Se o Brasil é um dos países mais desiguais e violentos do mundo, um dos principais fatores, que ao mesmo tempo é causa e efeito, é o analfabetismo funcional que abarca um terço da população, enquanto outro terço possui uma alfabetização apenas sofrível. No entanto, a maioria de nosso povo, pese à incapacidade de compreensão de textos com um mínimo de complexidade, é dos mais assíduos “comunicadores” sociais. Praticamente 90% de nossa população vive atrelada ao que se denomina mídia social, prioritariamente através da disseminação de imagens e de mensagens faladas, sendo por esse motivo absolutamente vulnerável à manipulação política e a crer e divulgar aquilo que se convencionou chamar de “fake news”.
Acrescente-se a isso um profundo desencanto com um processo político decadente, corrupto e corruptor, uma enorme revolta e decepção com governos democráticos de esquerda, uma crise econômica profunda que principiou no último governo petista e que produziu uma massa de desempregados, desencantados, precarizados e esmoleres, algo próximo a quarenta por cento da força de trabalho. Também o princípio do desmonte do Estado que coincide com o segundo mandato de Dilma, reduzindo a capacidade e a abrangência da Seguridade Social, ancorou uma perspectiva de “negar tudo” da população menos assistida e da própria classe média, assim como a busca por um “salvador da pátria”, um “messias”qualquer que ele fosse.
Foi a partir destas bases estruturais e superestruturais que a população majoritariamente elegeu representantes que pregam abertamente a misoginia, a homofobia e que são racial e socialmente preconceituosos. Atrelados a um deus, O Mercado, este estamento político- religioso- policial- militar, que assumirá o poder em janeiro, deseja vincular o Estado a certo tipo de igrejas e crenças, ancorando o exercício da intolerância a princípios religiosos excludentes, toscos e oportunistas.
Quando se propalam valores adormecidos desde o Iluminismo e a Revolução Francesa de 1789, sem dúvida caminhamos em direção a uma bifurcação na estrada real da vida: podemos seguir pelo lado da barbárie, que é o natural, inerente mesmo à dinâmica do capitalismo (aliás, recordemos Lacan que afirma ser o capitalismo uma espécie arquetípica do subconsciente humano), cuja eleição de Bolsonaro e da maioria do Poder Legislativo é um sinal, ou caminharmos para outro lado, tão complexo quanto novo e inseguro, uma trilha de resistência e redescobertas que conduza ao Renascer da humanidade intrínseca a nosso povo e de seus valores.
Para iniciarmos a visualização de uma base de atuação política que permita um renascer civilizatório, é fundamental que conheçamos em profundidade as origens e as bases daquelas seitas religiosas que darão o suporte ao Governo Bolsonaro, que são absolutamente oportunistas e reacionárias, e que se adequam com perfeição como base supra estrutural do fascismo de oportunidade na destruição de conquistas democráticas e civilizatórias, papel já desempenhado no passado pela Igreja Católica, por exemplo, na Itália de Mussolini: trata-se hoje, da imensa maioria das seitas denominadas Neopentecostais!
Dentre os momentos mais marcantes da história da humanidade estão aqueles em que surgem as Religiões. A ideia que brota quase sempre de um único cérebro transborda atingindo centenas, milhares e milhões.
Pois foi, em sua origem, precisamente esse o caso do enorme conjunto de seitas religiosas, denominadas genericamente de “Religiões Neopentecostais”, que se desenvolveram nos Estados Unidos da América a partir da última década do século XIX e empolgam, no século XXI, parcelas crescentes da humanidade em quase todos os continentes.
Os neopentecostais abrangem mais de dezenove mil denominações e congregam acima de trezentos milhões de seguidores em todo o mundo (dados de 2010, portanto, já desatualizados). Possuem mídia televisiva e forte presença em todos os outros canais próprios de divulgação de massa. Em nosso País tinham como alvo elegerem uma formidável bancada de deputados e senadores e de alguma forma alcançarem o Poder Central da República e o conseguiram!
Estima-se que as seitas no geral movimentem mais de trinta bilhões de dólares anuais, boa parte dos quais com isenção de impostos e à margem de controles formais, num permanente e complexo caixa paralelo. No Brasil estima-se de modo conservador que o mercado da fé movimente mais de dois bilhões de dólares anuais!
Ao analisarmos as diferentes correntes pentecostais encontraremos muitos pilares comuns como a “doutrina da prosperidade”, da “confissão positiva”; descortinaremos também que “a pobreza e a doença derivam de maldições, de fracassos, das vidas em pecado ou da falta de fé religiosa” e, em decorrência desses preceitos, um “verdadeiro cristão” deveria ter a marca da plena fé, ser bem-sucedido financeiramente, possuir saúde física, emocional e espiritual.
Outro pilar que lhes é comum é a permanente batalha espiritual entre os componentes da “Santíssima Trindade” e o Diabo, trazendo um renascer de conceitos medievais, tais como o confronto direto entre o homem e os demônios, as ditas maldições hereditárias, a posse dos crentes pelas forças “magnéticas” do mal. Não poucas vezes aqueles “pastores” ou “médiuns” operam “curas milagrosas” para doenças psíquicas ou físicas, chegando mesmo ao ponto de negação da materialidade dos males que afligem os homens. Desenvolveram ainda formas arcaicas de encarar a fé religiosa, tendo por foco a busca de revelações diretamente feitas por Deus ou pelo Espírito Santo a seus “pastores”, “bispos” ou “apóstolos”, em relações de privilégios nas quais o rebanho é conclamado a inserir-se.
A unirem as mais variadas seitas estão aspectos socialmente reacionários como os preconceitos claros ou encobertos contra a homossexualidade e a misoginia que retira a possibilidade da mulher decidir sobre seu próprio corpo.
O contraponto dessas filosofias que negam a realidade e a evolução, que mistificam o conceito do divino, é o seu mais cru materialismo assentado numa estreitíssima aliança do espiritual com o dinheiro e os créditos bancários. Elas substituem o ensinamento de Cristo “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, por um avatar que não lhes é exclusivo, mas que em nenhuma religião é tão explícito: uma moeda onde o lado “cara” tem a figura de Cristo, e o lado “coroa” a imagem do dinheiro, preferencialmente o Dólar, na sua carência vale o Real.
A maioria das seitas é quase sempre totalitária. Anseiam pela exclusão do Estado laico, atrelando, por exemplo, a educação a formas do criacionismo bíblico. Não constitui espanto o surgimento da Escola sem Partido, por mais esdrúxulo e incrivelmente estúpido que o mesmo possa parecer. Em nosso Brasil, em aliança com as bancadas legislativas da Bala e do Boi, congregarão mais de 50% das cadeiras federais.
A seta da história aponta para a “Ciência de Cristo”, como a inspiradora de todas as religiões neopentecostais subsequentes. Essa seita, fundada em 1886 por Mary Baker-Eddy, possui ainda hoje, um século após a morte de sua fundadora e “imperadora” como ela se fazia chamar, quase mil e novecentas igrejas, estando presente em setenta e seis países. A “bíblia” desse movimento, escrita por Baker-Eddy denomina-se “Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras”, um best-seller por décadas. Em 1995, “Mother Mary” foi incluída no Hall da Fama de Hollywood e, em 2002, uma Biblioteca com seu nome e totalmente dedicada aos seus escritos foi franqueada ao público.
A “Grande Basílica” da seita, inaugurada em 1906, com a qual o Templo de Salomão do “Bispo” Edir Macedo, instalado em São Paulo ainda no governo Dilma tem a pretensão de concorrer, possui capacidade interna de recepção para vinte mil crentes.
Deve-se assinalar que o jornal publicado pela “Ciência de Cristo”, “O Monitor”, ganhou ao longo de décadas sete prêmios Politzer, assumindo, inclusive, em determinados momentos históricos, posições progressistas e respeitáveis em defesa dos direitos humanos, sendo que isto se passou após mais de cinquenta anos da morte da fundadora. De uma maneira geral pode-se dizer que essa crença, tendo sido a grande precursora das seitas neopentecostais, no decorrer dos anos perdeu sua belicosidade inicial e aproximou-se daquelas correntes evangélicas mais tradicionais, tornando-se menos autoritária e excludente.
Mas foram suas sementes originais de intolerância, ganância e poder político que gerariam milhares de outras seitas. A “Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras” influenciará de modo direto, na primeira década do século XX, homens como E. W. Kenyor, o inspirador da “Teologia da Prosperidade” e K. Hagin o fundador da primeira “Assembleia de Deus”, que ele inaugura após um propalado batismo pelo “Espírito Santo”, em 1937.
Da mesma maneira, a “Ciência de Cristo” inspirará o tele evangelismo, que desde a década dos anos oitenta frequenta diversos canais da televisão aberta e a cabo, a bordo do qual embarcam prestigiadores como o já citado “bispo” Edir Macedo, Malafaias e outro que tais. Edir Macedo é paradigmático: antigo pesquisador do IBGE na década de 1970, católico desde nascença, teve sua “revelação” em 1976 ( um copo de água ferveu ao ser colocado sobre um rádio a válvulas) e fundou, em 1977, a hoje multinacional da fé denominada “Igreja Universal do Reino de Deus”.
Mas voltemos a Mary Baker. Ela nasce em uma família pobre, no ano de 1821. A menina fisicamente frágil tem dificuldade em acompanhar os estudos escolares e os abandonará prematuramente antes da conclusão do primeiro grau. Transforma-se em uma adolescente indolente que prima por chamar a atenção dos familiares sobre si, num ar incontido de presunção e superioridade. A cada vez que é contrariada pelos parentes, desenvolve “ataque dos nervos” os quais adotará por toda a vida, como seu método pessoal de tiranizar as pessoas. De todos os modos, a mocinha chegará à idade adulta sem jamais haver trabalhado, nem mesmo nos afazeres domésticos.
Para alívio de seus pais e irmãos, Mary casa-se aos vinte e dois anos com um jovem chamado Glover; viajam para o oeste e estabelecem seu lar. Mas, por um desses infortúnios da vida, após apenas um ano e meio de casada e estando grávida, morre-lhe o esposo. Ela regressa à casa dos pais e volta a sofrer de “ataques nervosos”. Nascido seu filho, ela descobre que a maternidade é um “serviço” que tão pouco lhe atrai e decide desfazer-se da criança.
Novamente repetem-se as cenas da adolescência em que ninguém se atreve a contradizê-la para evitar os conhecidos achaques. Ela seguirá levando uma vida parasitária até os cinquenta anos de idade, tendo sido sustentada primeiro pelo pai, depois pela irmã e finalmente pela caridade alheia.
Enquanto tudo isso ocorre, na distante Portland chega certo discípulo do alemão Messmer e traz para a América a novidade do hipnotismo, uma alternativa para a “cura” dos males do espírito. Um relojoeiro de nome Quimby interessa-se pelo método e começa uma espécie de pesquisa em que anota todos os efeitos da hipnose sobre os “médiuns” e os enfermos. Na sua simplicidade Quimby percebe que pode auxiliar pessoas doentes, mesmo dispensando o recurso do hipnotismo, e, também que pode viver de suas “curas”. Então o “Dr. Quimby” desenvolve um método próprio, que ele denomina “Cura pela Mente”, como “Jesus Cristo fizera antes dele dezoito séculos atrás”.
Mary Baker ouve falar dos resultados desses tratamentos e decide que quer se curar. Em 1862, consegue arrancar dinheiro dos familiares e viaja até Portland, submetendo-se de corpo e alma a Quimby. Ora, ela possuía uma predisposição para o “milagre” do Dr. Quimby e além disso, busca em si mesma a “vontade de possuir saúde”, afinal, aquela era sua última cartada para que um “prodígio”, fazendo-a “crescer acima de todos”, pudesse acontecer. Se voltasse no mesmo estado de enferma para a sua cidade seria desprezada e, se curada, ela seria o próprio prodígio!
Ao final de uma semana de tratamento, a inválida está completamente curada; rejuvenesce e faz brotar em si mesma uma energia que a fará, em breve, subjugar e fazer-se sentir por milhões de pessoas. Faz com que Quimby empreste-lhe todas suas anotações, as tais “Perguntas e Respostas” de suas pesquisas, que ela, à noite, copia.
Ao retornar à casa da irmã, Mary Baker é, no seu próprio dizer, uma pessoa que “ressuscitou como Lázaro” e faz de Quimby “um continuador de Cristo”. Sobre esses fenômenos profere palestras, promove demonstrações, enfim, pratica um ensaio geral sobre o que fará apenas dez anos após. Parte de New-Hampshire onde nada e ninguém mais a amparará e viaja com sua pequena maleta para a vizinha cidade de Lynn.
Ainda faltam anos para que ela se transforme na mulher mais bem sucedida do princípio do século XX. Por enquanto, andará de casa em casa como uma parasita. Pessoas simples a acolhem como a uma peregrina, a “profetiza” que fala de curas maravilhosas. No entanto, nenhuma de suas estadas durará muito, Mary Baker não possui o mais tênue sentimento de gratidão para quem a ajude ou sustente. Sempre tentará subjugar e usar a todos os que lhe deem guarida. Seu caráter dominador, tirânico, suscita sempre conflitos e desavenças com as pessoas, inevitáveis consequências de uma presunção incontida.
Tem consciência de que seu temperamento instável e irritadiço é incapaz de “curar pela mente”. Para tanto seriam necessários empatia, calma, ouvidos, domínio e a paciência de um Quimby. Logo, ela precisa de um mediador. Para tanto publica anúncios em jornais, buscando aquele que “deseje aprender a curar enfermos”. O seu primeiro discípulo aparecerá em 1870, um jovem operário de nome Kennedy. Ela, mediante um contrato escrito em que cada um ficará com metade dos proventos, irá treina-lo em sua “ciência”.
A dupla arrenda uma sobreloja, onde também residirá, ele praticando sua “medicina” (a árvore em frente ganha uma tabuleta: “Dr. Kennedy- Ciência de Cristo”) e ela escrevendo, a tudo controlando. O êxito é tão grande que em três meses alugam também a loja abaixo. O plágio de Quimby é absoluto. Kennedy decora e repete: “Que o homem é divino, que Deus não quer o mal e, portanto, a dor, o mal e a enfermidade não existem. Os males não são senão imaginações, um erro de que a gente deva se livrar”. Alguma semelhança com a campanha de determinadas seitas movem nos dias de hoje contra a vacinação necessária das crianças?
Em determinado momento Mary Baker decide que já não lhe basta. Quer reunir mais apóstolos que levem ao mundo a não existência das doenças. A mestra de a “Ciência de Cristo” começa a formar seus “médicos” em cursos de seis semanas de duração. O êxito de Kennedy, que chega a faturar doze mil dólares por mês, atrai dezenas de operários e pequenos comerciantes para os cursos. Ela a princípio cobra-lhes cem dólares e, posteriormente, trezentos pelo curso e, por contrato, 10% de todos os ganhos futuros.
Mary Baker sente o fumo do sucesso e desde esse primeiro momento tenta patentear “suas descobertas” e convertê-las em dólares. Embora em sua crença não exista a matéria só o espírito, as notas bancárias são mais que reais para essa mulher.
Após dois anos de parceria Mary Baker deseja livrar-se do pacífico Kennedy. Do dia para a noite ela suprime a prática de se tocar no paciente, na qual Kennedy fora treinado e a qual praticava. Era a primeira de muitas excomunhões que faria: de seus lábios convulsos brotaram todas as monstruosidades imaginárias. Atribui a Kennedy tal de “influxo diabólico”, que é a própria necromancia medieval renascida. Com esse processo a sua “Ciência de Cristo” criará mais um pilar de sustentação: “o magnetismo animal malicioso”.
Mary Baker se auto promove como “a enviada de Deus para guiar seu rebanho na Terra”. Todos os domingos ela reunirá seus discípulos para a prédica dominical, acompanhada por música coral e piano. Ascende de professora a sacerdotisa, transformando sua terapêutica em sacerdócio.
Nega, desde sempre, todo o seu passado e apaga qualquer referência que um dia fizera a Quimby, “a quem jamais conhecera”. Sendo necessário criar uma “Legenda Áurea” sobre si mesma, toda a infância da sacerdotisa é agora recontada, incluindo entrevistas com anjos e Joana D’Arc. Ela própria define como sendo em 1866 o momento de “sua graça” (após a morte de Quimby, naturalmente), de sua revelação, quando o Senhor apareceu-lhe diretamente e inspirou-lhe a “Ciência de Cristo” e as leis divinas da vida. Mary Baker e sua metafísica entram para o reino do absurdo e nesse movimento lança as pedras fundamentais de todas as futuras seitas neopentecostais dos séculos XX e XXI!
Ela tornará a casar-se e seu terceiro marido será um dos discípulos, agora apóstolos, Gilbert Eddy, em 1887. Apesar de enriquecida, Mary Baker-Eddy sabe que todas as religiões em seus estágios embrionários não podem se permitir cismas, que possuem a possibilidade de destruir todo seu edifício. Contra todos aqueles que buscam caminhos independentes do seu ela, além da excomunhão, move processos na justiça dos homens. Chegará mesmo ao ponto de processar um ex-apóstolo por bruxaria, isso quase no século XX. O juiz encarregado do caso sorri na face daquela mulher magra e grisalha, colérica e que mal se contém de ódio, aquela que se diz “enviada pelo Espírito Santo”. O juiz declara-se incapaz de julgamentos cabalísticos e encerra uma de suas dezenas de processos.
A imprensa começa a indagar sobre as origens de tal sacerdócio e o prestígio de Mary Baker-Eddy ameaça desmoronar na pequena Lynn. Ela toma uma das grandes decisões de sua vida. Buscará nova cidade grande o bastante para seus projetos. Com todo o dinheiro acumulado irá mudar-se para Boston, carregando consigo apenas o marido Gilbert, cuja saúde não resistirá. A viúva declarará que a morte do marido ocorrera devido ao “arsênico metafísico”, um veneno mental emitido pelos demônios excomungados por sua fé.
Em Boston, ela adquire uma residência de três andares, na Avenida Colombo, a mais elegante da cidade. Decora cada ambiente com esmero, quadros e tapetes. Seus alunos serão pessoas “refinadas” e não mais os pobres de Lynn. Sua nova escola é nomeada de: “Universidade Metafísica de Massachusetts”, com uma autorização de funcionamento comprada dos agentes do Estado de Massachusetts. Alguma semelhança com a “Universidade” pentecostal recém aprovada em Brasília?
Todo domingo Mary Baker-Eddy sobe ao púlpito e o público que superlota a sua Universidade-Igreja retém a respiração perante sua ardente oratória. Desde então sua figura somente será vista em momentos especiais, criando ao redor de si uma auréola de mistério e encantamento. Para evitar os tropeços do passado ela erguerá anteparos que a distanciem de quem foi e de quem é: serão secretários, atendentes, advogados.
Ela também conhece muito bem a América de 1890 e sabe que aquele que deseje conquistá-la deverá primeiro ganhar a consciência das massas, com o ensurdecedor ribombar da propaganda. Sabe também, como saberão todos os futuros líderes das seitas neopentecostais que qualquer produto deve buscar atender seus consumidores, identificar suas necessidades e criar novas. Assim, Mary Baker-Eddy usará e abusará da publicidade. Cria o primeiro serviço de atendimento telefônico-religioso; em seguida, funda o “Jornal da Ciência de Cristo”, que com asas de mercúrio chegará a todos os recantos de Norte-América, trazendo a boa nova das curas de Boston, um novo método de “medicina universal”.
Desde Nova York, Filadélfia e New Jersey chegam enfermos, muitos dos quais se tornarão apóstolos da nova doutrina. E cada novo “doutor” trabalhará para aumentar as assinaturas do jornal. E, desde então, novos alunos sempre acorrerão a Boston.
A engrenagem funciona a todo vapor. Deste modo, entre 1890 e 1900 teremos trinta e três “Academias para doutorado” na “Ciência de Cristo”, distribuídas por quase todo o território americano. A bíblia “Ciência e Saúde” alcança a espantosa cifra de trezentos mil exemplares vendidos.
A cobiça de Mary Baker-Eddy não encontra limites e por isso a “Ciência de Cristo” será organizada dentro das melhores bases comerciais e contará com profissionais em áreas-chave. Logo surgirão souvenirs, imagens, fotos autografadas da fundadora, mais e mais livros, folhetos, até mesmo utensílios domésticos. Todo o dinheiro das doações recolhidas pela Universidade e percentagem das Academias irá para a conta bancária de “Mother Mary”; dezenas de milhões de dólares que serão aplicados na construção de Templos e em esplêndidas mansões de retiro.
O prestígio de Mary Baker-Eddy aumenta dia a dia. A cada aparição sua um público de dez, quinze mil pessoas aglomeram-se para ouvi-la falar. Em Chicago ela organizará sua primeira “Festa do Espírito”, em 1888, consagrando-se de vez. Mary assume-se com “A Profetiza” e decide construir o “Templo da Profetiza de Cristo”. É sua própria santificação!
Em seu discurso ela sempre associa os democratas e socialistas a demônios que buscam povoar a terra e delas expulsar as ovelhas de Deus. Ela, Mary Baker, será sua guardiã! Assemelha-se com as exortações “anticomunistas” dos pregadores de hoje em dia?
Ao abrirem-se as janelas do século XX, a igreja de Mary Baker-Eddy estará entre as quarenta maiores empresas norte-americanas, e uma das dez mais lucrativas. É chegada a hora do profissionalismo. Mary Baker define uma organização absolutamente piramidal de poder e de lucros. Cria um “Board of Directors”, do qual será a C.E.O., e todas as centenas de igrejas implantadas terão de manter uma obediência irrestrita à “Santa Madre Igreja”. Instruções específicas garantem percentagens de repartição dos lucros, métodos de contabilização dos resultados e impedem qualquer tipo de heresia doutrinária. Alguém tem dúvida a respeito do mestre que realmente inspirou um tipo como Edir Macedo e seu poderosíssimo negócio da fé?
Assim como o juiz de Lynn lhe desnudara a hipocrisia e a paranoia pecuniária, agora surgia a voz do jornalista, humorista e intelectual, Mark Twain, desmascarando-a: como Mary Baker dizia que o livro “Ciência e Saúde” lhe havia sido ditado por Deus, por que ela cobrava direitos autorais sobre algo que só à divindade seria devido? E, neste caso, quais as contas bancárias de Deus?
Mark Twain jamais a abandonaria em suas críticas enquanto ela vivesse. Ele denuncia na imprensa como sendo uma patranha a religião que somente se ocupa em acumular dinheiro para si mesma e para seus próprios membros, sem jamais preocupar-se em praticar a caridade ou em possuir um mínimo de altruísmo. E interroga-se: quando ela se aventuraria pela política? Não se faria esperar. Nas eleições legislativas de princípios do século XX, a bancada patrocinada pela Igreja de Baker chegaria a mais de vinte parlamentares. Em nosso país a fome dos neopentecostais pelo poder é inesgotável!
As respostas de Mary Baker-Eddy a quaisquer questionamentos sempre foram de um total cinismo, quando não de cólera. Por exemplo, diz que “Deus ordenara-lhe a cobrança para cada graça requerida, pois o cordeiro, para obter a graça, teria que sacrificar-se antes, pagando”. Hoje não ouvimos essa mesma frase reverberar nos templos da Igreja Mundial?
Apenas e tão somente a vida será capaz de desmistificar aquela grande charlatã: ela envelhece, perde seus dentes, os membros se entorpecem, surge dificuldade de fala e já não escuta o que lhe dizem; os cabelos escasseiam e as rugas se aprofundam. Não é a sua religião que afirmava que a doença e a velhice não existiam?
Mas as proporções de seus negócios se haviam tornado colossais. Quando a fundadora completa oitenta anos, sua igreja contava com mais de cem mil discípulos praticantes; os seus templos de pedra e mármore se disseminavam pela América; de toda a Europa surgiam mais e mais adesões e a fortuna pessoal da “Mother” era estimada em mais de dez milhões de dólares aos valores da época, ao redor do 2 bilhões nos valores de hoje.
Aos oitenta e dois anos, Mary Baker-Eddy encara um novo desafio, lançado pelo já fundado Templo de Nova York: erguer uma Basílica muito maior que o templo nova-iorquino para a Congregação das Igrejas! Essa Basílica, que constitui ainda hoje um dos mais belos edifícios de Boston, foi construída com doações que chegaram a dois milhões de dólares. Foi inaugurada em 1906 ao som do hino: “Pastor, indica-me o caminho”. Hino modificado, mas sempre repetido pelas novas seitas nos últimos cem anos.
A multimilionária Mary Baker-Eddy morre no auge de sua fama, dona de imenso poder não somente sobre sua religião, mas, também, sobre grande parcela dos Congressistas americanos, aos quais bancara eleições e reeleições, aos oitenta e nove anos de idade, no ano de 1910.
A senda por Mary Baker-Eddy aberta é disputada nos dias de hoje, por quase dezenove mil seitas, algumas de grande sucesso, utilizando as mesmas bases metafísicas que ela introduziu há mais de um século e que podem ser resumidas na união maquiavélica e perniciosa da religiosidade com o dinheiro, na exploração da crendice popular e na busca pelo poder terreno!
No Brasil, o maior e mais representativo grupo dessa corrente é a Igreja Universal do Reino de Deus, seguida pela Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Renascer em Cristo, a Igreja Mundial do Poder de Deus, a Igreja Apostólica Fonte da Vida, a Igreja Batista Nova Jerusalém, a Igreja Nacional do Senhor Jesus, Comunidade Cristã Paz e Vida e muitas igrejas dissidentes fazem parte ou se aproximam do Protestantismo Apostólico, que aceitam apóstolos, bispos e pastores ou missionários presidentes que norteiam o rumo de suas igrejas no País e pelo mundo. Pregadoras de um evangelismo massivo, o negócio da fé possui ou se utiliza de TVs, rádios, jornais, editoras e, principalmente a chamada mídia social.
Um dos discípulos de Baker-Eddy na atualidade é também um dos mais próximos conselheiros filosóficos e espirituais do Presidente Eleito do Brasil. Trata-se de Olavo de Carvalho, um impostor que se faz passar por filósofo e astrólogo, com residência no USA desde 1989. Por exemplo, Olavo de Carvalho criticou nada menos que Isaac Newton, a quem acusa de ter disseminado “o vírus da burrice na Terra.” A crítica estapafúrdica estende-se ainda a Giordano Bruno, que segundo ele, “não fez nenhuma descoberta metido que era em magia negra”, assim como ao próprio Galileu. Tão pouco acredita no aquecimento global e desqualifica o potencial perigo da AIDS que intitula “doença de gays”, fruto de “propaganda da indústria farmacêutica”. Atualmente empenha-se em projetos como “Escola sem Partido”, defendendo abertamente a gravação de aulas a serem proferidas em escolas. Para ele e seus discípulos a encanação do mal na Terra é representado pelos comunistas. Interrogados sobre quem seriam os comunistas sua comunicação é peremptória: todos os que defendem valores que podemos classificar como civilizatórios!