Enfim, inelegível.

Enfim o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030, por força de decisão exarada pelo Tribunal Superior Eleitoral, na semana passada, por um placar de 5 votos a favor e 2 votos contra. O placar importa menos do que o resultado. Com efeito, depois de termos assistido à quase “destruição” do país em meros 4 anos de governo, das formas mais diversas que podemos pensar –  aumento exponencial do desmatamento da Amazônia; aparelhamento do Estado para funções de espionagem da sociedade; aumento sem precedentes do número de pessoas em situação de fome endêmica, para apenas um mandato majoritário; incremento do número de pessoas resgatadas por trabalhos análogos à escravidão;  subjugação inclemente dos interesses nacionais aos ditames do capital neoliberal; elevação do país à condição de “pária” internacional, pela primeira vez na história, como consequência das posturas e ações adotadas, inclusive de estímulo a todos os tipos de preconceitos; além, é claro, da promoção do discurso de ódio característico de regimes autoritários -, o sentimento de alívio se apoderou de nós, os brasileiros que se indignaram com todos os absurdos acima descritos.  

Mas é preciso entender melhor como o Brasil se livrou dessa chaga de maneira tão rápida, mesmo com tamanha destruição. Vou tentar fazer isso em poucas linhas, pois esse tema instiga melhores e maiores elucidações.

Entendo que alguns eventos foram decisivos para a inelegibilidade de Bolsonaro, a saber: 1) a derrota de Donald Trump para Joe Biden, na sua tentativa de reeleição para presidência dos Estados Unidos, em 2020; 2) a postura negacionista do governo brasileiro, alimentada por ninguém menos do que o próprio Bolsonaro, sobre a pandemia da COVID-19; 3) a entrega total da economia do país nas mãos de um ex-integrante da Escola de Chicago, o economista Paulo Guedes, defensor incondicional do neoliberalismo, que deixou terra arrasada nos mecanismos de proteção social para os mais necessitados; 4) o quase total isolamento político no cenário mundial, ressalvado apenas o apoio dos países autoritários, de forte inclinação fascista, como a Hungria, do primeiro-ministro Viktor Orbán; a Turquia, do presidente Recep Erdogan; a Polônia, do presidente Andrzej Duda; Israel, do primeiro ministro Benjamin Netanyahu; além, é óbvio, do presidente americano Donald Trump entre 2019-2020. Quando Trump caiu, Bolsonaro ficou excluído de qualquer diálogo internacional.

Todavia, é notório que o país continua dividido ideologicamente. Não à toa, mesmo com a situação calamitosa que imperava nas mais variadas esferas – política, econômica, social, ambiental, religiosa etc – às vésperas das eleições do ano passado, a vitória de Lula foi extremamente apertada. É verdade que houve os famigerados bloqueios realizados pela Polícia Rodoviária Federal, principalmente nas estradas do Nordeste, mas não apenas nele, com o objetivo de dificultar ao máximo que os eleitores das regiões majoritariamente pró-Lula votassem. Porém, mesmo que isso não tivesse ocorrido, o resultado seria apertado. Talvez a vitória não tivesse sido tão sofrida, com ares dramáticos mesmo, mas ainda assim seria por uma incompreensível margem pequena de votos, considerando a grandiosidade da destruição da sociedade brasileira promovida pelo governo que buscava reeleição. Basta ver o número de feminicídios nesses primeiros 6 meses de governo Lula e das mortes em escolas públicas de crianças e professores, perpetrados por alunos e ex-alunos, rescaldo do governo anterior, que fez apologia para que a sociedade civil comprasse armas de fogo.

E é por isso que o atual governo precisa utilizar todas as Políticas Públicas disponíveis de forma certeira, sem economizar nada. Quatro anos me parece muito pouco tempo para recuperar um país combalido em todos os seus fronts. De fato, ainda existem bolsões bolsonaristas no governo Lula, que podem ser um entrave importante para que essas ações de governo prosperem, como o atual presidente do Banco Central, o presidente da Câmara dos Deputados, além famigerado “Centrão”. Repare o leitor que só estou falando dos bolsões bolsonaristas dentro do governo. É claro e cristalino que a trupe de Bolsonaro, que está fora do governo, vigia o governo Lula ávida por um grande deslize. Isso sem falar no “fogo amigo”, representado pelos integrantes do governo Lula que comungam com esses bolsonaristas que estão no poder. Por exemplo, o líder do governo na Câmara, Deputado José Guimarães (PT-CE), ligado ao presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Arthur Lira (PP-AL), este um bolsonarista de carteirinha.

Comecei esse texto dizendo que o ex-presidente Bolsonaro ficou inelegível até 2030, pelo menos. UFA!!! Contudo, isso não é o bastante para exorcizar do país o risco de voltarmos ao estado de exceção em breve. É fundamental que o judiciário brasileiro, em todas as suas instâncias, continue seu trabalho de expurgo dessa metáfora infame que é o “bolsonarismo”. Para tal desidério, é preciso que o ex-presidente Bolsonaro seja condenado mais vezes, nas dezenas de processos que já tramitam contra ele, se não quisermos ver o espectro do mal (JUDT, 2010) rondando o Brasil novamente. E é claro que Lula sabe disso e já começou a tomar atitudes para evitar tal catástrofe. Tirar o país do mapa da fome de novo é apenas o início de um trabalho hercúleo a ser feito, para que a sociedade brasileira possa recuperar o mínimo de dignidade civilizatória que já teve durante os dois primeiros governos de Lula, no começo desse século. Se não quiser se perder nas entranhas do poder, Lula precisará separar o joio do trigo, ou melhor, retirar os bolsonaristas disfarçados de homens públicos do seu governo. A conferir!

REFERÊNCIA

1 – JUDT, Tony. O mal ronda a terra: um tratado sobre as insatisfações do presente. Rio de Janeiro. Objetiva. 2011.

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