“Era uma vez um homem chamado Jacinto Silva que em 1921, tinha uma livraria na rua 15 de Novembro, a casa Editora “O Livro”. Todas as tardes lá se reuniam um poeta, um romancista e um pintor. Guilherme de Almeida, Oswald de Andrade e Di Cavalcanti. Uma tarde o poeta leu, na sala aos fundos da livraria, o seu livro daquele ano. Depois outros autores leram outros livros e mais e mais gente foi chegando. Pintores e escultores, inclusive Brecheret fizeram exposições. Músicos tocaram. Foi quando nasceu a idéia de se fazer, nesse mesmo lugar, uma grande exposição de arte moderna, ilustrada com concertos de música e recitativos de poesias modernas. Tudo moderno.” (Carminha de Almeida, 1939).
Di Cavalcanti em “Viagens da minha vida” sustentou que ele sugerira a Paulo Prado “a nossa semana, que seria uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana”.
Paulo Prado e, posteriormente, Garça Aranha não somente apoiaram, mas alargaram a idéia, este último achando preferível realizá-la em São Paulo que no Rio, sobretudo porque “lá há um grupo forte de modernistas, não só escritores, mas poetas e artistas plásticos.”
A sala de leituras da editora foi, surpreendentemente, substituída pelo Teatro Municipal. René Thiollier fora ao Palácio dos Campos Elíseos falar com o dr. Washington Luís que cedeu o espaço, enquanto outros começaram a coleta de dinheiro para a realização do evento, principiando pelo Automóvel Club.
Quer no boca a boca, nos murais, nos panfletos ou na imprensa, a propaganda da Semana foi feita com um enorme estardalhaço.
E ela aconteceu em fevereiro de 1922, tempo de chuvas varonis em São Paulo, o que não impediu que multidões disputassem cada canto do Municipal na “Semana de Arte Moderna”. Quadros, esculturas, desenhos pelos saguões e corredores; conferências, declamações, concertos, danças no palco. Ivone Daumier realizando dança moderna vestida de borboleta; Guiomar Novaes deixando seu amado Chopin e tocando magistralmente Villa Lobos, Blanchet e Debussy…
Para uma assistência animada, que tanto aplaudia quanto vaiava, sem parar. Mário de Andrade, Graça Aranha, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Villa Lobos ( que até então só tocara no Rio de Janeiro), Sérgio Millier, John Grass, Zina Aita, Brecheret, todos agradeciam as palmas e as vaias com sorrisos de prazer. Ronald de Carvalho e Renato de Almeida protestavam quando ninguém os vaiava. O Homem Amarelo de Anita Malfatti atraía o olhar enviesado de muitas senhoras. Um senhor mais exaltado furou com a bengala o olho do retrato de Lazar Segall, nos reporta Carminha de Almeida.
O “Correio Paulistano” foi o jornal que melhor cobertura deu ao evento. Já o “O Estado de S. Paulo” publicou a seguinte nota em janeiro: “As colunas da secção livre estão à disposição de todos aqueles que, atacando a Semana de Arte Moderna, defendam o nosso patrimônio artístico”. Entretanto, dobrando-se à enorme tempestade desencadeada, no dia 3 de fevereiro publicou a programação dedicada aos dias 13, 15 e 17: No primeiro dia, “Pintura e Escultura”; no segundo, “Literatura e Poesia” e no terceiro, “Festival da Música”.
Graça Aranha abriu a Semana com a conferência: “Emoção Estética na Arte Moderna”. Também realizaram suas falas e recitais de poesia: Mário de Andrade, Álvaro Moreira, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, Afonso Schmidt, Sergio Millier, dentre outros.
Na Música: Guiomar Novaes, Villa-Lobos, Lucília Villa Lobos, Ernani Braga, Alfredo Gomes.
Na Escultura: Brecheret, Leão Veloso e Haarberg.
Na Pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Matins Ribeiro, Goeldi, Graz e Castello.
Se a “Semana de Arte Moderna” concentrou os esforços do pensamento modernista que tivera como seus precursores principais Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, foi após 1923, que aquilo que havia sido tomado pela sociedade e pela academia como uma “estudantada” ou uma “manifestação exibicionista de jovens artistas”, tornou praticamente impossível o silêncio imposto pelos conservadores.
Por volta de 1924 podemos considerar que uma “estética modernista” havia sido alcançada e foi quando os anti-modernistas perceberam que o moderno chegara para ficar e manter-se, o que seria o final da Grande Guerra, em 1945.
O Espírito Moderno.
A mola mestra do modernismo, sua idéia central é que as formas “tradicionais” das artes, a organização social e a vida cotidiana haviam se tornado todas elas ultrapassadas. Logo, o fundamental era deixá-las de lado e criar no seu lugar uma nova cultura.
O reexame de cada aspecto da existência, do comércio à filosofia, torna-se um desafio permanente e seu objetivo é encontrar as “marcas antigas” e substituí-las por novas formas, o que assinalaria o caminho para o “progresso”.
Logo, o modernismo cria para si próprio a negação e o questionamento permanente, substituindo-se o que já fora trocado pelo “novo” novo.
Filosoficamente, Friedrich Nietzsche mais que qualquer outro filósofo expressou esse espírito: “O mundo que sobreviveu á morte de Deus exige uma nova arquitetura mental, ato renovador de energia e vontade”. “Toda criação implica aniquilar e destruir valores”. O homem moderno é “filho de uma época fragmentada, pluralista, doente e estranha.”
Com o colapso da cultura tradicional, a palavra parecia desraigada, as imagens perdiam sua coerência, os símbolos a transcendência.
O moderno é um si mesmo um marco: um Novo Mundo nascendo junto com o século XX! Mas será um pouco mais tarde, entre 1914 e 1918, que a Primeira Guerra Mundial se prestará ao papel de o verdadeiro coveiro daquele mundo a desmoronado.
Terminada a Primeira Guerra, o mundo viverá um curto intervalo até a próxima hecatombe mundial. E é nesse período que a busca pelo novo torna-se não mais um movimento, mas uma obsessão!
E a Arte Moderna assumirá o seu papel de Vanguarda, tal quais as formações militares! Havia sempre o novo a ser descoberto e um velho a ser derrotado! E este papel o Modernismo desempenhará até mesmo o final da Grande Guerra, em 1945.