Em fevereiro de 1964, a habilidade e a experiência do diplomata de carreira José Jobim levou-o a ser designado para uma missão delicada: negociar com as autoridades paraguaias o aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná.
Jobim conhecia bem o tema, pois tinha servido na embaixada em Assunção. Chegou à conclusão de que os paraguaios tinham direito a usar o potencial energético das águas fronteiriças, e sugeriu uma solução: a construção de uma hidrelétrica cujo lago deixaria submersas as cataratas de Sete Quedas, resolvendo assim o litígio dos limites entre Brasil e Paraguai, ao mesmo tempo permitindo o aproveitamento conjunto da energia hidrelétrica pelos dois países, em igualdade de condições.
Dois anos depois, em 1966, Jobim estava presente quando os chanceleres do Brasil e do Paraguai assinaram a “Ata de Iguaçu”, que daria origem à Usina hidroelétrica binacional de Itaipu.
Em 1971 principiava a construção da maior obra de Ditadura Militar.
Entretanto, a Usina de Itaipu custou dez vezes mais que o previsto, totalizando cerca de US$ 30 bilhões!
Em março de 1979, tomou posse em Brasília o ditador João Batista Figueiredo e, com ele, o chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, amigo do diplomata agora aposentado, José Jobim.
Durante a cerimônia, Jobim comentou com poucos amigos, dentre eles o próprio chanceler, que estava escrevendo suas memórias e nelas um tema seria explosivo: denúncias de superfaturamento na construção de Itaipu, comprovadas por extensa documentação, guardada numa mala trancada em seu próprio quarto!
O senador Gilberto Marinho, então, chamou Jobim num canto e pediu que ele parasse de falar no assunto, porque as pessoas que iria denunciar estavam todas, uniformizadas ou não, presentes na própria recepção.
Jobim em sua inocência assinara a própria sentença de morte!
José Jobim, na juventude, fora jornalista, um jornalista liberal que possuía ódio por ditaduras. Na década de 30, foi correspondente de os “Diários Associados” na Europa e publicou livros e artigos criticando a ditadura de Salazar, da Alemanha nazista e da União Soviética stalinista.
“A Alemanha que recuou para a barbárie medieval”. Em 1936, ao visitar a União Soviética escreveu: “Caminha para se assemelhar aos regimes fascistas, onde o Estado é tudo e o indivíduo pouco influi. Visitar a URSS equivale a sair, digamos, anticomunista”.
Retornando ao Brasil, cursou e se diplomou pela Escola Superior de Guerra.
Em 1938, Jobim entrou para o Itamaraty, dando início a uma longa e produtiva carreira. Como diplomata, exerceu diversas funções de relevo, tanto no Japão, quanto nos EUA, Oriente Médio, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Entre 1953 e 1954 ocupou o cargo de oficial-de-gabinete do ministro das Relações Exteriores, Vicente Rao. Ascendeu a ministro de segunda classe em 1954 e nesse ano foi nomeado consultor da Comissão Mista Brasil-Argentina e membro da delegação brasileira à Décima Conferência Interamericana, realizada em Caracas.
Durante o governo Café Filho (1954-1955) assumiu a chefia do cerimonial da Presidência da República. De 1955 a 1956 atuou como ministro plenipotenciário na Finlândia, e entre 1958 e 1959 foi ministro conselheiro e encarregado de negócios em Assunção e chefe da seção brasileira da Comissão Mista Brasil Paraguai.
José Jobim se aposentou do Itamaraty em 1975.
No mesmo ano, fundou como os dois filhos de seu casamento com Lígia Collor Jobim, a pequena Editora Brasília/Rio. Uma de suas primeiras publicações foi o romance “Zero”, de Ignácio de Loyola Brandão, censurado e proibido no governo Geisel por atentar contra a moral e os bons costumes.
Uma semana depois da recepção de posse de Figueiredo, em 22 de março DE 1979, Jobim voltou ao Rio de Janeiro e, logo depois do almoço, saiu de sua casa no Cosme Velho para encontrar um amigo. Jamais chegou a este encontro e nem retornou a casa!
Na manhã seguinte, a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca ligou para a família de Jobim e informou que ele havia lhe entregado um bilhete meia hora antes. O diplomata contava que fora sequestrado em seu próprio carro e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”, onde logo seria libertado.
Este tal bilhete jamais foi periciado!
Seu corpo, entretanto, foi encontrado dois dias depois com marcas claras de tortura, por garis. Fora enforcado com uma corda de náilon num arbusto perto da Ponte da Joatinga, na Barra da Tijuca. Tal qual no assassinato de Vladmir Herzog, assassinado pelo DOI-CODI seis meses antes, seus pés, com as pernas curvadas, tocavam o chão!
A investigação sobre a morte de Jobim ficou a cargo do delegado Ruy Dourado, um velho cúmplice dos porões da ditadura.
Dourado, no Uruguai, participara da perseguição aos brasileiros exilados depois do Golpe de 1964 como elo com a polícia local, e também esteve em missão no Chile, no final do governo de Salvador Allende.
Ignorando as incontáveis contradições, lacunas e histórias mal contadas que marcaram a investigação, inclusive o tal bilhete da farmácia, o delegado chegou à conclusão de que a hipótese mais provável para a morte de José Jobim era o suicídio!
A família de Jobim inconformada deu início a uma longa e penosa batalha jurídica para fazer com que a verdade viesse à tona. Segundo Lygia, a filha de Jobim, a vasta documentação em que ele basearia suas denúncias desapareceu misteriosamente da casa de sua mãe.
Em 1979, a certidão de óbito foi registrada com causa de morte indefinida.
Seis anos depois, a promotora Telma Musse reconheceu que houve sim, homicídio, mas considerou o caso insolúvel e pediu o arquivamento.
Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade declarou que as características da morte de José Jobim faziam crer que se tratara de “um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política. ”
Em setembro de 2018, 39 anos depois do assassinato de Jobim, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério dos Direitos Humanos determinou que sua certidão de óbito fosse retificada para reconhecer a responsabilidade do Estado brasileiro por sua tortura e assassinato.
Os escândalos de Itaipu somente começaram a vir à tona com o livro de um empresário alemão radicado no Brasil, Kurt Mirow, “A Ditadura dos Carteis”, em 1978. Com denúncias de alta octanagem, o livro foi boicotado pela mídia e, logo depois, Mirow precisou fugir para a Alemanha, para não ser preso ou ter o mesmo destino de Jobim.
Uma das denúncias envolvia uma figura controvertida, o Coronel Costa Cavalcanti, que foi presidente da Itaipu Binacional, por quem Jobim sentia verdadeiro asco.
Pessoas ligadas ao Serviço Secreto da Aeronáutica haviam mencionado a Mirow que as majorações de preços nos custos de Itaipu eram uma rotina para pagamento de comissões, tanto para o lado paraguaio quanto para o brasileiro.
“O país tem que conhecer o que aconteceu no passado para que isso não continue acontecendo no presente. Ainda vemos desaparecidos, assassinados, torturados, pelo mesmo Estado. Isso tem que parar. O que me deu forças para não desistir, muito mais do que um dever para com a minha família, foi o que meus pais me ensinaram que, antes de mais nada, temos um dever para com o país”, disse Lygia Jobim, filha do embaixador José Jobim.
Neste ano, de 2021, a turma de formandos do Itamarati escolheu como patrono o embaixador José Jobim, assassinado pela Ditadura Militar de 1964.