A eleição de Trump sintetiza a desintegração do capitalismo em meio à miséria, violência e depressão psíquica da população americana. E mobiliza uma psicose coletiva mundial que aliena multidões em nome de um ideal: “vencer a qualquer preço”!!!
Aconteceu: turbas cultivadas tanto pela mídia quanto pela internet, votam num sem-vergonha, que promete a maior deportação de migrantes da história. Cria com isto um ambiente venenoso, que gera violência e opressão, ao mesmo tempo que desencadeia a guerra de todos contra todos, gerando as condições para uma tirania cínica, barroca e destrutiva.
A criação da web possibilitou a proliferação de inúmeros centros de netcultura ao redor do mundo. Mas pela fenda aberta pela criatividade difusa entraram grandes grupos econômicos e mafiosos (Berlusconi em Itália, Trump e Musk nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil e indivíduos semelhantes em todos e cada um dos países do mundo), cujo objetivo não era certamente a criação, a cultura ou a informação, mas a acumulação de capital e a aquisição de poder político ilimitado sobre as mentes de uma sociedade psiquicamente subjugada.
O programa televisivo em que, há algumas décadas, Donald Trump se tornou conhecido, submetia os candidatos a diversas humilhações; quem aparecia diante dele era para ser insultado, ridicularizado, e, por fim, despedido (“You’re fired”). Havia filas para serem ridicularizadas publicamente por aquele indivíduo loiro. Porque?
O enigma de Trump demonstra que os modernos instrumentos de análise política já não são úteis. Na verdade, para compreender tal monstruosidade ética, psíquica e política, é necessário falar em humilhação, tristeza epidêmica, autodepreciação, é necessário falar em liberdade ilimitada para escravocratas, tiranos psicóticos e fabricantes de armas. De toda forma, é útil compreender as ferramentas de seu domínio sobre a psiquê de um povo empobrecido e imensamente ignorante, o norte-americano.
Como Trump se tornou o que é?
Para responder a esta questão, a psicanálise pode ser mais útil do que a teoria política. A sobrinha do homem laranja, Mary L. Trump, psicóloga de formação, escreveu um livro intitulado “Too Much and Never Enough: How My Family Designed the World’s Most Dangerous Man” (2020), no qual ela tenta entender seu tio de um ponto de vista psicanalítico.
O pai de Trump era, na opinião de Mary, uma pessoa sociopata eficiente. Donald viveu sua infância e adolescência com medo da humilhação a que seu pai o submeteu sistematicamente, o que lhe causou profundas feridas psicológicas.
“A crença fundamental de Freud (o pai sociopata) é esta: na vida há sempre apenas um vencedor e todos os outros são perdedores; a amabilidade, por outro lado, significa apenas fraqueza”.
“Ou você é um perdedor ou é uma pessoa que aposta tudo”, diz o pai ao pequeno Donald. Partindo de tais premissas, é impossível desfrutar das relações com os outros, pois essas relações só podem ser de competição, agressão ou submissão.
Mas, infelizmente, não seria este um traço decisivo da personalidade coletiva dos habitantes dos USA, que não teria existido sem o genocídio dos nativos americanos, a invasão e anexação de metade do México, sem a deportação de migrantes e a escravidão?
As três regras que Donald já maduro aprende com seu maior amigo, um advogado racista da máfia (Roy Cohn) são as seguintes:
1. Ataque, ataque, ataque.
2. Sempre minta.
3. Sempre declare vitória e nunca admita a derrota.
Essas as bases comportamentais do espírito público dos Estados Unidos da América, do princípio ao fim. O inconsciente coletivo dos estadunidenses brancos é um porão fétido de onde emergem monstros.
Foram bilionários especuladores como Donald Trump, que se apoderaram de bairros inteiros de Nova Iorque, de Atlantic City, etc., para “renová-los”, num processo de exploração imobiliária em que os alugueis só fazem subir e expulsam milhares de famílias empobrecidas, a grande maioria das quais ganharão como morada as ruas.
Desde o ataque ridículo ao Capitólio pelas tropas do general Trump, Franco Berardi publicou um ensaio intitulado “The American Abyss”. Quatro anos mais tarde, ele vê que “esse abismo está se tornando mais profundo e um perigo torna-se cada vez mais evidente: a desintegração da mente estadunidense pode desencadear uma reação em cadeia que acabará por aniquilar a vida humana na Terra. ”
“Às vezes penso no nome desse indivíduo: trump significa vencer, superar, subjugar, mas o substantivo trump também significa peido, peido fedorento. Se alguma vez a frase “nomen est omen” [o nome é tudo] foi verdade, é esse o caso. ”
O homem laranja é um peido fedorento, que se propõe (e consegue) a empestear a atmosfera psíquica, humilhando e ameaçando. Trump, que representa consciente e explicitamente os interesses da raça branca, será uma catástrofe para os palestinos e, de forma mais geral, para os migrantes, a quem Trump e Vance prometeram “a maior deportação da história”. Mas é difícil imaginar como Trump poderia ser mais implacável do que Biden e Obama, que deportaram mais migrantes durante as suas presidências do que o homem peido. E é difícil imaginar como é que ele poderia ser mais implacável com os palestinos do que Biden, que nunca deixou de apoiar financeiramente ou de enviar armas aos exterminadores israelenses.
Talvez ele seja menos hipócrita.
A nova “guerra civil americana”.
Em 6 de janeiro de 2021, Trump incitou os aloprados a recuperar o poder pela força. “Você nunca recuperará seu país com fraqueza. Devem mostrar força e ser forte. […]. Lutem, lutem como homens condenados. E se vocês não lutarem como condenados, não haverá país para vocês”.
Mas verdade, desde 2008, os estadunidenses brancos, atolados em guerras insanas para a fortuna de muito poucos, humilhados pelo empobrecimento provocado pela crise financeira e aterrorizados pelo colapso demográfico, agarraram-se desesperadamente às suas armas, ao seu direito de comer hambúrgueres e ao seu direito de matar.
O que aconteceu em Washington no dia 6 de janeiro de 2021 não foi uma insurreição ou um golpe de Estado, mas sim um episódio ridículo e criminoso de uma nova guerra civil americana, que é o entrelaçamento de vários conflitos:
- Conflito entre o nacionalismo branco e o globalismo liberal.
- Conflito entre a população branca e a população negra, latina e asiática.
- Conflito entre as metrópoles excludentes e as áreas rurais empobrecidas.
- Conflito cultural entre secularistas e fanáticos de algum do muitos Jeovás sintéticos.
Mas esta é uma guerra civil psicótica, guerra de lunáticos armados, que decidem matar a primeira pessoa que se coloque no caminho. Diz Beraldi “Este é o verdadeiro abismo estadunidense, não a propagação de fake news”.
Em 2024 aconteceu o impensável: um nazista de cabeleira loira venceu as novamente as eleições!
A partir desse momento ficou claro que a maior potência do mundo está fora de controle, sendo que para cada 100 habitantes existem 120 armas de fogo disponíveis. Os Democratas queixam-se de que as redes sociais produzem uma avalanche de falsidades, mas só uma pessoa ingênua não perceberia que as falsidades não podem ser erradicadas, porque os Estados Unidos são o reino da falsidade.
Entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2023, ocorreram 28.293 mortes por armas de fogo nos Estados Unidos. As mortes em ações de assassinatos coletivos foram 474. Os homicídios não intencionados por arma de fogo, ou seja, os mortos por acidente no manuseio de arma, foram 1.070.
Apesar de consumirem quatro vezes mais eletricidade e muito mais carne do que qualquer outra pessoa no planeta (ou talvez por causa disso), os cidadãos dos Estados Unidos levam vidas miseráveis. A expectativa média de vida na Espanha é de 83,3 anos, na Suécia 83,1, na Itália 82,7, na China 77,1. Nos Estados Unidos, a expectativa de vida nos últimos anos é de 76,1 anos, próxima da nossa, brasileira.
65% dos norte-americanos não têm poupanças e, se adoecerem, têm boas chances de morrer nas ruas.
Em 2022, se produziram 100 mil mortes por overdose de opiáceos.
A maior potência militar do planeta está se desintegrando. A palavra “impensável” é recorrente no discurso público estadunidense nos últimos anos. “Precisamos pensar o impensável sobre o nosso país” é o título de um editorial do The New York Times publicado em 13 de janeiro de 2022, escrito por Jonathan Stevenson e Steven Simon: “os Estados Unidos como conhecemos poderão desintegrar-se”.
Sete dos primeiros dez presidentes americanos eram proprietários de escravos. Estes fatos não são acidentais, mas nascem da própria arquitetura das instituições americanas.
A escravidão faz parte da bagagem psíquica da nação estadunidense. Como não pensar que esta nação é um perigo para a sobrevivência da humanidade?
Trump voltará a ser presidente dos Estados Unidos da América enquanto o mundo entrou, por meio das instâncias estadunidenses, num ciclo de guerra civil psicótica, cujos resultados são imprevisíveis e, na verdade, verdadeiramente impensáveis.
O caos está garantido.
Referência: Franco Berardi, em Diario Red, Itália.
2 respostas
Trump infernal.
Já faz um bom tempo que eu tenho divulgado esta frase: “Morto o comunismo, só resta à humanidade civilizar o capitalismo ou prosseguir na sua marcha em direção ao abismo, conduzida pelos psicopatas do poder” . Este magnifico artigo do Carlos Russo Jr. era tudo que eu precisava para justificar minha tese “apocalíptica”. Na verdade não é tão apocalíptica porque ela exclui a guerra nuclear da marcha para o abismo.
Agradeço imensamente ao autor do artigo por me poupar o enorme esforço de análise e pesquisa que dedicou.
Existe ainda uma outra convergência que diz respeito ao processo que designo como “esquizofrenia social” que designa o processo de enlouquecimento da humanidade, que é ignorado pelos psiquiatras, psicólogos, psicanalistas e psicoterapeutas das diversas correntes e que foi muito bem destacado no artigo.