H. Silva: “todos os golpes de Estado se parecem”.

30 de setembro de 1937. Os jornais de todo o País estampavam uma só manchete:

“Instruções do Comintern ( Comitê da III Internacional Comunista) para a acção de seus agentes no Brasil: o Plano Cohen”.

O Estado Maior do Exército descobrira um tenebroso plano de ataque subversivo de nome judaico. Os Ministros Militares, tendo à frete o general Góis Monteiro, davam um ultimatum para que o Congresso decretasse “o estado de guerra interna”, em vista do eminente “perigo vermelho”.

No dia 1 de outubro, o Congresso se reúne, com a maioria querendo açodadamente o tal estado de guerra, mas o líder conservador do PSD, Otávio Mangabeira indaga: “A Câmara sabe o que esta medida representa?… votar medida de tal gravidade, sem ter nem ao menos dado a impressão de que examinou os documentos apresentados, sem mesmo sequer tê-los lido?”

Valdemar Ferreira, representante do agronegócio paulista vai, então, à tribuna e declara: “Não há nos documentos trazidos ao conhecimento da Casa um único elemento de convicção! Trata-se de um manuscrito anônimo sobre uma incursão comunista no Brasil, mas quase todos os comunistas, desde o ano passado, estão presos ou mortos…”

O chefe integralista- fascista e deputado Plínio Salgado Filho retruca aos berros: “Trata-se de instruções comunistas que o Estado Maior apreendeu e fez publicar!”

Valdemar Ferreira responde-lhe do microfone: “O que se sabe é que estas instruções foram aprendidas pela Milícia do Partido Integralista e entregues ao Exército”.

Colocada em votação no mesmo dia, 1 de outubro, o “estado de guerra” é aprovado por 138 votos contra 52.

Na semana seguinte, Armando Salles de Oliveira, que no futuro daria seu nome ao Campus da USP, então ainda candidato à Presidência da República em eleição que, desde o Golpe jamais ocorreria, dispara:

“A nação está voltada para seus chefes militares: suspensa espera o gesto que mata ou o que salva”. Exilado dois meses após o Golpe, em entrevista com o Presidente Norte-americano Roosevelt, diria: “Não há vislumbre de qualquer tipo de liberdade em meu país. A liberdade de imprensa é uma quimera, nem se comenta nenhum pronunciamento popular pelo voto. Sob a responsabilidade oficial é feita a propaganda de regimes ditatoriais.”

Em 10 de novembro de 1937, o Exército cerca o prédio do Senado e Getúlio ordena o fechamento tanto da Câmara e quanto do Senado.

É o princípio do Estado Novo, também conhecido como a ditadura Vargas, que se estendeu até 1945.

O novo regime brasileiro tomou emprestado o termo “Novo” da ditadura de Salazar, implantada em Portugal em 1933. “O Estado Novo dispensa intermediários: não se utiliza de fragmentos de opinião, não permite facções de pensamentos nacionais; não reconhece condomínios, parcelas, divisões, minorias ou maiorias. Quer uma nação uma, coesa, coerente, sem antagonismos de ideias e nem de doutrinas. Sua força são os interesses supremos da Pátria, e seu poder coercitivo são as Forças Armadas.”

Naquele momento, entretanto, as força do Estado Novo não eram somente as Forças Armadas, embora infiltradas por elementos integralistas. Os batalhões das camisas verdes nazifascistas desfilavam entusiasticamente pelas ruas do Rio e de São Paulo, sob os slogans: “Pátria, Deus, Anauê”.

Hitler, em 1933, havia dito: “Nós edificaremos uma nova Alemanha no Brasil. Nossa raça tem direitos adquiridos sobre este continente…” E, a partir de então, desde o Rio Grande do Sul, os núcleos integralistas haviam se espalhado por todo o país. Em seus encontros e concentrações, os integralistas recebiam treinamento de ordem unida e executavam rituais e simbologias próprias do Exército Brasileiro. No dia 13 de novembro, “A Ação”, jornal do Partido Integralista conclamava o deputado federal Plínio Salgado como o “Condestável do Brasil.”

No dia 10 de novembro de 1937 entra também em vigor uma nova Constituição outorgada ao povo brasileiro, chamada de “A Polaca”. “Quero instituir um governo de autoridade sem os empecilhos da democracia liberal” ordem clara do ditador Vargas.

Um advogado obscuro, chamado de notável pelo ditador, Francisco Campos, vulgo “Chico Ciência”, fora chamado para dar forma a uma aberração jurídica, que extinguia os partidos políticos, instituía a censura, abolia direitos individuais, autorizava à intervenção do poder federal em todas as esferas administrativas, econômicas e jurídicas, estabelecia a censura prévia para todas as publicações e instituía a Justiça Militar para julgamento tanto de militares quanto de civis. Na realidade Chico Ciência deu formatação de lei a meros anagramas autoritários e nazifascistas.

Por exemplo, “A Polaca” previa a nomeação de interventores para o governo dos Estados e intensificava a repressão contra os crimes ditos “de corrupção e contra a segurança nacional”.

Prisões, torturas, execuções e fábrica de delatores.

Desde 1935, após a insurreição comandada pela Aliança Nacional Libertadora e pelo Partido Comunista, uma feroz repressão fora desencadeada por Getúlio Vargas e seus acólitos civis e militares. A repressão transbordara de presos a maior parte das prisões brasileiras e até mesmo os porões de muitos navios forma tomados por prisioneiros.

O Tribunal de Segurança Nacional fora instituído em 1936, um ano antes do golpe de Estado de 1937.

O repórter David Nasser dizia que, durante a ditadura, tornara-se muito rentável um novo tipo de prestação de serviços, o trabalho do delator- alcaguete: “Tipos de mentalidade apodrecida, escória das fábricas, das oficinas, dos quartéis, dos negócios… serviam para o trabalho de espionagem, de delação. Eles eram o baluarte do Estado Novo. Descobriam futuras revoluções, hipotéticos atentados. Os delatores mais baixos recebiam até 50 cruzeiros por pessoa apontada” e faziam fila por uma boquinha.

Entre 1935 e 1945, a casa da Rua da Relação, onde funcionava a Central de Polícia Política, se transformou em máquina de mortes, sofrimentos inauditos e loucura, comandada pelo ex- tenente e ex- participante da Coluna Prestes, Filinto Muller, o mesmo canalha que, em 1964, seria um dos líderes “civis” da Ditadura Militar. Interrogado logo após a queda da ditadura getulista, assumiu: “Torturei, sim, torturamos muito, não jogo minha responsabilidade para cima ou para baixo.”

O golpe de Estado de 1937 também se propunha atacar pela raiz “a corrupção de uma classe política conspurcada pela lama”, como o escrito num dos primeiros informes emitidos pelo D.I.P., futuro controlador cultural da Nação. No entanto, os anos que se seguiram ao golpe foram os de maiores torpezas entre corruptos e corruptores na vida nacional!

Como diria claramente o historiador Hélio Silva, ao analisar este e o futuro golpe militar, o de 1964: “Os golpes de Estado se parecem”.

Obs.: O documento apócrifo que fundamentou a denúncia do Plano Cohen e que levou à decretação do “estado de guerra” foi uma falsificação de autoria do então Capitão Olímpio Mourão, filiado ao Partido Integralista na época, posteriormente promovido a general de Exército, que comandou o Golpe de 1964 e presidiu o STM até pouco antes de sua morte, em 1972.

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