Governo LULA 3.0: nem aplausos, nem vaias.

Vou começar externando a minha opinião pessoal sobre o terceiro mandato de Lula no cargo mais alto do país: estou um pouco decepcionado. Confesso que nutri maiores esperanças de que, com adiantada idade, Lula pudesse abrir mão da sua tão sonhada tentativa de ser um “estadista” mundial, em prol de um governo mais assertivo em termos de governança local. De fato, se por um lado Lula foi o farol a nos guiar para além do neofascismo bolsonarista, por outro deixou-se enredar nas teias nefastas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, com as “emendas parlamentares” e outras picuinhas.

É verdade que, nesses quase dois anos de mandato, Lula conseguiu recuperar parcialmente nosso país, que fora destroçado pelo governo anterior, em termos de políticas públicas, e recolocá-lo no patamar das dez principais economias mundiais. Nesse sentido, indicadores como a taxa de desemprego atual em 6,9%; o crescimento do PIB de 1,4% no segundo trimestre; a retomada do programa Minha Casa Minha Vida, com 21,5 mil unidades habitacionais entregues em 2023 e previsão de entrega de mais 26 mil em 2024; e a revalorização do salário mínimo, embora não no patamar prometido até agora, comprovam que o governo Lula realmente se preocupa em promover a melhoria de vida dos/as cidadãos/ãs desse país, especialmente dos menos afortunados.

Todavia, Lula se comporta como se não soubesse que este governo será o seu último ou no máximo o penúltimo, na hipótese de vir a se reeleger e reunir forças para permanecer até o fim. Mas, de fato, até por sua idade, restam para Lula, sendo otimista, mais 6 anos de mandato. Infelizmente!

Seria bom, portanto, que ele deixasse os conchavos políticos um pouco de lado – a exemplo das recentes tratativas para elevar Arthur Lira e Rodrigo Pacheco ao seu ministério quando acabar os mandatos dos dois no final do ano como presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente – e adotasse uma postura mais firme em relação aos descaminhos que marcaram a nação sob influência do bolsonarismo e ainda atrapalham o seu crescimento/desenvolvimento. Importa lembrar que Lira sempre foi um aliado fiel de Bolsonaro.

Nessas circunstâncias, deixar um pouco de se preocupar com questões internacionais, como as guerras pelo mundo afora, seara na qual o Brasil tem muito pouca influência, ou a taxação global de grandes fortunas, poderia ser uma boa medida para permitir o direcionamento das atenções para as principais preocupações internas. Ora, o país pega fogo! Literalmente! Os garimpeiros continuam assolando as populações indígenas e envenenando seus territórios com mercúrio. O presidente do Banco Central Campos Neto continua a desafiar a razoabilidade econômica, com a manutenção dos juros nas alturas (acabou de conseguir elevar em 0,25% a taxa Selic, com a economia do país em deflação no último trimestre). Não temos uma política consistente de incremento da nossa indústria bélica. A história mostra que nenhum país soberano manteve-se assim por muito tempo, a saber, sem poderio militar interno. De igual maneira, não temos uma indústria farmacêutica nacional poderosa e condizente com o tamanho do Brasil. Se continuarmos nessa linha de raciocínio, veremos que não temos uma base sólida que nos permita evoluir para nos tornarmos uma nação desenvolvida e com qualidade de vida para (quase) todos.

Veja bem, caro/a leitor/a, a narrativa de que somos ainda um país jovem, com suas terras descobertas há pouco mais de 500 anos, não deve mais pautar o itinerário da nossa política. O ministro da Fazenda Fernando Haddad parece mais alinhado com as demandas dos capitalistas/rentistas da “Faria Lima” do que com as reais necessidades econômicas da população brasileira. Apesar do respeito que ele com certeza merece, não dá para continuar a brincar com a questão da austeridade fiscal em um país carente de maiores e melhores investimentos públicos. Agora que o cenário nacional melhorou, com a queda do desemprego e o crescimento econômico para além das expectativas dos “experts” em finanças, Haddad deveria tentar reverter paradigmas absurdos como o da meta de zerar o déficit primário, sob pena de ver mais um soluço da nossa economia não se traduzir em crescimento sustentado.

Ademais, faria bem à saúde do país se Lula deixasse para as instâncias competentes o famigerado golpe de Estado de 2016 – e os catastróficos governos antinacionais de Michel Temer e Jair Bolsonaro – e focasse em desfazer as políticas contra o desenvolvimento econômico e social que eles perpetraram. Em outras palavras, já passou da hora de Lula transformar o país de mero agroexportador e extrativista de recursos naturais em pleno século XXI para um verdadeiro “player” de novas tecnologias, especialmente tecnologias de informação, se não em termos mundiais, pelo menos na região sul do planeta. Esse poderia ser o seu legado!

O tempo urge! É provável que Lula saiba que não terá mais tempo de vida política útil para ver um Brasil evoluído, notadamente no campo das tecnologias de cunho ecológico, mesmo que ele consiga aprumar o rumo da nossa política. Mas isso não é desculpa para ele se enredar em acintes da política nacional, marcado por um histórico de apadrinhamentos e interesses pessoais, verdadeiros conluios patrimonialistas das oligarquias nacionais, sob pena de falhar mais uma vez no direcionamento do país para o grande salto de qualidade de vida doméstica que a maioria da população brasileira espera, pelo menos desde que nos tornamos uma República. Ora, cadê o discurso de reforma agrária que outrora animou a “alma de Sion” do discurso petista dos anos de 1980? Por onde anda a narrativa da reforma educacional que militou pelo discurso do PT quando da primeira eleição de Lula?

Não chega a surpreender a recente estatística divulgada por diversos portais de notícias de que 7 em cada 10 brasileiros não sabem resolver questões simples de matemática. Na verdade, a carreira de professor segue sendo desqualificada cada dia mais, com baixos salários e precárias condições de trabalho, o que, por óbvio, impactará negativamente a educação no país a longo prazo. É certo que grande parte da política educacional compete aos estados e municípios. Mas é o governo federal quem fornece o norte, que planeja o futuro estudantil de nossas crianças e jovens, através do MEC. Cabe ao governo federal delinear políticas públicas de incentivo (talvez o termo correto seja ajuda) para que os estados e municípios possam capacitar seus professores de primeiro e segundo graus. Sem crianças bem-educadas, não existe país desenvolvido. Muito menos cidadãos conscientes da sua condição política.

Por tudo isso, para quem acompanha a política nacional, especialmente o governo Lula, fica a sensação de frustração. Não quero dizer com isso que o país estaria melhor sem ele. Pelo contrário! Cobro de Lula porque tenho convicção de que ele pode fazer mais. Definitivamente, não é tentando aumentar o número de membros do conselho de segurança da ONU que Lula entrará para a história desse país. Aliás, China e Estados Unidos acabaram de frustrar essa intenção dele. Lula já faz parte do seleto panteão de presidentes notáveis que tivemos. Independentemente do que aconteça, ele já tem seu “ticket” para o Olimpo. Mas ainda precisamos do Lula de carne e osso, do ex-metalúrgico “arretado”, do “sapo barbudo” radical que tinha o sonho de transformar este país numa potência. Isso não se faz com acordos com a Faria Lima. Também não se faz com congressistas golpistas, nem perfurando a região amazônica atrás de petróleo.

Cidadania, caro/a leitor/a, é o conceito mais importante de uma nação. Sem cidadãos não existe Estado representativo. Mas se por um lado ser cidadão implica diversos deveres, que não são tema desse breve texto, por outro assegura inúmeros direitos. No Brasil, as elites que nos governam desde o Império inverteram a lógica que transforma o povo, ou melhor, os súditos em cidadãos. Com efeito, a história nos mostra que só através da luta pela conquista dos direitos civis e sociais as sociedades ocidentais mais civilizadas conseguiram atingir seus direitos políticos com maior maturidade. Aqui, nas palavras de CARVALHO (2016):

“Até 1930 não havia povo organizado politicamente nem sentimento nacional consolidado. A participação na política nacional, inclusive nos grandes acontecimentos, era limitada a pequenos grupos … O povo não tinha lugar no sistema político, seja no Império, seja na República. O Brasil ainda era para ele uma realidade abstrata”.

Seria muito bom se alguém do círculo mais íntimo de Lula conseguisse que ele fizesse uma “mea culpa”, íntima mesmo, que o permitisse recalibrar os rumos do seu atual governo. Como mudanças profundas de paradigmas sociais e econômicos só são atingidas no longo prazo, receio que Lula não veria os frutos da sua nova rota, como teria visto se tivesse feito a lição de casa nos seus dois primeiros mandatos. Mas isso não é desculpa para não fazer agora. Estamos na terceira década do século XXI e, ainda hoje, boa parte dos/as brasileiros/as não pode ser chamada de cidadão de fato e de direito. Por consequência, o Brasil continua sendo um país de segunda classe, explorado e subjugado pelas principais potências do planeta. Se é verdade que teria sido muito pior sem os governos petistas nessas últimas décadas, vide o período Temer e Bolsonaro, é também fato que perdemos uma oportunidade de ouro, nessa quadra histórica, para resolver de vez a questão da nossa cidadania.

Lula continua em débito com a sociedade brasileira, pois. Não merece nem aplausos nem vaias. Mas ainda é tempo, e, se Deus é mesmo brasileiro, Lula haverá de ser reeleito em 2026, e concluirá seu segundo mandato nesta década (no total serão quatro mandatos). Assim, com mais seis anos pela frente, será ainda possível direcionar seu governo para solucionar as principais questões que atrapalham o desenvolvimento do nosso país. E, depois, torceremos para que, no futuro, novos líderes deem continuidade ao seu legado.  

 

*André Márcio Neves Soares é doutor em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL/BAvvv

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