações de espionagem, sabotagem e destruição, nem que havia sido condenado à morte em um julgamento secreto em 1941, uma pena que foi convertida para 20 anos em um gulag, um dos campos de trabalhos forçados soviéticos.

Em 1955, o destino de Vavilov foi conhecido, e, em 1960, veio sua glorificação.

Com a morte de Stalin e a ascensão de Kruschov, a verdade veio à tona.

Documentos mostraram que, antes do julgamento fraudulento, a polícia, em busca de uma confissão, o submeteu a 1,7 mil horas de interrogatórios brutais durante 400 sessões.

Nem sua mulher, nem seu filho, nem seus colegas foram informados de que, enquanto a URSS estava lutando contra os nazistas, as condições no gulag se deterioraram a tal ponto que, depois de tentar sobreviver comendo repolho congelado e farinha mofada, Vavílov morrera de fome em 26 de janeiro de 1943.

“O poder soviético não pune, corrige”, dizia o slogan na parede de uma velha cela de castigo de um gulag.

Em 1960, Dr.Vavilov foi reconhecido na Rússia como um herói da ciência soviética, com direito a nome em unidades de estudos botânicos e genéticos!

Diz a esse respeito o professor Boris Schnaiderman: “Devemos fazer o mesmo (que Vavilov preconizava). Toda vez que optamos por uma espécie nativa como a mandioca no lugar de uma espécie estrangeira, estaremos homenageando Vavilov e prestigiando a biodiversidade brasileira”.

Os porquês da acusação de espionagem, sabotagem e destruição.

Anos antes, Vavílov convidara um jovem camponês para trabalhar como seu assistente de campo. Seu nome era Lysenko. Impressionado pela diligência e pelo entusiasmo de Lysenko, Vavílov o nomeou para a Academia de Ciências da Ucrânia em 1934. O que Vavilov não imaginava era o nível de inveja e ressentimento de seu protegido contra si mesmo!

Por outro lado, Stalin precisava de um bode expiatório para a fome e o fracasso de sua coletivização forçada de fazendas e Vavílov era o candidato ideal.

E havia um traidor e pseudocientista disponível para isto: Lysenko!

Lysenko passara a rejeitar, da noite para o dia, toda a genética mendeliana e em tudo o que se sustentava a ciência de Vavílov!

Lysenko e seus colegas lamarckianos (seguidores do biólogo Jean-Baptista de Lamarck) eram conhecidos como “biólogos progressistas” e argumentavam que se podiam alterar características herdadas apenas mudando as condições externas em que viviam uma planta ou um animal.

In extremis, as condições de vida na URSS poderiam modificar a genética humana e produzir “O HOMEM NOVO. ”

Nada disso tinha o menor fundamento científico, mas servia à política.

Em 1948, a Academia Lenin anunciou que o lysenkoismo deveria ser ensinado como a única teoria correta.

Tal regra durou até meados da década de 1960.

O legado de Vavilov nos dias de hoje.

O legado de Vavílov está mais presente hoje do que nunca, quer seja na teoria da biodiversidade para o enfrentamento dos desastres climáticos do século XXI, quer seja em seu banco de sementes em São Petersburgo, que foi preservado, é chamado de “Jardim Botânico e Instituto de Pesquisa Panruso NI Vavílov” e 12 de suas estações de pesquisa ainda estão operando em diferentes regiões climáticas da Rússia.

Além disso, a sua classificação de ” centros de origem ” (regiões onde o processo de domesticação de uma espécie começou e onde existem parentes silvestres que deram origem a esse cultivo) é considerada uma das mais completas e, com algumas modificações, é a que vigora até hoje no mundo todo.

Segundo Boris, citando o cientista Nahab, seu legado é ainda maior:

“Todas as nossas noções sobre diversidade biológica e a necessidade de diversidade de alimentos em nossos pratos para nos manter saudáveis brotaram de seu trabalho”.

Fontes: Schnaiderman, B. “Os escombros e o mito: a cultura e o fim da União Soviética”. Cia. das Letras.

Pringle, P.. “O Assassinato de Nikolai Vavilov: A História da Perseguição de Stalin a um dos Grandes Cientistas do Século XX”. Simon and Schuster.

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