“Às cidades cheguei em tempos de desordem, quando reinava a fome. Entre os homens cheguei em tempo de revolta, e me revoltei com eles. Assim passou o tempo que me foi dado a viver. ”
Brecht nasceu na Baviera, no extremo sul da Alemanha, estudou medicina, mas sua real vocação eram as letras, teatro e cinema.
Com a eleição de Hitler, em 1933, Brecht exila-se primeiro na Áustria, depois Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos e, depois, fugindo do macarthismo, tem negada sua permanência na Alemanha Ocidental e termina seus dias na Alemanha Oriental.
Seus textos, poemas e montagens teatrais fizeram de Brecht um dos escritores fundamentais do século XX: revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudou completamente a função e o sentido social do teatro, usando-o como arma de consciencialização e politização.
Em 2015, Kuhn e Giles no livro “Brecht on Art & Politics” (sem versão para o Português) listaram, a partir de seus trabalhos, uma série de excertos sobre o nazifascimo, que se refletem nos tempos presentes do recrudecimento da barbárie.
Nesse ensaio resumimos alguns deles:
• Quando se fala o tempo todo que alguém sem conhecimento e sem educação é melhor que alguém bem informado, é preciso perguntar: melhor para quem?
• É preciso coragem para dizer que os bons foram derrotados porque eram fracos e não porque eram bons.
• A ambiguidade caracteriza o falso. A verdade que se opõe à mentira tem que ser prática, factual, inegável e ir ao coração da matéria. A verdade tem que tornar as pessoas capazes de influir sobre os acontecimentos.
• O fascismo é forma mais crua, mais descarada, mais opressiva e fraudulenta do capitalismo. Não se pode levar a sério quem denuncia as brutalidades do fascismo, mas não combate o capitalismo. Estes não são contra as relações de produção que produzem a barbárie, apenas são contra a barbárie.
• Fascismo não é uma catástrofe natural. É preciso tratar de verdades práticas, produzir conhecimento sobre como evitar uma catástrofe (inclusive a natural) e mostrar que se pode resistir mesmo nas condições mais terríveis.
• É preciso escrever a verdade e dirigi-la a quem é capaz de fazer uso dela. A verdade é guerreira. Ela não luta só contra a falsidade, mas também contra as pessoas que disseminam a falsidade.
• É preciso saber usar as palavras. Seguir o exemplo de Confúcio, que em lugar de escrever “fulano foi morto”, escreveu “fulano foi assassinado” e, em lugar de escrever “o tirano foi morto”, escreveu “o tirano foi executado”. Outros mestres da tática de Confúcio: Thomas More, Jonathan Swift, Voltaire, Lenin e Lucrécio.
• É preciso retirar o misticismo preguiçoso das palavras. Chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome.
• A propaganda a favor do pensamento é sempre útil para a causa dos oprimidos. O pensamento é desqualificado em regimes que servem à exploração. Tudo o que é útil aos oprimidos é desqualificado. Sob governos fascistas, pensar é desqualificado como ordinário.
• Um modo de pensar que dá ênfase ao transitório é um bom meio de encorajar os oprimidos. O pensamento deve dar destaque às contradições e ao modo como elas se desenvolvem.
• Governos que não querem ver exposto o seu papel na produção da miséria falam muito em destino.
• Sem identificar a verdade básica do nosso tempo, nenhuma verdade importante pode ser encontrada. A grande verdade do nosso tempo é que estamos mergulhados na barbárie porque as relações de produção só podem se manter pela violência.
• Temos que dizer quais as medidas a tomar para acabar com as condições de produção da barbárie. E dizê-lo aos que têm interesse em mudar as relações de produção: os trabalhadores e os que podem se aliar a eles porque também não são proprietários dos meios de produção, mesmo que se beneficiem dos lucros.
• A verdade há de ser uma arma nas mãos certas e tem que ser divulgada com astúcia para não cair em mãos inimigas.
• Fascismo é a ditadura terrorista e aberta dos elementos mais reacionários, nacionalistas e imperialistas do capital financeiro.
• Aos que dizem que o fascismo emergiu como falha da educação, é preciso lembrar que os fascistas também acham que a educação foi negligenciada. E eles acreditam em sua capacidade de influenciar corações e mentes. Combinam a brutalidade das suas câmaras de tortura com a brutalidade das escolas, jornais e demais espaços de propaganda.
• O fascismo primeiro atacou os trabalhadores e suas organizações. Só depois começou o ataque à cultura.
• É impossível combater o fascismo e preservar o capitalismo. Rapidamente toda a burguesia vai entender que o fascismo é a melhor forma de Estado para o capitalismo da nossa época, assim como o liberalismo foi na anterior.
• A classe dominante é tão racional que só usa a razão em escala estritamente necessária e liberta as bestas do irracionalismo de modo racional e metódico.
• Para o capital, guerra é um negócio como outro qualquer, mesmo quando perdida.
• A socialdemocracia sacrifica a nação para salvar os negócios, mesmo quando todo mundo sabe que, quando a nação é sacrificada, os negócios também são.
• Socialismo não é distribuição de mercadorias, mas distribuição da produção. A produção tem que se expandir, ser planejada, liberta da necessidade de extorquir mais-valia e produzir lucro. O único adversário do programa fascista é o socialista. Para combater o fascismo, os socialdemocratas precisam fazer o exato oposto do que fazem.
• Nós, artistas de teatro, temos que convir que nos tempos que correm continuar vivo já é uma arte. O teatro pode contribuir para a arte de continuar vivo aprendendo com o inimigo: assim como o inimigo usa técnicas teatrais com objetivos não artísticos, nós também não teremos objetivos artísticos.
• O teatro pode apresentar aos espectadores a chave para examinar os problemas sociais.
“Quando vivi, a rua levava ao pântano. A fala me denunciou ao carniceiro. Pouco poderia fazer. Mas, esperava, os governantes ficavam mais seguros sem mim. Assim passou o tempo que me foi dado na terra. ”
E, finalmente, um alento para as gerações que sobreviveriam à guerra antinazista: “Vocês que emergirão da torrente em que nos afogamos, lembrem-se de ao falarem de nossa fraqueza, do tempo sombrio a que escaparam”.
1. Ref.: KUHN, Tom & GILES, Steve, eds. Brecht on Art & Politics. London: Bloomsbury Methuen Drama, 2015).
2. ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. Companhia das Letras,2010.