Franz Mesmer, médico filantropo, apadrinhou Mozart e foi precursor de Freud!

Há precisamente 247 anos atrás, Leopold Mozart, pai do imortal Wolfgang Amadeus, escrevia à esposa: “Anna Maria, querida. Não te escrevi pelo correio anterior porque celebramos um grande sarau musical em casa de nosso amigo Mesmer, no jardim da Landstrasse! Mesmer toca esplendidamente harmônio, uma espécie de órgão sem tubos. Ele é em Viena o único que o aprendeu. Wolfgang, o meu orgulho, também tocou o harmônio com maestria, tu podes acreditar nisso?”

Quando o Diretor da Ópera Real, Antonio Salieri, negou-se a conceder ao jovem de quatorze anos, Wolfgang Amadeus Mozart, o direito de apresentar “La Finta simplice”, Franz Anton Mesmer, o mais audacioso espírito de toda a Corte Vienense, ofereceu o pequeno teatro de seu jardim para a representação da primeira ópera em alemão do gênio: “Bastien et Bastienne”.

O sucesso foi indescritível! E o jovem Mozart jamais esquecerá o gesto do mecenas, chamando-o de “meu padrinho Mesmer”, em toda sua correspondência. E eles se tornaram ainda mais próximos quando, em 1781, um Mozart já famoso mudou-se de Salzburg para Viena. E no auge de sua fama, construiu, em honra de Mesmer, um imortal e alegre recitativo, “Cosi fan tutti”.

O Doutor Franz Anton Mesmer, homem de sociedade e amigo das artes, era fabulosamente rico. Tendo-se se casado com a viúva Von Bosch, tinha sua residência finamente decorada ao estilo barroco. Sua casa, o número 261 da Landstrasse, era considerada o mais seleto centro da arte e da ciência vienense. A mesa farta, sempre aberta aos amigos e artistas, era freqüentada por Haydin, Mozart, Gluck, seu maior amigo e, posteriormente, pelo jovem Beethoven.

Sucediam-se saraus com apresentações de quartetos, árias e sonatas. Mesmer toca com enorme talento tanto o piano, quanto o violoncelo e o harmônio.

O anfitrião estudara Teologia, tendo obtido o grau de Doutor em Filosofia. Não satisfeito, ingressara e concluira o curso de Direito, antes de abraçar sua quarta faculdade, a de Medicina! Em 1766, Mesmer, já titulado “Magnificorum Professorum”, recebe o bacharelado em Medicina. Sem necessidade financeira, o doutor inicialmente prefere ampliar o seu saber, quer nas áreas da geologia, da física, da química e da matemática, na filosofia e criações artísticas.

Tal qual Fausto de Goethe, Mesmer aspirava ao “saber total”.

Além do mais, o doutor Mesmer tinha o espírito muito à frente do século em que viveu! E isto será uma das bases da tragédia que sobre ele se abaterá com a força de um furacão.

O século XVIII pretendia repelir tudo o que tivesse uma base intuitiva; o universo iluminista era concebido mecanicamente e o homem, um autômato a raciocinar! Diziam os doutores da Razão que tudo o que não pudesse ser “submetido a pinças ou medido à régua” não passava de ilusão e varriam dos dicionários filosóficos o que pudesse transpirar metafísica, de tal modo que aquilo que não fosse palpável ou percebido pelos sentidos era declarado insensato. Tempos difíceis de orgulhosas vaidades e enormes preconceitos!

Mesmer foi socialmente colocado ao lado de aventureiros, tratantes e farsantes, justamente aquele homem genial que seria uma das pedras angulares da moderna psiquiatria!

Em vão protesta bem alto o pensador Schopenhauer, que proclama ser o mesmerismo “a mais fecunda de todas as descobertas sob o ponto de vista filosófico, embora, de momento, apresente mais enigmas que soluções”.

Parecia insólito surgir um doutor afirmando que o nosso mundo não é, de modo algum, um espaço vazio e inanimado, inerte, ao redor do homem. Que esse espaço é transpassado a todo instante por ondas invisíveis, intangíveis, que somente a alma é capaz de perceber! “Correntes misteriosas e influências” que produzem reações e contatos, de consciências e sentimentos. Talvez um “fluído misterioso” ou uma “matéria primordial”, que quiçá se mostrasse capaz de produzir efeitos em enfermidades psíquicas e fisiológicas, restabelecendo a harmonia daquilo que se convém chamar de saúde.

Na falta de um termo melhor, Mesmer chamará a essa “matéria” ou “espírito” de magnetismo.

O que Mesmer implora aos seus colegas médicos e ao mundo acadêmico é que experimentem os efeitos surpreendentes de um tratamento que se baseia em contatos humanos, conversas e na simples aplicação das pontas dos dedos.

Que examinem com olhos imparciais as crises mórbidas, as situações enigmáticas em que se encerra uma alma e as maravilhosas curas por ele obtidas pelo efeito do “magnetismo animal”, (ele abandonara o efeito de pedras imantadas sobre os órgãos, sua primeira tentativa), na verdade os efeitos produzidos pela sugestão, podemos nós agora dizer.

Mas tudo é em vão. O dogmatismo oficial rechaça Mesmer, mesmo quando nada tem a oferecer em troca para as centenas de pacientes aliviados de suas dores pelo mesmerismo. Acontece que os fenômenos que o médico vienense apresenta, não podem ser explicados pela razão nua e crua, logo, não podem existir!

Mas Mesmer ia ainda além. Dizia que entre o macrocosmo e o microcosmo, entre a alma universal e a alma individual, entre o astro e a humanidade poderia haver uma relação transcendental, isto é, uma interação real, material, que um homem pode atuar sobre outro através da hipnose, pela “magia de sua vontade e proceder”.

Mas seu século repeliu como impostor aquele pregava que nosso sistema nervoso e nossos sentidos estão sujeitos a influências “misteriosas”, “internas e externas”, que “nós somos constantemente submetidos a milhares de impulsos que desconhecemos a causa”. Que nosso ser expele determinada energia própria que, fugindo aos limites das “fibras nervosas”, vai projetar-se sobre a vontade de outro ser e pode atuar sobre o mesmo.

A medicina do século XVIII via o homem como uma máquina rudimentar; um corpo estava enfermo por lesão de órgãos, jamais por uma comoção, por um conflito espiritual. Diante das desordens corporais se prescreviam purgantes, sangrias, banhos de águas, cama.

Ao desequilibrado, a roda na qual se o amarra e é posta a girar até que a boca do pobre espume e, caso o tratamento não baste, o açoitam até o extenuamento.

Mesmer, por seu lado, põe em prática com regularidade os métodos sugestivos e hipnóticos, e o segredo primordial de seu êxito baseia-se antes de tudo em sua energia pessoal. Contudo, com o pouco que conhece sobre a causa desses efeitos, eles não deixam de refletir em sua mente algumas idéias básicas da psiquiatria, idéias que abrirão incríveis horizontes um século após. Ele observa que certos pacientes possuem um grau notável de “receptividade magnética”, leia-se hoje sugestão, enquanto outros são totalmente insensíveis. E que caso se aumente o número de participantes nas sessões dá-se uma intensificação de energia por efeito da sugestão de Massa.

Ao constatar isso, Mesmer transforma seu “palazzo” na Landstrasse em um magnífico hospital, onde a ninguém é vedada a entrada: aqueles que podem pagam, aos que não podem, clinica-se gratuitamente.

Revoltam-se os membros da Academia! Pudera seu número de clientes somente tende a se reduzir! Então se articulam com o Cardeal e com a Imperatriz e uma “Comissão de Costumes” é estabelecida para julgar o médico filantropo. Baseiam sua decisão num obscuro caso de certa senhorita Paradies, que adquirira uma “cegueira nervosa” pós- tratamento com Mesmer. Retiram-lhe o direito de clinicar e praticamente o expulsam de Viena!

Mesmer muda-se às pressas para Paris, onde, sob o suporte da Maçonaria, defensora de toda atividade revolucionária na época, e da “Societá de l’Harmonie”, obterá, inicialmente, enorme sucesso! Os pacientes acotovelam-se em busca do apaziguamento de dores. O “mesmerismo”, por algum tempo, transforma-se em modismo.

Mesmer é claro e ético em sua prática: apenas aceita tratar os “doentes nervosos”. Exclui, a priori, de sua clínica todos os demais!

Como bom conhecedor da alma humana, sabe que boa parte da eficácia terapêutica tem por base a fé na possibilidade de cura e faz-se rodear por um cerimonial que beira à magia. Afinal, todo psicoterapeuta sabe que o clima de mistério aumenta a chance de sucesso no tratamento.

Mas, novamente a Academia e a medicina oficial, ofuscadas pelo sucesso de Mesmer, induzem o Rei Luís XVI a abrir um “inquérito sobre o magnetismo e suas conseqüências”. Fazem parte da Comissão: o Dr. Guillotin, que alguns anos após inventará a famosa máquina que resolve todos os problemas humanos num lance de faca; Benjamin Franklin, o inventor dentre tantas utilidades do para-raios; Bailly, o astrônomo; Lavoisier, o pai da química moderna. (Bally e Lavoisier, que encerrarão suas carreiras sob a máquina de Guillotin).

E eles, por nada entenderem e nem mesmo buscarem o entendimento no que se baseava o método de Mesmer, concluem que o magnetismo “seria perigoso por intensificar crises e convulsões artificialmente”.

Para Mesmer, o olhar da ciência da época somente expressa indignação e o acusa de fraude e de “vender ilusões”! Mas o gênio se dá conta do grande e fecundo campo por ele tocado, ao mesmo tempo, em que descobre que sozinho não poderia ir muito longe. Ele havia dado com seu barco em um novo mundo do conhecimento!

De todo modo, Franz Anton Mesmer sacrificaria sua vida, fortuna e prestígio nas aras dessa busca primordial. E nesse caminhar às tontas, nessa nebulosa ardente, estribam-se toda a grandeza e toda a sua tragédia pessoal, pois o que procura- “um mágico fluído universal”- nunca poderá achá-lo de maneira clara e patente. E o que encontra é uma nova psicotécnica, precisamente o que não procurava! É esse novo universo que tardaria mais de um século para ser redescoberto: a psicoterapia, a partir de outro vienense: Sigmund Freud!

Chegam os tempos da Revolução Francesa e Mesmer é avisado por amigos que, por ser um aristocrata de origem vienense, seu pescoço corre riscos. Fugindo da guilhotina instituída pelo terror, retorna à Áustria, sua pátria.

Se na França fora acusado de ser aristocrata e reacionário, na própria terra é julgado partidário dos jacobinos! Tem, pela Coroa, todos os bens expropriados e é obrigado a novamente fugir para evitar a prisão!

Exilar-se, então, na receptiva Suíça, onde viverá esquecido pelo mundo seus últimos quinze anos de vida, praticando gratuitamente a medicina, num distante rincão.

Assim sucedeu a Franz Anton Mesmer, o primeiro dos psicólogos modernos, considerado por Freud um de seus inspiradores, que tomou para si a sorte ingrata, eternamente reservada aos que chegam antes do tempo, pois sempre se cumpre aquela velhíssima e bárbara lei da humanidade:

Os precursores são sacrificados nos templos da intolerância e do preconceito!

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