Ensaio sobre a estupidez, a burrice e a preguiça da turba.

Qual a explicação de um marginal que se tornou milionário pelas redes sociais, um estelionatário golpista já condenado pela justiça, um indivíduo totalmente boçal e mentiroso como Pablo Marçal, de um partido político totalmente desconhecido e com vínculos detectados com o crime organizado, já abraçar nas pesquisas quase 25% das intenções de votos, na maior cidade da América do Sul, sendo que jamais expressou uma só ideia para geri-la?

O objetivo desse ensaio é lançar luz sobre esse escândalo!

A burrice não é inócua; ela pode mesmo se tornar extremamente perigosa e isso tanto mais quando se mistura ao ressentimento e ao ódio, pais da estupidez.

Na verdade, a burrice é um fenômeno histórico, sendo múltipla, multifacetada e chega a se travestir de “forma de uma adulta sabedoria” e a distribuir frases feitas nas redes sociais, elaboradas precisamente por aqueles que desejam despertar nas massas os preconceitos e o ódio. 

Tanto a burrice, quanto a estupidez, a truculência e preguiça são sempre expansivas, com o advento das redes sociais, tornaram- se tentaculares, avassaladoras mesmo.

Se os pobres de espírito, por outro lado, são as principais vítimas da retórica agressiva, há uma legião daqueles também aqueles dotados de uma forma de preguiça interessada! Por isso, a preguiça não pode ser subestimada em nossa sociedade.

A estupidez é na multidão que ela melhor se propaga. As propagações do medo, do ódio, da violência juntam as mãos ao ressentimento, ao consumismo e ao egoísmo. Por seu lado, a burrice odeia a solidão, ela sempre requer ressonância e reverberação, busca sempre as multidões.

De uma maneira geral, todos os estúpidos se acham visionários; pensam ter descoberto a chave que abre todas as portas do universo, o segredo que revela todos os pontos mais sombrios da alma.

E a inveja é um dos maiores corrosivos da personalidade de um estúpido! Aliás, prima irmã do ódio e não há combustível mais incendiário para o ódio que o medo! O medo da fome, o medo dos fenômenos naturais, o medo do vizinho, medo de Deus e de Satanás, o medo da solidão.

O mundo líquido e gosmento da internet.

No mundo líquido da internet, tem se a combinação bombástica de opiniões sem conhecimento, da mentira proposital. Da mentira que se traveste de “ponto de vista”. Da combinação de opinião sem cabimento, da distorção da realidade com a ausência de experiência, surge o caos.

E os líderes dos estúpidos acometem os borbotões. O que significa a chupeta usada por um Nikolas Ferreira em sua campanha eleitoral, que o tornou o deputado federal mais votado no Brasil? Ele procura-se caricaturar para destruir, mentir, enganar e distorcer a realidade o que é, muitas vezes, a melhor forma de se mostrar na mídia sem controle.

Qual a explicação de um marginal milionário pelas redes sociais, um estelionatário golpista já condenado pela justiça, um indivíduo totalmente boçal e mentiroso como Pablo Marçal, de um partido político totalmente desconhecido e com vínculos detectados com o crime organizado , já abraçar nas pesquisas quase 25% das intenções de votos, na maior cidade da América do Sul? Pablo Marçal jamais expressou uma só ideia para gerir São Paulo!

O fascismo sempre se nutre da estupidez, da burrice e do ódio! Do “amor a Deus e à pátria”.

“É preciso maltratar a estupidez” (Nietsche), porque ela sempre se renova e se estabelece.

Essa é principal missão da lucidez: Como vencer a turba enfurecida dos estúpidos! Por isso, muitas vezes, a única saída ante a tolice é o silêncio e a certeza de que o tempo traz consigo o esquecimento. Contra a estupidez orgulhosa não há argumentos.

Um falso moralista é falso, antes de tudo porque a moralista.

Já burrice age em escaramuças, pronta a se fazer presente! De certa forma, ela se aproxima e às vezes entrelaça suas mãos com a loucura. Mas não se trata de qualquer tipo de “loucura”, mas sim, em sua versão torpe, na sua capacidade de corrosão de tudo que é correto.

De certa forma tanto a loucura, quanto o ódio e a estupidez têm um enorme poder de sedução sobre a burrice!

Assim é o fascismo em suas mais diversas manifestações! Um ao germe sempre latente, invencível da estupidez humana. O medo o faz expandir-se!

Na realidade, os fascistas só pensam em poder, em dinheiro, nada respeitam, destroem o país, aviltam as crianças e os adolescentes, degradam a família.

Atenção: Para os fascistas o indivíduo inteligente é sempre um perigo! Quanto mais idiotizado alguém se mostra, tanto mais é vítima e algoz, pois facilmente manipulável. E terá orgulho de sua estupidez, de sua burrice!

Fé e violência.

 Nossa burrice é marcada antes de tudo por uma aliança entre fé e violência, entre uma população brasileira entregue a uma tendência cada vez mais intensa de combate ao esclarecimento e por uma incapacidade de buscar qualquer unidade propriamente dita com seu povo.

A combinação clássica brasileira é da religião com a violência, nesse sentido quando Euclides da Cunha acompanha com devoção a comédia de erros que resultam nas três expedições contra Canudos e na derradeira destruição do total do Arraial, o que o comove é como engenhosidade militar máxima dos que defendiam os casebres pobres do assentamento convivia com ingenuidade igualmente cativante e uma fé inquebrantável na força visionária de um lunático. Isso sem falar nos equívocos organizacionais, que tornam as primeiras duas expedições um desastre completo para os regimentos do exército.

 O cristianismo chegou ao Brasil desde o princípio como uma religião imposta, como um fenômeno marcado à ferro na alma brasileira. Temos o famoso quadro de Victor Meirelles de 1860, chamado “A primeira missa”; neste quadro o bispo português Henrique de Coimbra aparece celebrando uma missa diante do altar improvisado, com índios com fisionomias claramente europeizados, calmamente dispostos em torno do altar, e alguns em cima das árvores para receber a palavra sagrada.

Tudo parece acontecer na mais plena harmonia, sem qualquer presença de tensões, com uma congregação moldada no melhor espírito da Comunidade Cristã. E, no entanto, a evangelização dos índios foi tudo menos uma experiência de paz e compreensão. Além de todos os efeitos nefando do contato dos missionários cristãos com os índios, doenças, a exploração, desenraizamento cultural, a falsificação de hábitos, a catequização se deu a partir da premissa devastadora de os índios não passavam de seres primitivos que precisariam se salvar por meio da revelação, o espaço civilizatório do ser humano europeu. Os negros escravizados também se viram constantemente sujeitos à violência impositiva do horizonte europeu de concepção do que constitui propriamente o centro de alguém.

Por mais que as contribuições culturais e artísticas dos negros sejam inestimáveis no Brasil, as manifestações continuam ainda hoje marginalizadas e mantidas no espaço esporádicos daquilo que não merece senão o nome de curioso.

Religiões de matriz africana estão sempre sujeitas à violência e um cristianismo, cada vez mais invasivo marcado sobretudo pelo crescimento desmedido do neopentecostalismo. A conclusão é simples: “os brasileiros odeiam ser brasileiros”, como disse Nelson Rodrigues. Não por acaso, quando Presidente, Bolsonaro bateu continência à bandeira norte-americana.

O ser humano, a servidão e o ressentimento.

O problema é que aliança entre o ser humano e a servidão é uma aliança mais profunda do que seu anseio por liberdade. De bom grado os seres humanos se entregam a servidão, contanto que ela lhe permita uma existência que os satisfaçam. A liberdade, em contrapartida, sempre sobrecarrega e assola. Por isso, “Cristo precisa ser uma vez mais condenado, ele precisa uma vez mais morrer. Não para salvar os homens de uma existência sem sentido, mas para libertá-los de todo e qualquer busca por sentido”. (Dostoiévski)

Dostoiévski ainda afirmou que o homem é um animal de duas patas e ingrato. “Na medida em que não há qualquer sentido no sofrimento, sofre sempre vão. Logo é preciso que haja um sentido para o sofrimento e a loucura que nasce da ingratidão”.

E Religião é o nome dessa força. Ressentimento e servidão sua essência. Religião é ressentimento e servidão.

5 respostas

  1. Excelente narrativa. A nossa consciência crítica esta ainda vive aprisionada a uma servidão cotidiana ao imperialismo,as tecnologias virtuais e demais poderes que circulam no meio social,apagando a verdadeira busca de sentido que nem o século dezenove conseguiu fazer acontecer. Obrigada por esta escrita.

  2. A dissonância cognitiva a partir do ego inflado pelas idiossincrasias de um séquito de pessoas adultas, mas sem criticidade…

  3. Bom dia Carlos Russo! Seu excelente texto termina com 2 citações de Dostoyevsky, você pode me dizer em que livros encontro essas citações? Grato!

  4. Parabéns mais uma vez, Carlos pelo seu ensaio profundo e meticuloso sobre a natureza humana. Só me fica um ligeiro travo de pretender estar acima dos acometidos pela burrice, que chega a parecer falta de compaixão, de solidariedade humana.

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