O mês começou marcado pelos desastres russos na guerra contra o Japão: o final de uma guerra vergonhosamente perdida para um Exército muito menor e pior equipado.
Ao mesmo tempo, no princípio do ano, surgiram grandes levantes populares nas cidades, assim como a invasão e a destruição de propriedades rurais por camponeses famintos e em fúria.
Depois desse ano, nem a Rússia, nem o czarismo dos Romanov voltariam mais a serem os mesmos!
O dia 22 de janeiro.
Sob a liderança de um sacerdote comprometido com as lutas populares, o padre Gapon, uma enorme massa de manifestantes, mais de duzentos mil homens, mulheres e crianças, surgida de todos os pontos da capital, São Petersburgo, postou-se em frente ao palácio do czar Nicolau II.
Misturadas com bandeiras religiosas, surgiam aquelas que reivindicavam jornadas de oito horas e reforma agrária e constituinte.
Preocupado com que a manifestação fosse pacífica, os auxiliares de Gapon vigiavam para que ninguém estivesse armado, nem mesmo com paus ou pedras.
Acontece que por ordem pessoal do czar Nicolau II, que estrategicamente viajara, vinte mil soldados abriram fogo contra a multidão desarmada.
Foram fuziladas e massacradas por baionetas, espadas ou coices de cavalos, milhares de crianças, mulheres e homens. Pela Perspectiva Niévski, rios de sangue rolavam e coagulavam.
Os corpos tardaram mais de três dias para serem todos recolhidos e atirados em fossas rasas, cavadas nos pântanos.
Quando o czarismo julgava ter vencido a batalha, ocorreu a revolta dos marinheiros do encouraçado Potemkin, seguida pelo hasteamento de uma bandeira vermelha na nau da capitânia do mar Negro.
Logo após, uma greve operária que parou Odessa. Em seguida, uma greve dos ferroviários começou em Moscou, e a eles se juntaram os telegrafistas e telefonistas que terminaram por paralisar as comunicações de toda Rússia.
Os conselhos populares.
Ao grande massacre de 22 de janeiro, seguiu-se o surgimento de conselhos populares, denominados de sovietes, sendo o mais forte deles o dos trabalhadores de São Petersburgo, que, ao final, colocariam o czarismo de joelhos.
O escritor simbolista Andrei Biéli escreveu um romance denominado de “Petersburgo”, com o qual genialmente combina o real e o imaginário, o grotesco e o lírico, o trágico e o cômico ao retratar a cidade e o ano de 1905. Pertence a ele a descrição do clima que se estende até o final do ano; tempo de esperanças radicais e eventos terríveis.
Petersburgo é uma cidade rodeada por um anel de fábricas de muitas chaminés. Como um enxame, muitos milhares de pessoas a elas se dirigem pela manhã, e os subúrbios ficam vazios. Nos dias de hoje [outubro], todos vivem em permanente agitação.
Os trabalhadores se transformaram em sombras tagarelas e entre elas circulam pistolas Browning. E alguma coisa mais.
“A agitação que cercava Petersburgo então começou a penetrar no próprio centro da cidade […]. Ouviam-se agora brados perturbadores contra o governo por parte de garotos de rua que a toda velocidade corriam da estação de trem ao Almirantado, agitando trapos imundos”.
Calcula-se que durante o ano de 1905 mais de três milhões de pessoas se manifestaram contra o czarismo. Em outubro, mais de um milhão de trabalhadores cruzaram os braços, e muitas das greves tiveram, inclusive, o apoio de patrões absolutamente insatisfeitos com o czarismo.
Para se manter no poder, o czarismo realizou algumas concessões, ao mesmo tempo que fortalecia as tropas que retornavam da guerra perdida contra o Japão, dispondo-as para a repressão.
O czar Nicolau II foi convencido a não ordenar outro massacre como era de seu instinto fazê-lo, pois os soldados poderiam se confraternizarem com as multidões.
Em outubro, o governo divulgou um manifesto prometendo, pela primeira vez na história da Rússia, eleições e uma Constituição, a qual, entretanto, nunca foi estabelecida sob os Romanov.
Permitiu, entretanto, a criação da Duma Nacional (um parlamento) e a existência de partidos políticos, destacando-se os dois Partidos Socialdemocratas, como o Menchevique, que defendia uma reforma gradual com o apoio da burguesia, e o Bolchevique, que defendia a ação revolucionária.
Os partidos, no entanto, mesmo legalizados, eram sistematicamente vigiados, e a Duma era controlada pela aristocracia e pelo próprio czar, que poderia dissolvê-la a qualquer momento. De todos os modos, o czarismo, com essas medidas, conseguiu seu objetivo de sobrevivência por mais uma década.
Ao final do ano, tivemos o refluxo do movimento popular. Muitos líderes oposicionistas foram presos ou exilados, e os sovietes foram colocados na ilegalidade e fechados. Mas a Revolução de 1905 havia, apenas formalmente, fracassado. O czarismo havia perdido todo o apoio popular. Os mujiques que viam o czar como um pai, um protetor do povo, após o Domingo Sangrento, teve esse sentimento desaparecido.
Ao Domingo Sangrento se somaram fatores que faziam crescer o descontentamento da população. O clímax desse processo seria atingido anos depois, durante a participação da Rússia na carnificina da Guerra Mundial.
Referindo-se a esse momento histórico, disse Lênin posteriormente: “Foi só então que a velha Rússia rude, patriarcal, religiosa, submissa livrou-se do passado; só então o povo russo conseguiu receber uma educação verdadeiramente revolucionária”.
Após 1905, Lênin foi o líder mais importante dentre os socialdemocratas russos a crer que a história se faz com homens, atitudes e classes sociais em luta.
“Das massas surgirá um número cada vez maior de revolucionários profissionais […]. Num sistema despótico como o russo não se pode ter democracia em um partido revolucionário, como não se pode tê-la em qualquer instituição […]. Os socialistas alemães podem se dar ao luxo da democracia, pois até seus congressos são públicos”.
“1905 é um brilhante precursor da História, o arauto da Grande Revolução”, diria o brilhante jovem revolucionário e futuro comandante do Exército Vermelho, Liev Trotsky.
Referência: Russo Jr., C.. Textos e Contextos de Dostoievski à geração prejudicada. Ed. Telha.