A condenação de Bolsonaro, juntamente com alguns dos seus asseclas, era o desfecho esperado, diante das barbaridades que ele cometeu durante o seu mandato presidencial entre 2019 e 2022. Ainda mais depois que perdeu, por pouco, a disputa eleitoral com Lula, em 2022, e esticou a corda contra o STF em várias ocasiões, mesmo depois que virou réu e ficou sob prisão domiciliar. Ele foi sempre instigado pelo filho Eduardo Bolsonaro, o 03, que fugiu para os Estados Unidos para evitar ser preso, mas também para somar forças com alguns párias brasileiros que já se encontravam em solo estadunidense, a exemplo do youtuber conspirador Paulo Figueiredo, neto do último presidente da recente ditadura brasileira, João Batista de Oliveira Figueiredo, na esperança de angariar apoio do governo autoritário de Donald Trump.
Como também era esperado, Trump penalizou o Brasil, e estabeleceu uma taxa recorde sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos, da ordem de 50%, salvo uma lista de aproximadamente 700 produtos, além de utilizar a Lei Magnitsky para punir oito ministros do STF, sob o argumento de estarem promovendo uma “caça às bruxas” contra seu lacaio. Espera-se novas sanções para breve, depois da condenação de Bolsonaro e seus aliados.
Apesar da pressão econômica e da recente declaração da porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, insinuando uma possível retaliação armada contra o Brasil, a Primeira Turma do STF e relator Ministro Alexandre de Moraes não se intimidaram e condenaram Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de estado, além de outros crimes. Outros sete envolvidos nas inúmeras conspirações também foram condenados, incluindo 3 oficiais generais da mais alta patente, quais sejam o Gen. Augusto Heleno, o Gen. Walter Braga Neto e o Gen. Paulo Sérgio Nogueira.
Não obstante o papel ridículo e sabujo do ministro Luiz Fux, único a votar contra a condenação do grupo golpista, Bolsonaro se tornou o primeiro presidente brasileiro condenado por tentativa de golpe de estado, e ainda levou junto com ele alguns generais 4 estrelas.
Nem que Trump enlouqueça de vez e resolva invadir o nosso país, esse fato histórico não será apagado!
Contudo, a sensação que ficou após a vitória da democracia não é de festa, mas de alívio. De fato, não houve manifestações públicas de grande porte após o veredito da Primeira Turma do STF. Em que pese o fim dessa etapa do processo judicial – e político, porque não? – contra Bolsonaro seja de extrema importância para a saúde das instituições democráticas do país, ainda falta muito para que os espectros do autoritarismo dentro de nossas fronteiras sejam definitivamente debelados, e podemos facilmente enumerar três motivos para isso.
O primeiro motivo, e o mais importante, é o espectro Trump. Quer gostem ou não, as Américas Central e Latina são uma espécie de quintal estadunidense, pelo menos desde que a doutrina Monroe foi adotada pelo presidente dos Estados Unidos James Monroe, em 1823. Com efeito, a fragilidade militar brasileira, principal país das duas Américas citadas acima e atualmente a oitava economia mundial, é proporcional ao receio de que o também condenado presidente yankee possa autorizar uma “operação militar especial”, a la Putin, contra o nosso país, para subverter a ordem democrática e restabelecer o bolsonarismo sabujo no poder.
É provável isso? Não. É possível? Sim. Ninguém de fato sabe o que se passa na cabeça de Trump. Não obstante a nossa longa lista de países parceiros e amigos, incluindo os BRICS e o Mercosul, a verdade é que ninguém mexeria um dedo contra os Estados Unidos se Trump resolvesse levar a cabo uma afronta dessa. Será que Lula e o PT acham que a China ou Putin, ou ambos, iriam disponibilizar recursos humanos e materiais contra Trump? Vejam o genocídio de Gaza e tirem suas próprias conclusões.
Ademais, se o plenário do STF confirmar a sentença de Bolsonaro, o Brasil estiver ainda se saindo razoavelmente bem contra as medidas tarifárias impostas pelos Estados Unidos – as que já existem e certamente as outras que virão – e a situação interna deste continuar a se deteriorar, como estamos a perceber, não é impossível que Trump resolva distrair a opinião pública estadunidense com outra guerra, no intuito de reforçar sua posição messiânica juntos aos fiéis tresloucados do MAGA. O Brasil poderia ser a bola da vez!
O segundo motivo é a fratura interna da sociedade brasileira, ou melhor, a alta polarização que ainda impera na nossa sociedade. A pesquisa Quaest dessa semana apontou que Lula estagnou nos 46% de aprovação e 51% de desaprovação. Mesmo que o resultado apresentado por esse instituto deva ser olhado com reserva, métricas são métricas. Nunca é bom descartá-las. Nesse sentido, se aceitarmos como fidedigna essa pesquisa, as forças progressistas deste país devem entender que não basta condenar Bolsonaro e alguns dos seus parceiros golpistas. A sociedade brasileira merece e quer mais.
Deveras, mesmo Lula estando hoje à frente de todos os possíveis candidatos à eleição de 2026, sua aprovação estagnou nos 46%. Apesar da postura republicana que adotou depois do tarifaço de Trump e das ameaças desse contra a ordem institucional do Brasil, por causa do julgamento de Jair Bolsonaro e seus pares, a polarização no país ainda é muito grande. Vai levar algum tempo para entendermos, com uma boa margem de certeza, o deslocamento de parte da população brasileira, notadamente da classe média para baixo, inclusive minorias, para o messianismo bolsonarista.
Nesse contexto, teorias como o “pobre de direita” e o histórico conservadorismo da nossa sociedade podem até explicar, em parte, essa última década, desde o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, passando pelo governo neoliberal e desastroso de Michel Temer, até desembocar no governo autoritário de Jair Bolsonaro, mas não totalmente.
Conquanto o messianismo seja um mote relevante da filosofia política das massas – e no Brasil não é diferente -, a nossa experiência mais recente diferencia-se das eleições de Jânio Quadros, em 1960, e Collor de Mello, em 1990, na medida em que, ao contrário de Bolsonaro, aqueles eram civis.
Quanto ao terceiro motivo, há que se ter em mira que a “Crítica à razão dualista”, do sociólogo Francisco de Oliveira (1933 – 2019), continua sendo extremamente relevante em plena terceira década do século XXI. Com efeito, o ornitorrinco, nome que o referido autor deu ao Brasil na época em que publicou o livro, em plena ditadura militar de 1973, permanece extremamente urbanizado, mas com um setor rural forte no agrobusiness. Ou seja, a Revolução Industrial chegou aqui à “meia-boca”, sem completar toda a evolução orgânica do capital até a seu estágio mais avançado do capitalismo 4.0.
Por consequência, o Brasil não se emancipou, por completo, em termos de conhecimento técnico-científico-informático, de modo a suportar os novos desafios que a Inteligência Artificial está a prometer para este século. Pior ainda, sequer conseguiu superar a condição histórica de país de terceiro mundo ou de país em desenvolvimento, que foi ostentada com orgulho na época de Juscelino Kubitschek, na década de 1950.
Ora, como resta evidente, e Chico de Oliveira frisou isso muito bem, a adoção da democracia parlamentar não basta para elevar o status de qualquer nação. Muito menos a de um país como o Brasil, onde o ornitorrinco – um animal improvável na escala da evolução -, representado pelo PT, o partido político mais importante das últimas décadas – visto que terá governado o país durante 20 dos últimos 26 anos, quando finalizado o terceiro governo de Lula em 2026 -, não conseguiu extirpar a miséria que aflige parte da população e se manteve amarrado à economia de mercado, preferindo incentivar propostas reformistas que reduzissem a luta de classes à demanda.
Nessa toada, concluo que o cenário sombrio que se espraia pelo mundo – o que o historiador britânico e professor universitário Tony Judt (1948 – 2010) chamou de “o mal ronda a terra” -, apresenta-se em solo nacional de forma ainda mais ameaçadora no segundo governo Trump. De fato, mesmo com o Poder Executivo e o Poder Judiciário unidos em prol da democracia, temos um Poder Legislativo obscuro, interesseiro – haja visto a ignomínia da PEC da Blindagem (ou seria da “bandidagem”?) -, errático e sem compromisso com a população. Por outro lado, não temos um poder militar de dissuasão eficaz ou, em outras palavras, Forças Armadas com poderio bélico suficiente para desestimular a principal potência do globo, os Estados Unidos, a colocar em prática eventual plano de retaliação pela força por se sentirem prejudicados do ponto de vista econômico ou político. Além disso, não temos uma economia interna pujante, capaz de suportar e absorver, pelo menos em parte, os solavancos que as tarifas descabidas impostas pelo atual governo Trump estão causando mundo afora. Por fim, não temos um projeto político de longo prazo, com proposta, por exemplo, de reforma da Constituição no que concerne aos partidos políticos, para afastar a caricatura do messianismo da nossa política.
Se tais questões não forem enfrentadas e resolvidas, estaremos sempre à mercê dos ventos fortes que sopram no planeta, com sérias consequências para nossa sociedade tupiniquim.
Portanto, reafirmo, ainda falta muito para o Brasil emergir como potência mundial autônoma – se é que esse dia chegará -, plenamente capaz de ditar os rumos da sua sociedade, conforme os anseios e desejos da maioria da sua população.