A CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) foi forçada a publicar documentos que confirmavam o que já se suspeitava: ela havia financiado experimentos de controle mental, usando descargas elétricas, drogas alucinógenas e outras técnicas abomináveis, sem o conhecimento das cobaias humanas.
Os milhares de pessoas afetadas e que não enlouqueceram ou se suicidaram, só começaram a entender o que lhes havia acontecido décadas depois: era o obscuro legado do programa ultrassecreto conhecido como MK-Ultra!
Tudo começou no princípio da década de 1950, quando a Guerra Fria estava no apogeu. A recém-formada CIA destinou US$ 25 milhões em dinheiro da época, para experimentos psiquiátricos em seres humanos.
“A ideia era tratar de descobrir como interrogar as pessoas e debilitá-las, e também como proteger seu pessoal (seus espiões) dessas técnicas”, disse à BBC o psiquiatra Harvey M. Weinstein, autor do livro autobiográfico “Father, Son and CIA”.
A agência do governo norte-americano utilizou organizações de fachada para se aproximar de mais de 80 instituições e pesquisadores nos EUA, Reino Unido e Canadá.
“Foi o programa mais secreto jamais conduzido pela CIA nos EUA”, disse à BBC o autor e historiador Tom Oneill. “Pacientes em hospitais psiquiátricos, presos em instituições federais e inclusive pessoas do público receberam drogas e foram parte de experimentos sem seu conhecimento ou consentimento”.
“Estabeleceram também o que chamavam casas de segurança, onde prostitutas levavam homens a quem, sem adverti-los, davam LSD para que os cientistas da CIA pudessem estudá-los, geralmente atrás de um espelho bidirecional”.
Outra prática comum era organizar e observar festas induzidas por LSD com música ao vivo. Essas festas se chamavam “provas de ácido”, e, por incrível que pareça, a cultura que surgiu a partir delas teve um papel chave no desenvolvimento dos movimentos hippies e psicodélicos anos depois. Ou seja, a CIA está na origem do uso de drogas ilícitas que se difundiram pelo mundo desde a segunda metade do século passado.
Alguns dos experimentos mais terríveis aconteceram no Allan Memorial Institute em Montreal, um hospital psiquiátrico no Canadá, onde as mentes de um número ainda desconhecido de pacientes foram sistematicamente destruídas. O hospital estava sob a direção do escocês-norte americano Donald Ewen Cameron, que era considerado um dos psiquiatras de maior destaque do mundo!
O doutor Cameron
Cameron era conhecido por defender um novo enfoque científico do cérebro, segundo o qual a psique funcionaria como um computador, podendo ser reprogramada, apagando memórias e o passado, podendo ser reconstruída por completo. Para isso, sua ação consistia em reduzir os pacientes a um estado psicológico infantil, quando os mesmos apresentariam vulnerabilidade cognitiva. Ao começar do zero, seria possível reestruturar a mente e plantar ideias na memória de um indivíduo sem que esse se desse conta de que elas não eram originais.
Pacientes que chegavam ao instituto por problemas menores, como transtornos de ansiedade ou depressão, inclusive aquelas pós-parto, eram colocados no “dormitório”, onde eram postos em coma induzido por dias ou meses. Em seguida, eram “desestruturados” por uma terapia eletroconvulsiva com potência e frequência nunca vistas, para que fossem reduzidos a um “estado vegetativo”, a partir do qual chegariam a um “estado mental mais saudável”, segundo a teoria de Cameron.
A CIA se juntou ao psiquiatra Cameron três anos depois de lançar o programa secreto MK-Ultra, através da Sociedade para a Investigação da Ecologia Humana, uma de suas organizações de fachada, por meio da qual canalizavam dinheiro. Entre janeiro de 1957 e setembro de 1960, a agência entregou ao psiquiatra, apenas formalmente, US$ 60 mil, o equivalente a US$ 600 mil nos dias de hoje.
Sem conhecimento ou consentimento, os pacientes foram tratados à força com grandes doses de drogas psicodélicas, como o LSD. Como parte do dito regime de reprogramação, que Cameron chamou de “condução psíquica”, obrigavam-nos a escutar mensagens cíclicas com fones de ouvido ou alto-falantes, às vezes instalados dentro do travesseiro dos pacientes, por até 20 horas ao dia, estivessem dormindo ou acordados.
O experimento de Cameron também envolveu a privação sensorial extrema — o que era suficiente, segundo o psiquiatra Harvey Weinstein, para provocar psicoses em qualquer pessoa. “Meu pai estava numa espécie de célula com as mãos cobertas para que não pudesse sentir nada; no escuro, para que não pudesse ver nada; e com um ruído constante, para que não pudesse escutar nada. Basicamente, isolado de toda sensação normal”.
Centenas de pacientes perderam a memória familiar e outros adquiriram uma amnésia permanente. Muitos também voltaram para casa em um “estado infantil” e precisaram de treinamento para recuperar a continência e capacidade de ir ao banheiro. Enganados sobre as intenções e métodos do tratamento, os pacientes carregaram sequelas pelo resto de suas vidas.
O programa MK-Ultra só foi interrompido definitivamente em 1973, quando algumas das provas de suas atividades foram apagadas dos registros oficiais.
“Tudo foi descoberto graças a um jornalista chamado John Marks, que escreveu o primeiro livro (em 1979) sobre o programa, chamado ‘Em busca do candidato de Manchúria: a CIA e o controle mental'”, diz o historiador Tom Oneill.
Nuremberg, os crimes de guerra nazistas e a CIA
Uma das ironias da história é que Donald Ewen Cameron havia sido um dos psiquiatras convidados a avaliar os nazistas acusados nos julgamentos de Nuremberg!
Pois em Nuremberg se estabeleceu pela primeira vez o denominado “Código de Nuremberg” para a ética da investigação científica, envolvendo experimentos com humanos. Foi também nos julgamentos que ocorreram em Nuremberg, que médicos nazistas foram condenados por “realizar experimentos médicos sem o consentimento das pessoas e com risco à sua integridade física ou psíquica”.
A confissão da CIA
“Houve audiências no Congresso dos EUA no meio dos anos 70, e a CIA finalmente admitiu que esse programa existia, mas fingiram inocência sobre os resultados”, conta Oneill. No entanto, diz o historiador, “a CIA sabia que estava quebrando todas as leis morais, éticas e legais ao fazer esses experimentos”.
A maioria dos sobreviventes sofreu em silêncio, levando o trauma para o túmulo. Mas com a liberação dos documentos, outras vítimas dos experimentos ou seus familiares puderam reconstituir os fatos.
No século XXI, alguns sobreviventes que não receberam desculpas formais e nem compensações financeiras apresentaram uma demanda coletiva contra as instituições que consideram responsáveis.
Os historiadores e sobreviventes reconhecem que o alcance e o impacto dos experimentos ainda são desconhecidos. Dada a natureza altamente sensível do programa, dificilmente essas informações virão à luz nos próximos anos.
“Todos estavam por trás disso. Sabiam o que estavam fazendo. E o faziam por razões militares e políticas”, denuncia Sowchuk. E financeiras!
O programa do governo norte-americano MK-Ultra encarnou na vida real o inimaginável terror ficcional de “1984” de George Orwell, ou seja: a destruição da mente humana através da perda de sua identidade!
Fontes:
MK-Ultra: The CIA’s secret pursuit of ‘mind control’ da BBC Reel e em CIA mind control experiments da BBC Witness.