A obra de arte e suas formas

Afinal, quantas vezes nos perguntamos sobre o que seria a arte? Talvez a resposta mais sintética possível seja: a arte é a disposição humana de material sensível ou intelectual para uma finalidade estética.

Penso na impressão propiciada pelo belo de um corpo feminino e admito que cada civilização admire determinado tipo, certo padrão de beleza. Estariam as qualidades dos corpos de certa forma determinadas pela consonância entre estas e as múltiplas funções da mulher na proliferação da nossa espécie?

Prefiro pensar que não, ou pelo menos que este fator seja bastante relativo, mesmo aceitando ser o mundo humano mais monótono do que tantas vezes o imaginamos. Acontece que um mesmo objeto pode não causar a mesma impressão de belo para todos, mas todos podem admirar um belo objeto, na medida em que descobrem no mesmo certas relações que satisfaçam. São relações sensíveis que se tornam “visíveis” para mim de uma forma e para outros de outra, de tal maneira que devem conter as necessárias qualidades da beleza percebida por todos.

Busquemos a conceituação de beleza que nos deixou o aristotélico São Tomás de Aquino, um sábio que balizou a escolástica e suas idéias constituiriam o próprio “tomismo”, uma das centralidades do catolicismo a partir do século XIII.

Dizia Aquino que três princípios devem alicerçar o belo: integritas (integridade), consonancia   ( harmonia) e claritas ( irradiância).

Principiemos pela integridade. Para vermos o corpo daquela bela mulher temos de separá-lo do restante do universo visível, de tal modo que realizamos sua apreensão envolvendo-o numa linha que o limite e contorne. No nosso exemplo, a imagem estética se nos apresenta no espaço que a rodeia, o que sempre ocorre no universo do belo visível ou no sensível, táctil.

Deixando o corpo feminino de lado por ora, caso o belo fosse audível tal qual uma sinfonia ou um cântico, a nossa linha envolvente se daria no tempo, não mais no espaço.

Não importa, quer no espaço, quer no tempo, a imagem estética é luminosamente apreendida, auto-limitada e auto-contida, sobre um incomensurável pano de fundo espacial ou temporal, que encerra tudo o que a imagem não o seja. Temos como que uma síntese da percepção imediata.

E ela será seguida pela análise do que foi apreendido. Chegamos então à consonancia ou harmonia. Sentimos o ritmo da estrutura, cada ponto da imagem como uma parte e seus limites. Se já sabíamos que “era uma coisa”, agora a imagem estética é sentida como uma coisa que é complexa, indivisível, onde cada fragmento faz parte de um todo e o próprio ritmo da imagem conforma-se num todo. Logo, a análise nos configurará sua complexidade, multiplicidade e divisibilidade, integrada por suas partes em uma somatória harmoniosa.

Chegamos a claritas, a irradiância. Especulou-se que Aquino teria em mente como simbolismo idealizado a suprema qualidade da beleza, configurando-a como uma luz originária de outro universo (o espiritual), quando a matéria seria apenas sua sombra e a realidade nada mais que um simbolo. Nesse caminho, claritas seria descoberta, a representação artística plasmaria a intenção divina sobre determinado objeto. E a imagem estética faria com que seu próprio existir se irradiasse.

Como podemos concluir, a irradiância da obra de arte seria a parte suprema da beleza, sentida pelo artista já no instante em que a imagem estética é concebida em sua imaginação.

Pelo lado do observador, este é sempre surpreendido quando toma contato com a beleza; graças à irradiância, a imagem é apreendida luminosamente pelo espírito que a sente, no mesmo instante em que a integridade e a harmonia completam o êxtase silencioso do prazer estético, tomando o coração do observador de assalto e encantando-o.

Quanto á forma, a arte se apresenta sob o aspecto de líricaquando, unicamente, o artista manifesta a imagem em imediata e exclusiva relação consigo próprio.

Sempre quando este expõe a imagem estética em relação consigo mesmo e com os outros, manifesta-se o épico.

Finalmente a arte adquire a forma de dramática ou trágica sempre quando a imagem extrapola o autor e busca exclusivamente a relação com os outros, com o universal.

Desse modo, a forma lírica é a veste mais simples de um instante de emoção, podemos até caracterizá-la como uma exclamação rítmica do autor. O artista, ao proferi-la, está mais consciente do instante da emoção que percorre sua alma que de si próprio, o próprio agente possuído pela emoção.

Sempre que o artista se prolongue, da forma lírica emerge a épica. Já não importa que o centro irradiador da emoção fique eqüidistante ou não do artista e do universo, pois a narrativa deixou de ser pessoal e a personalidade do autor emana na própria narrativa. Metaforicamente é como se, principiando na primeira pessoa a comunicação fosse concluída na terceira pessoa do plural.

Agora a forma dramática é atingida quando a vitalidade que preencheu e turbilhonou ao redor de cada pessoa, engloba todas as pessoas com tal vitalidade que a obra assume vida própria estética e torna-se intangível. Se a personalidade do artista a princípio era um grito, um modo de expressão ou uma cadência, depois uma narrativa, no drama se clarifica e sua irradiância situa-se fora mesmo da existência, e podemos mesmo afirmar, que se despersonaliza.

A forma dramática na sua existência como que purifica a vida em si mesma, antes de projetá-la para fora do imaginário do autor. Coincide com a realização do mistério da criação artística, da criação de um novo mundo materializado. Já o artista, como um deus da criação permanece lá dentro, junto, atrás ou acima de sua obra. Invisível, pois clarificado, irradiado para fora da própria existência.

Diríamos como para concluir: indiferente!

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